Perfis impecáveis, viagens internacionais e carros reluzentes seduzem a timeline. Por trás, uma engrenagem financeira que poucos enxergam.
Em Águas Claras, um “empresário” de 34 anos virou símbolo desse contraste: brilho nas redes, prejuízo fora delas. A investigação revelou luxo bancado por um esquema de fraudes que mirou bancos no país inteiro.
Quem é o personagem por trás do luxo
Com pouco mais de 25 mil seguidores, Fabrício Reis construiu a imagem de vencedor. Publicava rotinas glamourosas, roupas de grife e viagens a destinos disputados. Entre os mimos, um BMW zero quilômetro. A narrativa de sucesso, porém, ganhou outra cor depois da ação policial.
Na manhã de 30 de outubro, a Polícia Civil do Rio Grande do Norte (PCRN), com apoio da Divisão de Análise de Crimes Virtuais (DCV/CORF), cumpriu mandado de prisão preventiva contra o morador de Águas Claras. Ele é apontado como peça-chave de uma organização que operava o chamado “golpe da falsa compra”.
Vida de alto padrão nas redes e BMW zero km: a vitrine que, segundo as apurações, escondia a engrenagem de golpes.
Como funcionava o golpe da falsa compra
O grupo simulava operações legítimas e, depois, derrubava os lançamentos para transferir o prejuízo às instituições financeiras. O alvo principal: o processo de contestação de compras com cartão (chargeback).
- Empresas de fachada abriam contas e recebiam maquinetas de cartão.
- Compras “fantasmas” eram rodadas nessas maquinetas, com valores altos.
- As transações eram contestadas e, com a falha explorada, o estorno recaía sobre os bancos.
- Parte do dinheiro seguia para “laranjas”, pulverizando a origem dos valores.
- O lucro era limpo com financiamentos e revenda de carros de luxo.
Esse método atingiu pelo menos 16 instituições financeiras, segundo os investigadores. A cada rodada, camadas de intermediação escondiam o caminho do dinheiro.
O rastro de ostentação
Relatos do inquérito apontam a compra de veículos de alto valor como estratégia de lavagem. O BMW zero km apreendido foi apresentado como exemplo do padrão de gasto garantido pelas fraudes. Ao todo, mais de 25 automóveis foram recolhidos.
25 carros apreendidos e valor superior a R$ 4 milhões: o mapa do patrimônio atribuído ao esquema.
Os números da operação
A ofensiva ocorreu de forma coordenada em quatro unidades da federação, com bloqueios e buscas para travar o fluxo financeiro e preservar provas digitais.
| Medida | Quantidade/Valor |
|---|---|
| Instituições financeiras afetadas | 16 |
| Mandados judiciais cumpridos | Mais de 15 |
| Estados e DF alcançados | RN, PB, SP e DF |
| Bloqueio judicial em contas | Mais de R$ 3 milhões |
| Veículos apreendidos | Mais de 25 |
| Patrimônio de veículos | Acima de R$ 4 milhões |
O que dizem as investigações
Os policiais rastreiam movimentações bancárias, contratos de financiamento, notas fiscais e dados de maquinetas. A suspeita é de que a rede contava com especialistas em meios de pagamento, donos de empresas de fachada e “laranjas” recrutados para receber valores de origem ilícita.
As diligências seguem para identificar quem abastecia as contas, quem executava as compras simuladas e quem organizava a lavagem por meio de veículos. A expectativa é fechar o circuito entre as operações contestadas e a conversão dos recursos em bens de alto valor.
O objetivo agora é mapear cabeças e braços do esquema e travar a reciclagem de dinheiro por terceiros.
Por que esse golpe pega quem vende e quem compra
O chargeback foi criado para proteger consumidores em casos de fraude. Criminosos distorcem a ferramenta, alegando desconhecimento da compra mesmo quando a originam. O prejuízo migra para a cadeia bancária e, na ponta, encarece tarifas e pressiona comércios legítimos.
Riscos para comerciantes
- Estornos recorrentes que corroem o caixa.
- Bloqueio de recebíveis por suspeita de fraude.
- Multas contratuais e rescisão com adquirentes.
- Judicialização para contestar devoluções.
Riscos para consumidores
- Roubo de dados em promoções falsas e sorteios.
- Abordagem por perfis ostentação que prometem “renda fácil”.
- Cooptação como “laranja”, com conta usada para lavar dinheiro.
Como você pode se proteger
- Se é lojista, ative autenticação forte nas vendas e limite tíquetes acima da média.
- Exija validação adicional em compras presenciais de alto valor, com documento e biometria quando disponível.
- Monitore taxas de estorno e investigue picos fora do padrão.
- Se é cliente, desconfie de investimentos “garantidos” e ostentação que convida para negócios privados.
- Nunca empreste conta para terceiros; você responde por movimentações ilícitas.
- Ao notar transação suspeita, registre boletim e informe o banco imediatamente.
Termos que ajudam a entender o caso
Empresa de fachada
Negócio aberto para dar aparência legal a operações, emitir notas e conseguir maquinetas. Sem atividade econômica real, serve de biombo para fraudes e lavagem.
Chargeback
Estorno de transação com cartão quando o portador contesta a compra. Protege o consumidor, mas, nas mãos erradas, vira mecanismo de apropriação indevida.
Laranja
Pessoa que cede dados e contas, muitas vezes em troca de uma comissão. Assume risco criminal e tributário, mesmo sem comandar o esquema.
O que esperar a partir de agora
Com bloqueios financeiros em curso, a prioridade é sustentar o lastro probatório: contratos de financiamento de luxo, extratos, conversas e rota de valores. Medidas patrimoniais buscam impedir que bens migrem para novos “donos de papel”.
Para quem vende no cartão, vale um exercício rápido: analise os últimos 90 dias, liste os estornos por bandeira e verifique se há concentrações por hora ou terminal. Volume atípico costuma indicar teste de fraude. Para quem usa redes sociais, estabeleça filtros pessoais: promessa de dinheiro fácil, ostentação constante e convite para “entrar no esquema” são sinais de risco imediato.


