Enquanto o país digere números brutais, uma disputa jurídica silenciosa pode redefinir a atuação policial nas periferias do Rio.
O cenário ficou tenso após uma megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio, que deixou 119 mortos. No mesmo dia, Alexandre de Moraes assumiu, em caráter emergencial, a relatoria da ADPF das Favelas. Essa movimentação acendeu o alerta em Brasília e no Rio: decisões duras podem surgir a qualquer momento.
O que está em jogo
O Supremo Tribunal Federal observa indícios de descumprimento de medidas fixadas para reduzir a letalidade policial no estado. A operação que chocou moradores e mobilizou autoridades gera cobrança por dados confiáveis, justificativas técnicas e responsabilização. Entidades de direitos humanos e atores do sistema de Justiça veem, nessa virada, uma disputa sobre limites e deveres do poder público nas favelas.
O STF sinalizou urgência: Moraes pediu, de imediato, manifestação da PGR sobre as 119 mortes e o pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
O gatilho: 119 mortes em uma manhã
A ação desta terça-feira, que se espalhou por áreas densamente povoadas do Alemão e da Penha, somou 119 mortos confirmados até agora. As circunstâncias ainda carecem de esclarecimento. Moradores relatam pânico, interrupção de serviços e dificuldade de circulação. Autoridades de segurança defendem a operação como necessária contra organizações armadas. A divergência sobre critérios e limites reaqueceu a ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas.
Como Moraes entrou no caso
Após o ministro Edson Fachin assumir a presidência do STF e Luís Roberto Barroso anunciar aposentadoria, o processo ficou sem relator definitivo. Em medida incomum, Moraes assumiu a relatoria interina, o que indica percepção de gravidade. Em geral, ações aguardam a posse do novo ministro. Desta vez, o tribunal acelerou o passo.
A primeira canetada foi dirigir à Procuradoria-Geral da República um pedido formal de posicionamento. O foco: a petição do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que requer explicações detalhadas sobre a operação e as mortes. A leitura em gabinetes e entidades é que essa cobrança abre caminho para uma intervenção robusta do STF, caso se confirmem violações às determinações já vigentes.
Moraes preza pelo cumprimento das decisões da Corte. O recado foi dado: quem não cumpre presta contas.
Pressão por respostas e sinais de descumprimento
Representantes que atuam no processo apontam que a operação pode ter atropelado salvaguardas definidas pelo tribunal para reduzir a letalidade. São mencionados protocolos de comunicação prévia às autoridades de controle, justificativas circunstanciadas, preservação de cenas e registros, e planejamento para evitar ações perto de serviços essenciais. O detalhamento virá com ofícios, relatórios e pedidos de informação.
O histórico da ADPF das Favelas
A ADPF 635 nasceu em 2020 e marcou um divisor na discussão sobre policiamento em áreas vulneráveis do Rio. Fachin, relator original, estabeleceu restrições a operações durante a pandemia, com diretrizes para assegurar proporcionalidade, supervisão e mecanismos de controle. O plenário referendou as decisões. A pauta seguiu viva após o auge da crise sanitária, com contestações, relatórios e inspeções pontuais.
Com a saída de Fachin para a presidência do STF e o anúncio de aposentadoria de Barroso, o processo ficou à espera de um relator definitivo. Caberá ao novo ministro — cuja indicação depende do Senado — consolidar a linha da Corte. O nome mais cotado é Jorge Messias, atual chefe da Advocacia-Geral da União, visto com simpatia por entidades que defendem políticas de segurança com foco em direitos e resultados mensuráveis.
O que a ADPF busca na prática
- Reduzir mortes e feridos em operações, com critérios de necessidade e proporcionalidade.
- Reforçar a supervisão externa sobre a atividade policial e melhorar a transparência.
- Exigir justificativas formais, dados auditáveis e planejamento orientado a metas.
- Garantir proteção a moradores, trabalhadores e serviços essenciais em territórios sensíveis.
- Fomentar políticas de segurança baseadas em evidências e em cooperação interinstitucional.
