Chuva de promessas, canteiro vazio e muita ansiedade. Enquanto as negociações correm nos bastidores, passageiros e vizinhos do Afonso Pena esperam por sinais concretos.
O plano de uma terceira pista para o aeroporto Afonso Pena ganhou números, prazos e custos. Mas o relógio anda sem ver obra. A discussão já saiu do campo técnico e entrou na vida de quem usa o terminal ou mora no entorno. E agora, com a venda da concessão em curso, o cronograma ficou ainda mais sensível.
O que trava o cronograma
A nova pista tem 3.000 metros previstos e custo estimado de R$ 200 milhões. O cronograma da concessionária aponta 14 meses de execução. Para entregar até dezembro de 2026, os trabalhos precisariam ter começado em novembro deste ano. Não começaram.
O ponto crítico chama-se Licença de Instalação. O aval cabe ao Instituto Água e Terra, do governo do Paraná. A sinalização mais recente indica emissão só em março de 2026, informação antecipada pelo governador Ratinho Junior em evento recente. Com licença em março, a obra se arrastaria pelo menos até o segundo trimestre de 2027.
Sem a Licença de Instalação, não há canteiro, máquinas, topografia ou fundações. A previsão para março de 2026 empurra a entrega para 2027.
Negócio à vista e o freio nos aportes
Venda de 17 aeroportos e o efeito no Afonso Pena
A Motiva colocou à venda todos os 17 aeroportos que opera no Brasil, além de ativos no exterior. A espanhola Aena aparece entre as interessadas, com apetite seletivo. Nesse ambiente, a atual concessionária evita iniciar uma obra grande que outro operador pode assumir em pouco tempo.
A empresa diz que inicia os trabalhos assim que o órgão ambiental liberar. Na prática, a incerteza societária soma-se à pendência da licença e paralisa qualquer mobilização relevante.
Sem definição de quem ficará com a concessão, a atual operadora reduz o ritmo de investimentos de alto valor.
Quanto tempo levaria a pista
O cronograma executivo prevê cerca de 14 meses, contados a partir da ordem de serviço. Como a licença não saiu e não há canteiro, a conta não fecha para 2026. Veja cenários possíveis com base nas datas já ventiladas:
| Cenário | Licença (LI) | Início da obra | Duração estimada | Entrega provável |
|---|---|---|---|---|
| Contrato original | 2025 | nov/2025 | 14 meses | dez/2026 |
| Projeção atual | mar/2026 | mar/2026 | 14 meses | 2º tri/2027 |
Uma mudança de operador no meio do caminho pode gerar ajustes no cronograma, mas a obrigação contratual da terceira pista segue em vigor, conforme decisão já tomada pela Anac ao negar a troca por uma simples ampliação da pista existente.
Impacto na cidade e obras compensatórias
A nova pista corta uma via que liga os bairros Quississana e Costeira, transformando um trajeto de 380 metros em 6,1 quilômetros. Para mitigar o impacto, o acordo local prevê um pacote viário de aproximadamente 13 quilômetros, com novas ligações, calçadas, drenagem, iluminação e pavimentação. O governo estadual reservou R$ 200 milhões para executar essas intervenções e erguer uma escola estadual e outra municipal.
A prefeitura de São José dos Pinhais acompanha a elaboração dos projetos básicos e executivos, que estão na fase final. A previsão é licitar e iniciar as obras viárias no primeiro semestre de 2026. Na Câmara Municipal, o Projeto de Lei Complementar 3/2025 atualizou o sistema viário e blindou os moradores de bloqueios antes da abertura de rotas alternativas.
- 13 km de novas ligações para manter a fluidez entre bairros;
- R$ 200 milhões para intervenções e duas novas escolas;
- Proibição de fechar vias antes das rotas substitutas ficarem prontas;
- Trajeto Quississana–Costeira protegido por novas conexões planejadas.
