Um pedido corriqueiro em um beco de Parnaíba virou peça-chave de uma ação policial que mudou a madrugada.
Uma movimentação discreta, policiais à paisana e um endereço conhecido por vendas rápidas. Em meio a esse cenário, um gesto de rotina para usuários acabou revelando a dimensão do tráfico no bairro João XXIII, no litoral do Piauí.
Como foi a operação
Equipes do 2º Batalhão da Polícia Militar montaram uma operação após denúncias sobre uma casa que funcionaria como ponto de venda de drogas no João XXIII, em Parnaíba (PI). Agentes do serviço reservado monitoraram o local e observaram a entrada e saída de consumidores.
Com a confirmação da movimentação, a equipe avançou. Dois suspeitos foram encontrados no imóvel. De acordo com a PM, havia material entorpecente fracionado e dinheiro trocado, típico de varejo de drogas.
Local vigiado, fluxo contínuo de usuários e porções prontas para venda: o conjunto reforçou o flagrante de tráfico.
O encontro inesperado na boca de fumo
Enquanto a vistoria ocorria, uma jovem de 20 anos chegou ao endereço. Sem identificar que os homens à sua frente eram policiais disfarçados, entregou R$ 20 e pediu “dois chá”, gíria usada para se referir a drogas na região.
O mal-entendido expôs a dinâmica do ponto de venda e serviu como elemento de prova. A jovem foi conduzida à Central de Flagrantes, prestou depoimento como testemunha e foi liberada em seguida.
R$ 20 e um pedido direto por “dois chá” transformaram uma compra comum de usuário em evidência para o inquérito.
O que aconteceu com a jovem
A Polícia Civil tratou a jovem como usuária. Ela não foi autuada por tráfico. O relato dela ajudou a confirmar o funcionamento da casa como “boca de fumo” e a apontar quem vendia as porções.
Pela Lei 11.343/2006, a posse de drogas para consumo não prevê prisão com pena privativa de liberdade. Em situações assim, a autoridade registra o fato e o usuário pode ser encaminhado a medidas educativas, como advertência, comparecimento a curso ou prestação de serviços à comunidade.
Quem foi preso e por quê
Duas pessoas foram autuadas por tráfico e associação para o tráfico: Márcia Simone Ferreira de Araújo, 36 anos, e João Batista Sousa dos Santos Filho, 35, conhecido como “Maria Padilha”. Elas estavam na residência durante a ação. Outros dois jovens, apontados como usuários, prestaram depoimento e foram liberados.
Autuações por tráfico e associação para o tráfico; as defesas dos citados não foram localizadas até a publicação.
O que a polícia apreendeu
Os policiais relataram apreensão de drogas no imóvel e, mais tarde, porções encontradas durante revista em uma das suspeitas na delegacia. O dinheiro estava separado em notas miúdas, o que, segundo os investigadores, indica venda fracionada.
| Item | Quantidade | Onde foi encontrado |
|---|---|---|
| Maconha (porções) | 24 | Dentro da residência |
| Crack (pedras) | 19 | Dentro da residência |
| Crack (porções adicionais) | 19 | Com uma suspeita, durante revista na delegacia |
| Dinheiro em espécie | R$ 141 | Banheiro da casa |
Como atuou o serviço reservado
Os policiais do serviço reservado trabalharam sem fardas e circularam na área até mapear o padrão de entrada de clientes. A abordagem foi feita após a confirmação da venda. A presença de usuários durante a ação reforçou a tese de comercialização contínua, e a confusão da jovem com os agentes acelerou os procedimentos.
Infiltração, vigilância e coleta de evidências visuais e materiais sustentaram a operação sem alarde e com flagrante qualificado.
Linha do tempo do caso
- Recebimento de denúncias sobre comércio de drogas no João XXIII.
- Vigilância do endereço por policiais do serviço reservado.
- Abordagem no imóvel e localização de porções e dinheiro trocado.
- Chegada da jovem, entrega de R$ 20 e pedido de “dois chá”.
- Condução de suspeitos e usuários à Central de Flagrantes.
- Revista na delegacia e apreensão de mais porções de crack com uma suspeita.
- Autuação de dois investigados por tráfico e associação para o tráfico.
Usuário x traficante: o que diferencia aos olhos da lei
A Lei de Drogas não define quantidades fixas para separar usuário de traficante. O enquadramento considera circunstâncias como local e condições da apreensão, forma de acondicionamento, balança ou caderno de anotações, quantidade de dinheiro trocado e depoimentos colhidos na cena. Quando há porções fracionadas e fluxo de compradores, a polícia tende a apontar tráfico.
Para usuários, o artigo 28 prevê medidas alternativas e não pena de prisão. Para tráfico, o artigo 33 prevê reclusão e multa, com agravantes se houver associação entre pessoas ou uso de menores na venda. O judiciário avalia cada caso com base nas provas apresentadas.
Como agir em uma abordagem policial
A confusão da jovem evidencia riscos ao se aproximar de locais ligados ao crime. Em uma abordagem, algumas atitudes reduzem tensões e preservam direitos:
- Mantenha as mãos visíveis e siga as orientações dadas em voz clara.
- Peça a identificação do policial, de forma respeitosa, quando a situação estiver sob controle.
- Não ofereça dinheiro nem tente negociar vantagens; isso pode configurar outro crime.
- Evite tocar em objetos durante a revista e informe se carrega remédios controlados.
- Se considerar que houve abuso, anote nomes, horários e registre boletim posteriormente.
Gírias, riscos e efeitos no bairro
Expressões como “dois chá” se espalham rapidamente e facilitam pedidos rápidos no varejo de drogas. A normalização desse vocabulário mascara perigos diários para quem circula pelos pontos de venda. Moradores convivem com disputas, dívidas e furtos para sustentar o consumo. Comerciantes veem o fluxo de clientes cair após operações e tiroteios.
Denúncias anônimas ajudam a mapear a cadeia local. Canais como o 190 e o 181 recebem informações sobre endereços, veículos e horários de maior movimento. Detalhes simples, como placas e rotina de entrega, costumam orientar novas ações e proteger vizinhos que não querem se expor.
Por que um “R$ 20” falou tanto
Pequenos valores em notas miúdas, linguagem cifrada e porções idênticas nas embalagens desenham o retrato do varejo. O dinheiro encontrado no banheiro, as porções escondidas em um lençol e a repetição de pedidos iguais indicam padronização da venda. Para o inquérito, cada peça fecha uma parte do quebra-cabeça.
Quem lida com o tema na prática recomenda evitar áreas marcadas por comércio ilegal, mesmo durante o dia. A circulação de pessoas desconhecidas e a presença de olheiros aumentam o risco de abordagens tensas e de confusões como a que envolveu a jovem. Programas municipais de prevenção e serviços de saúde mental oferecem alternativas para dependentes e familiares que pedem ajuda antes que a situação escale.