O que pode acontecer nos próximos dias
A movimentação do STF abre um cardápio de medidas. Nada impede que Moraes fixe prazos para entrega de relatórios, peça informações a órgãos estaduais, determine salvaguardas específicas para operações futuras ou leve o caso a julgamento colegiado. O tribunal também pode cobrar cumprimento de decisões já vigentes e, se houver descumprimento, impor sanções.
| Ator | Próximo movimento esperado |
|---|---|
| STF (Moraes) | Definir prazos, requisitar dados, avaliar medidas cautelares e levar o tema ao plenário. |
| PGR | Emitir parecer sobre a petição do CNDH e sobre a legalidade da operação. |
| Governo do Rio | Apresentar relatórios, laudos e fundamentos operacionais; ajustar protocolos se houver decisões. |
| Polícias Civil e Militar | Fornecer registros, mapear equipes e cenários, revisar procedimentos e treinamentos. |
| Conselho de Direitos Humanos | Consolidar denúncias, sistematizar evidências e acompanhar a resposta estatal. |
| Senado | Analisar a indicação ao STF, o que definirá a relatoria definitiva da ADPF. |
| AGU/Jorge Messias | Seguir no radar, com posições técnicas e diálogo federativo sobre segurança e direitos. |
119 vidas perdidas exigem documentos, fatos e decisões. O debate se desloca do palanque para os autos.
Riscos, impactos e o que você pode observar
Para quem mora ou trabalha nas áreas afetadas, o desfecho jurídico impacta o cotidiano. Mudanças de protocolo alteram horários de operação, rotas, uso de blindados e condutas de abordagem. A presença de serviços de emergência e a comunicação com escolas e unidades de saúde fazem diferença concreta em dias de confronto.
Para quem acompanha de casa, vale checar sinais objetivos de mudança. A divulgação de dados com recortes por bairro, horário e unidade responsável diz muito sobre diagnóstico e correção de rota. Registros audiovisuais oficiais, auditorias independentes e participação de órgãos de controle também ajudam a separar narrativa de evidência.
- Haverá prazos claros para entrega de relatórios e divulgação pública de números?
- Operações futuras trarão justificativas específicas e comunicação prévia a órgãos de controle?
- As cenas serão preservadas para perícia e as cadeias de comando ficarão identificáveis?
- Haverá acompanhamento por defensorias, ministérios públicos e conselhos?
Quem decide e por quê isso afeta você
O relator, mesmo interino, organiza o processo e pauta medidas urgentes. Se o plenário for acionado, a decisão ganha peso institucional e previsibilidade. Para o morador, isso significa regras mais claras. Para o policial, parâmetros de atuação e proteção jurídica. Para as famílias das vítimas, caminho para a verdade e para reparações.
A espera por um relator definitivo não paralisa o caso. O Senado pode destravar a nomeação nas próximas semanas. Se Messias for confirmado, as entidades esperam um olhar afinado com políticas de segurança baseadas em evidências. A jurisprudência recente mostra que o STF cobra resultados e respeito às suas determinações.
ADPF, ADI, relatoria: o que significam
A ADPF é um instrumento voltado a reparar violações a preceitos fundamentais, quando faltam meios eficazes em outras instâncias. Diferencia-se da ADI, que ataca leis em tese. Na ADPF das Favelas, o STF acompanha impactos de políticas e práticas de segurança pública, com decisões que moldam a atuação diária do Estado.
A relatoria coordena pedidos, define prazos e elabora votos. Em momentos críticos, o relator pode adotar medidas urgentes para evitar danos de difícil reparação. É esse gatilho que se aciona agora, com a operação no Alemão e na Penha sob escrutínio.
Caminhos práticos e consequências possíveis
Se o tribunal constatar descumprimentos, pode exigir planos de redução de letalidade com metas verificáveis, impor relatórios periódicos e condicionar operações a protocolos de proteção a moradores e profissionais. Também pode responsabilizar agentes e gestores em caso de violações graves.
Se a resposta vier com dados sólidos e ajustes de rota, o cenário tende a migrar para prevenção e inteligência, com menos ações de larga escala e mais foco em liderança criminosa, lavagem de dinheiro e apreensão de armas. Essa mudança costuma produzir resultados duradouros, embora demande coordenação contínua entre União, estado e municípios.


