Memórias de uma cena mineira que mudou a música brasileira voltam à superfície, entre guitarras líricas e encontros que atravessam gerações.
O Brasil se despediu de Lô Borges neste domingo, aos 73 anos, e reabriu um capítulo decisivo da MPB: as parcerias que forjaram sua trajetória, dos dias de esquina com Milton Nascimento às faíscas recentes com Samuel Rosa. Relembrar esses cruzamentos ajuda você a entender por que tantas canções seguem vivas no fone, no rádio e na roda entre amigos.
O mapa afetivo de Lô: encontros que viram canções
Lô Borges nasceu para tocar com outros. Sua obra cresce quando encontra vozes, violões e letras de parceiros. Essa vocação surge cedo no Clube da Esquina, explosiona em 1972 com um disco celebrado e reverbera em gravações que atravessam o século. A cada parceria, um recorte de Minas se encontra com o país.
O Clube da Esquina nasceu no cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Belo Horizonte, e costurou uma geração inteira de músicos.
Milton Nascimento, o eixo fundador
Lô e Milton Nascimento formaram uma dobradinha histórica. O álbum “Clube da Esquina” (1972) fincou um marco estético e afetivo, onde rock, harmonia sofisticada e poesia mineira caminham lado a lado. A parceria moldou o ouvido de quem veio depois e projetou os dois para além de Minas.
Nesse ambiente, Lô aprendeu a dialogar com melodias extensas e arranjos ousados. Milton, por sua vez, abraçou a inquietação harmônica do garoto prodígio. O encontro mudou a carreira de ambos e virou referência mundial.
Samuel Rosa, faísca pop e sintonia de palco
Da nova geração, Samuel Rosa, do Skank, levou o diálogo com Lô a um palco especial. Em 2015, os dois lançaram dois registros inéditos no álbum “Samuel Rosa & Lô Borges: Ao Vivo no Cine Theatro Brasil”. O encontro aproximou a lírica mineira de um pop de estádio, sem perder a delicadeza melódica de Lô.
Quando Lô e Samuel dividem o microfone, a harmonia mineira encontra a pulsação pop dos anos 1990 e 2000 —e a plateia reconhece.
O repertório ali celebra Minas em várias camadas. Samuel traz o vigor rítmico, a levada solar e o senso de refrão direto. Lô soma sofisticação harmônica, imagens poéticas e um violão que diz mais do que parece. A soma dá liga e amplia o alcance das canções entre ouvintes de idades diferentes.
Canções que ligam gerações
- Portas de entrada para jovens ouvintes que chegam via Skank.
- Pontes para veteranos que veem continuidades do Clube da Esquina.
- Repertório que funciona no palco e no estúdio, com dinâmica clara e melodias memoráveis.
Márcio Borges, o irmão letrista que nunca saiu de perto
Márcio Borges ajudou a dar palavras ao universo musical de Lô. Juntos, compuseram “Trem de Doido”, “Estrelas” e “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, todas no clássico de 1972. A parceria se manteve constante, como um laboratório familiar em que melodias nascem do diálogo íntimo.
Esse eixo entre som e texto explica a potência de imagens que grudam na memória. A poesia de Márcio dobra as curvas harmônicas de Lô, e as canções respiram numa mesma casa.
Beto Guedes e Flávio Venturini: as estradas de Minas a perder de vista
Da mesma turma, Beto Guedes e Flávio Venturini cruzaram palcos com Lô ao longo de décadas. Mais recentemente, os três circularam pelo país com o projeto “50 Anos de Música de Minas”, reativando repertórios e trazendo público novo para um legado que não cabe na nostalgia.
Rever a turma da esquina em 2023–2025 não é passeio saudosista: é atualizar uma linguagem que segue gerando audiência e novos músicos.
Parcerias marcantes, discos essenciais
Abaixo, um painel com encontros que ajudam você a organizar audições e descobrir conexões entre épocas.
| Parceiro | Ano | Registro/obra | Notas |
|---|---|---|---|
| Milton Nascimento | 1972 | Álbum “Clube da Esquina” | Marco da MPB; síntese mineira de rock, harmonia e poesia. |
| Márcio Borges | 1972 | “Trem de Doido”, “Estrelas”, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” | Parceria de irmão para irmão, letrista e melodista. |
| Beto Guedes | 2023–2025 | Turnê “50 Anos de Música de Minas” | Repertório compartilhado e novas audiências. |
| Flávio Venturini | 2023–2025 | Turnê “50 Anos de Música de Minas” | Teclados e voz somam timbres com a lírica de Lô. |
| Samuel Rosa | 2015 | “Samuel Rosa & Lô Borges: Ao Vivo no Cine Theatro Brasil” | Dois lançamentos inéditos e reencontro de gerações. |
Por que essas colaborações seguem falando com você
As parcerias de Lô iluminam uma ideia de Brasil que busca sofisticação sem perder a conversa com a rua. As canções aceitam múltiplas entradas: a harmonia atrai músicos, as imagens poéticas fisgam leitores, os refrães cativam ouvintes apressados. Isso explica o efeito duradouro no repertório doméstico e na memória coletiva.
O ciclo com Milton revela o laboratório do começo; Márcio ajusta o foco lírico; Beto e Flávio devolvem a estrada e o palco; Samuel atualiza o diálogo com quem cresceu nos anos 1990. A obra de Lô costura tudo isso com economia melódica e um violão que prefere a sugestão ao excesso.
Frases que ficaram
Alguns versos e imagens atravessam décadas porque criam cenas vívidas. Lô e parceiros falam de trens, girassóis, ruas de bairro e escolhas íntimas. O detalhe cotidiano vira símbolo amplo, sem perder o sotaque de origem.
“Um girassol da cor de seu cabelo” virou sinônimo de delicadeza para muita gente. A imagem carrega Minas no amarelo da melodia.
Como revisitar Lô hoje: passos práticos
- Monte uma audição cronológica: 1972 como ponto de partida, depois saltos para registros ao vivo e encontros recentes.
- Compare versões: pegue uma faixa de estúdio e a mesma música em show para notar respirações, andamentos e timbres.
- Escute em fone e em caixa aberta: a espacialidade dos arranjos muda sua percepção das vozes e dos violões.
- Faça listas temáticas: canções de estrada, imagens de natureza, letras urbanas; cada eixo revela um Lô diferente.
Termos e ideias para guardar
Mineiridade sonora: síntese de suavidade rítmica, harmonias inesperadas e canto que prioriza afeto sobre virtuosismo. Essa chave ajuda você a entender por que Lô combina com tanta gente, do canto de Milton ao pop de Samuel.
Risco comum em audições atuais: remasterizações que comprimem dinâmica e achatam nuances. Vale buscar versões que preservam dinâmica para ouvir camadas de violões, contracantos e respiros. A vantagem de comparar edições está em perceber o desenho original das canções.
Lô Borges deixa uma cartografia de parcerias que atravessa ruas, décadas e palcos. Reouvir esses encontros, hoje, recoloca a conversa no centro: música que se faz com o outro, para o outro, e que segue encontrando você onde estiver.


