Enquanto muitos correm para o portão de embarque, um viajante prefere outra cadência: janelas, estações e conversas que não cabem num voo.
De Berlim a Tallinn, uma escolha radical chama atenção: abandonar o avião e abraçar os trilhos, mesmo com mais conexões, mais tempo e maior gasto. A decisão nasce de uma paixão antiga, ganha força com a pressão por reduzir emissões e revela um cenário europeu em transformação, feito de novas rotas, velhas falhas e expectativas crescentes.
Uma decisão que provoca debate
Para ir da capital alemã à capital estoniana, Mark Smith dividiu a viagem em oito trechos, ao longo de quatro dias. O percurso cobriu cerca de 1.800 quilômetros e custou perto de US$ 500, algo como dez vezes o valor de um bilhete aéreo promocional para o mesmo trajeto. A comparação é inevitável: o avião faria tudo em menos de três horas. Ele seguiu de trem, por convicção e por prazer.
Quatro dias, oito conexões e 1.800 km: uma rota que custa mais, demora mais, mas entrega outra forma de viajar.
Smith transformou a curiosidade de adolescente em uma carreira dedicada aos trilhos. Em 2001, lançou um guia online de viagens ferroviárias que hoje reúne rotas, tarifas e instruções em mais de cem países e atrai até 1 milhão de visitas por mês. A audiência mudou: gente com medo de voar ainda aparece, mas cresce o grupo que busca conforto, controle do tempo e menor impacto ambiental.
Quem escolhe o trem e por quê
Há motivações diferentes para a mesma decisão. O trem permite entrar no centro da cidade e sair dele, sem longos deslocamentos até aeroportos. O embarque tende a ser menos tenso. O ritmo favorece encontros, leituras, trabalho focado e a paisagem em movimento. E a viagem vira parte do roteiro — não apenas um intervalo entre origem e destino.
Impacto ambiental e sensação de viagem
Nos números, a diferença é concreta. A aviação comercial responde por algo próximo de 2,5% das emissões globais de CO₂. Carros particulares chegam perto de 10%. Os trens, somados, ficam por volta de 0,26%. Numa rota longa como Berlim–Tallinn, um voo direto pode emitir cerca de 380 kg de CO₂ por passageiro. No trem, a pegada cai para algo entre 110 e 140 kg, dependendo da matriz elétrica dos países atravessados e do tipo de composição.
Trilho reduz a pegada: no percurso Berlim–Tallinn, o trem pode cortar até dois terços das emissões por passageiro.
O cenário tende a melhorar à medida que linhas a diesel migram para operações elétricas alimentadas por fontes renováveis. A cada novo trecho eletrificado, a vantagem climática do trem cresce.
| Modal | Tempo porta a porta | Conexões | Preço estimado | Emissões de CO₂ |
|---|---|---|---|---|
| Avião | Menos de 3 horas de voo (+ deslocamentos) | Direto | US$ 25 (tarifa promocional) | ≈ 380 kg por passageiro |
| Trem | 4 dias | 8 trocas | ≈ US$ 500 | ≈ 110–140 kg por passageiro |
Os nós da malha europeia
O entusiasmo tromba com a realidade operacional. Para chegar a Tallinn, Smith comprou bilhetes de seis empresas diferentes, cada uma com regras, idiomas e moedas próprios. Mudanças de plataforma, pequenos atrasos e janelas curtas de conexão exigem sangue frio. Falhas de informação entre operadores ainda afetam a experiência e afastam quem não quer correr riscos.
Há também decisões de infraestrutura que pesam no bolso. A Europa conta com mais de 200 mil quilômetros de trilhos, parte deles envelhecidos. Construir linhas de alta velocidade custa caro: em 2018, o preço médio girava em torno de 25 milhões de euros por quilômetro, aproximadamente o dobro de uma rodovia. Sistemas de sinalização e eletrificação aumentam a conta de manutenção.
Do outro lado, o transporte aéreo opera com menos infraestrutura física e, em muitos países, desfruta de isenções sobre combustível e impostos específicos. Essa assimetria pressiona a comparação de preços e distorce a escolha do consumidor.
Ponto central do debate: nivelar o campo de jogo tributário entre modais, em vez de baratear artificialmente o voo.
Por que ainda compensa para alguns
Mesmo com custos e atritos, muita gente aceita pagar mais por um pacote diferente: cabine noturna para dormir, chegada direta ao centro da cidade, tempo de qualidade sem raio-x, sem filas longas e sem limites rígidos de bagagem. Para pais com crianças, viajantes que precisam trabalhar no trajeto e pessoas que valorizam a jornada, o trem entrega atributos pouco replicáveis no avião.
O renascimento dos trilhos
Os números indicam um movimento consistente. Em 2024, mais de 1 bilhão de pessoas viajaram em trens de longa distância ou inter-regionais. Novos serviços noturnos retornam a mapas que haviam sido abandonados. Operadoras privadas testam modelos de baixo custo sobre trilhos. Governos falam em integração de bilhetes, bilhetagem única e interoperabilidade técnica, com metas realistas de redução de emissões até 2030.
Como planejar uma viagem longa de trem sem dor de cabeça
- Monte o itinerário do fim para o início: defina o horário de chegada e ajuste as conexões anteriores.
- Deixe margens de segurança: 30 a 60 minutos entre trens em estações grandes reduzem o risco de perder conexões.
- Considere trechos noturnos: eles economizam hospedagem e transformam distância em descanso.
- Compare passes e bilhetes ponto a ponto: em rotas com alta demanda, comprar com antecedência costuma sair mais barato.
- Verifique políticas de reembolso e atraso: operadores oferecem compensações diferentes; registre tudo com fotos e horários.
- Leve lanches e água: nem todo trem tem vagão-restaurante o tempo todo.
- Organize a bagagem para trocas rápidas: mochila leve e documentos à mão agilizam embarques.
O que isso diz sobre você, viajante
Se você prioriza preço absoluto e tempo cronometrado, o avião entrega. Se valoriza o caminho, a conversa de corredor, a leitura que avança capítulo a capítulo e um impacto climático menor, o trem oferece um conjunto mais coerente. Uma estratégia intermediária funciona bem: avião no trecho longo e trens regionais para ligar capitais próximas. Em 300 a 700 quilômetros, o trilho ganha atratividade e, muitas vezes, velocidade porta a porta.
Informações úteis para a próxima rota
Trens elétricos em países com matriz limpa reduzem emissões de forma expressiva. Verifique se o operador usa energia renovável. Em períodos de obras, a malha fica sujeita a trocas por ônibus em alguns trechos; aplicativos oficiais costumam informar substituições. Se o seu objetivo é custo, compre com antecedência; se o objetivo é flexibilidade, busque tarifas que permitam alterações no mesmo dia sem multa alta. Em viagens internacionais, leve sempre a moeda local ou um cartão que funcione offline, já que nem todo vagão aceita pagamento digital.
Experimente também pensar a viagem como coleção de cidades em sequência. Entre Berlim e Tallinn, paradas em Varsóvia, Vilnius ou Riga criam um roteiro rico, com logísticas curtas e previsíveis. O trem pode custar mais que a passagem aérea promocional, mas entrega valor na soma de pequenos ganhos: chegada central, autonomia, conforto e um mapa de memórias que se constrói paisagem após paisagem.


