Moradores relatam barulho de obras, novas trilhas na mata e bichos perdidos cruzando ruas de Xerém à noite.
Na quarta-feira (5), uma ação da Polícia Civil, da PM e de fiscais do Inea encontrou um loteamento em implantação dentro da Área de Proteção Ambiental do Alto Iguaçu, em Xerém, Duque de Caxias. O terreno apresentava supressão de vegetação, cortes de encosta e intervenções em curso d’água. O empreendimento não tinha licença ambiental.
Fiscalização conjunta expõe loteamento em área protegida
Imagens de drone mostraram quadras e lotes demarcados, postes de iluminação prontos e manilhas para rede de água. No centro da área, uma casa já foi erguida e abriga uma família. Agentes também identificaram captação irregular de água por meio de poços, o que indica exploração clandestina do lençol freático.
Sem licença ambiental, intervenções como desmatamento, corte de taludes e desvio de curso d’água podem gerar multas de até R$ 500 mil e responsabilização penal.
O Inea classificou a área como unidade de conservação de uso sustentável, regime que admite atividades apenas com condicionantes e autorizações expressas. Em áreas assim, qualquer parcelamento do solo exige estudos técnicos, avaliação de risco, medidas de compensação e controle do impacto sobre a fauna e os recursos hídricos.
O que os fiscais encontraram no terreno
- Supressão de vegetação nativa e abertura de vias internas;
- Cortes em encostas e taludes, com solo exposto e risco de erosão;
- Marcos de lotes e infraestrutura de luz e água em instalação;
- Desvio de trecho de curso hídrico e poços operando sem outorga;
- Uma residência já ocupada no interior do parcelamento.
Risco geológico e impacto sobre a água
O rebaixamento de encostas e o desvio de água aumentam a chance de escorregamentos, especialmente com a chegada das chuvas de verão. A Defesa Civil local foi acionada para vistoriar o terreno e o entorno. O solo descoberto acelera processos de ravinamento e carrega sedimentos para o leito de rios, o que agrava enchentes a jusante.
Desviar o curso de um rio altera habitats, reduz a infiltração, afeta nascentes e contamina captações. O dano não fica restrito ao terreno.
Poços abertos sem estudo hidrogeológico podem salinizar aquíferos, reduzir a disponibilidade de água para moradores próximos e criar focos de contaminação. Em Xerém, onde nascentes alimentam sistemas que servem bairros da Baixada, intervenções sem controle geram efeito cascata em toda a bacia.
Responsabilização: o que a lei prevê
Até o momento, os responsáveis pelo loteamento não foram localizados. A Polícia Civil ouviu testemunhas e segue o rastreamento de vendedores e financiadores. Na esfera administrativa, o Inea pode embargar a área, aplicar multas e exigir recuperação ambiental. Na criminal, a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) e a lei de parcelamento do solo urbano (Lei 6.766/1979) enquadram condutas como construir sem licença, destruir vegetação em área protegida e comercializar lotes irregulares.
| Conduta apontada | Base legal | Consequências possíveis |
|---|---|---|
| Atividade potencialmente poluidora sem licença | Lei 9.605/1998, art. 60 | Crime ambiental, multa e detenção; embargo |
| Supressão de vegetação em área protegida | Lei 9.605/1998, arts. 38 e 48 | Multa, reparação do dano, medidas compensatórias |
| Parcelamento do solo sem aprovação | Lei 6.766/1979 | Interdição das vendas, nulidade de contratos, sanções |
| Intervenção em curso d’água sem outorga | Legislação de recursos hídricos | Multa, obrigação de recompor o regime hídrico |
Além de multa, a Justiça pode determinar recuperação de área degradada e perda do proveito econômico obtido com a venda irregular.
Fauna pressionada e encontros com animais
Denúncias de moradores apontaram presença crescente de animais silvestres em áreas urbanas, como bicho-preguiça, jacaré e até onça. A derrubada de vegetação e o barulho de máquinas expulsam espécies de seus abrigos. Ao buscar alimento e refúgio, elas cruzam vias, sofrem atropelamentos e podem provocar incidentes.
Como agir ao avistar animais silvestres
- Não se aproxime, não tente capturar e não alimente;
- Mantenha cães e gatos dentro de casa até a retirada segura do animal;
- Acione a Guarda Ambiental, o Inea ou o Corpo de Bombeiros;
- Registre a localização com precisão para orientar o resgate.
Compradores na mira: como se proteger de golpes
Muitas vendas em áreas rurais ou de conservação usam contratos de gaveta e promessas de “regularização futura”. Quem compra assume risco elevado de perder dinheiro e enfrentar processos. Antes de assinar, verifique a situação ambiental e urbanística do terreno.
Checklist rápido para não cair em furada
- Confirme se a área está em unidade de conservação e quais as regras vigentes;
- Exija licenças ambientais e alvarás de obras emitidos pelos órgãos competentes;
- Consulte o registro no cartório de imóveis: loteamento aprovado tem matrícula própria e averbações;
- Peça o projeto urbanístico aprovado e o número do processo municipal;
- Desconfie de “energia e água por conta do morador” e de infraestrutura improvisada;
- Busque apoio de um engenheiro ou advogado especializado em direito urbanístico e ambiental.
Sem licenças e registro, o lote pode ser embargado. O comprador fica exposto a perder a posse e arcar com custos de demolição.
O que pode acontecer agora na APA do Alto Iguaçu
Com a autuação, a tendência é de embargo imediato das obras, lacre de acessos e notificação de responsáveis. O Inea pode exigir um Plano de Recuperação de Área Degradada, com recomposição de vegetação, estabilização de taludes e restauração do curso d’água. A polícia busca os articuladores das vendas e quem executou os serviços.
Próximos passos da investigação
- Coleta de documentos e anúncios de venda para identificar os promotores;
- Perícias ambientais para quantificar o dano e orientar a multa;
- Oitiva de compradores e vizinhos para mapear a cadeia de responsabilidades;
- Pedido judicial de bloqueio de bens de envolvidos para garantir a reparação.
Por que a APA permite uso sustentável, mas não esse tipo de obra
Áreas de Proteção Ambiental conciliam conservação com atividades compatíveis. Isso inclui turismo controlado, pesquisa, produção de baixo impacto e moradia com regras rígidas. O critério é a capacidade de suporte do ecossistema. Parcelar o solo sem estudos, abrir vias, alterar rios e erguer casas sem avaliação desorganiza a dinâmica ambiental e compromete serviços que atendem toda a região, como abastecimento e controle de enchentes.
Para quem pretende regularizar um imóvel em zona sensível, o caminho passa por estudos ambientais, consulta prévia aos órgãos, audiências públicas quando exigidas e cumprimento de condicionantes. O processo leva tempo e custa dinheiro, mas evita perda total do investimento e litígios longos. Em períodos de chuva intensa, como o verão fluminense, cada talude estabilizado e cada mata ciliar preservada reduz o risco de tragédias no bairro inteiro.