O que muda para você passageiro
O principal ganho para quem embarca em Curitiba é a possibilidade de decolar com aeronaves de maior porte rumo à Europa e aos Estados Unidos sem escala técnica para reabastecimento. Hoje, a pista principal tem 2.218 metros, e o aeroporto opera a 911 metros de altitude. Esse conjunto limita performance na decolagem, principalmente em dias quentes e com aeronaves pesadas.
Com 3.000 metros de pista, Curitiba ganha margem para decolar com mais peso rumo aos Estados Unidos e à Europa, reduzindo conexões e tempo de viagem.
O recém-anunciado voo de Lisboa para Curitiba ilustra o impacto. A ida funciona. A volta costuma exigir escala no Rio para abastecimento. Uma pista mais longa reduziria restrições e deixaria o retorno direto tecnicamente viável. Outra rota cobiçada é Curitiba–Cidade do Panamá, porta de entrada para o Caribe e diversos hubs norte-americanos. No passado, voos para Miami chegaram a operar com ajustes de rota e escala por limitações de pista e altitude. A terceira pista reduz esse tipo de gambiarra operacional.
Custos, prioridades do bloco e escolhas
Entre os aeroportos do Bloco Sul, a terceira pista do Afonso Pena é a obra mais complexa e cara. A inclusão desse investimento exigiu redirecionar aportes de outros terminais na modelagem da concessão. Ainda assim, a pressão regional por competitividade e conectividade pesou a favor do projeto.
A Motiva tentou, no início da concessão, substituir a nova pista por uma extensão da atual, argumentando economia próxima de 50%. A Anac não aceitou. O contrato seguiu com a obrigação mantida.
Riscos, marcos e como acompanhar
Para quem viaja ou mora perto do aeroporto, estes são os sinais a monitorar nos próximos meses:
- Publicação da Licença de Instalação pelo IAT;
- Definição de quem assume a concessão e com quais compromissos;
- Instalação de canteiro, terraplenagem e fundações no setor leste do sítio aeroportuário;
- Lançamento dos editais das obras viárias compensatórias e início efetivo dos serviços;
- Calendário de interdições temporárias e rotas alternativas nos bairros afetados.
Termos que vão aparecer no debate
- Licença de Instalação (LI): autoriza o início das obras;
- Performance na decolagem: relação entre comprimento de pista, altitude, temperatura e peso;
- Desapropriações: áreas necessárias para o eixo da nova pista e faixas de segurança;
- Grooving e balizamento: ranhuras e iluminação para escoamento da água e segurança operacional.
Por que 3.000 metros fazem diferença
Em aeroportos acima de 900 metros de altitude, como Curitiba, motores precisam de mais pista para atingir a velocidade de rotação com segurança. Em dias quentes, a densidade do ar cai e as restrições aumentam. Resultado: as companhias reduzem carga, passageiros ou combustível para decolar dentro dos limites. Com 3.000 metros, a margem cresce. Isso permite, em muitos casos, levar mais carga e combustível de uma vez só, mantendo o voo direto.
Para empresas de carga, a equação é ainda mais sensível. Uma pista maior suporta aeronaves cargueiras pesadas, melhora o escoamento de exportações do agronegócio e da indústria e atrai operações logísticas que hoje preferem outros hubs. O efeito previsto alcança turismo, exportadores e até companhias tecnológicas que exigem prazos firmes de entrega.
O que você pode esperar na prática
Se a LI sair em março de 2026 e o novo operador mantiver o escopo, o canteiro deve aparecer ainda no primeiro semestre daquele ano. O cronograma de 14 meses aponta obras atravessando um período de duas estações de chuvas, algo que pode exigir folga extra no planejamento. A vizinhança verá desvios temporários e frentes de trabalho simultâneas para acelerar a pavimentação e o balizamento.
Enquanto isso, as compensações viárias tendem a começar antes ou em paralelo, por exigência legal e para evitar isolamento dos bairros. Quem circula entre Quississana e Costeira precisa acompanhar os avisos oficiais de rotas e prazos, já que as mudanças de tráfego virão em fases e com interdições programadas.


