Escala, regulação e tecnologia reacenderam uma corrida silenciosa que pode afetar sua consulta e o acesso ao remédio.
Uma decisão estratégica reposiciona a Memed no centro da prescrição médica digital e abre espaço para o Mercado Livre testar caminhos no farma brasileiro. O movimento sinaliza onde o dinheiro e a inovação tendem a se concentrar nos próximos anos: perto do médico, perto do paciente e dentro das regras da Anvisa.
Uma virada de rota no varejo de saúde
A Memed testou vender medicamentos online a partir de uma pequena farmácia própria no Jabaquara, zona sul de São Paulo. O projeto, batizado de Memed+, surgiu na pandemia, quando a prescrição eletrônica ganhou tração e a compra remota de remédios virou hábito. A empresa imaginou uma ponte direta entre a receita e o carrinho de compras.
O desenho parecia natural, mas o varejo farmacêutico pede escala, capilaridade e capital. Grupos consolidados concentram poder de compra e logística. Um player novo, com uma única loja, enfrenta preços piores, entrega limitada e margens apertadas. A tese perdeu força e a companhia descontinuou o e-commerce.
Vender a farmácia do Jabaquara ao Mercado Livre encerra o capítulo varejista da Memed e libera foco para a prescrição digital.
Por que a aposta no e-commerce não decolou
- Escala: grandes redes negociam melhor com a indústria e repassam preço.
- Logística de proximidade: o remédio precisa estar a poucos quarteirões, não a centenas de quilômetros.
- Regulação: a Anvisa exige que a venda online saia de uma farmácia física licenciada.
- Capital: montar capilaridade custa caro e demora.
O movimento do Mercado Livre e a regulação que manda no jogo
O Brasil é o maior mercado do Mercado Livre, mas a companhia ainda não tinha um braço farma local. Em países vizinhos, a empresa opera marketplace de medicamentos sob regras específicas. Ao comprar a farmácia do Jabaquara, o Meli adquire um ativo regulatório que permite testar modelos aderentes às normas brasileiras, que pedem dispensação a partir de um estabelecimento físico autorizado.
No Brasil, remédio vendido pela internet precisa sair de uma farmácia com licença sanitária e farmacêutico responsável.
Como a Anvisa molda o tabuleiro
As regras de comércio eletrônico de medicamentos no país priorizam segurança do paciente e rastreabilidade. A plataforma pode intermediar, mas a entrega precisa ter origem clara, responsável técnico e documentação válida. Isso limita o modelo puro de marketplace e privilegia quem tem licença de farmácia e operação local.
| País | Modelo | Medicamentos | Observação regulatória |
|---|---|---|---|
| Brasil | Operação vinculada a farmácia física | Conforme prescrição e OTC | Entrega deve sair de estabelecimento autorizado |
| Chile | Marketplace | Isentos de prescrição (OTC) | Autorizado sob regras locais |
| Argentina | Marketplace | Isentos de prescrição (OTC) | Autorizado sob regras locais |
| México | Marketplace | OTC e com receita | Autorizado com validação de prescrição |
Meta agressiva na prescrição digital
De volta ao core, a Memed acelera a plataforma usada por médicos em consultórios, hospitais e telemedicina. Dois a cada dez médicos no Brasil já emitem receitas pelo software da companhia. A base atingiu 140 mil profissionais no mês passado, com meta de 300 mil até 2029.
A plataforma registra, em média, 6,2 milhões de prescrições digitais por mês; o pico diário já chegou a 300 mil.
O volume prescrito via Memed soma mais de R$ 6 bilhões por ano, segundo estimativa interna. As receitas eletrônicas ainda representam 15% do receituário nacional, o que abre uma avenida de crescimento para digitalização do ato médico e para serviços adjacentes, como checagem de interações e condutas baseadas em evidências.
Receita, base médica e modelo de negócio
O software é gratuito para médicos e farmácias. A monetização vem de formatos publicitários e conteúdos educacionais patrocinados pela indústria farmacêutica dentro da plataforma. A empresa afirma que a receita dobra ano a ano e mantém o ritmo até 2026. A base de dados de medicamentos alimenta alertas de dose, contraindicações e interações, que reduzem risco clínico e padronizam condutas.
Quando o médico monta a prescrição, o sistema sinaliza interações potenciais entre fármacos e ajuda a evitar eventos adversos.
Para você: o que muda no dia a dia
- Paciente: recebe receita pelo celular, com validação e orientações padronizadas; reduz erro de leitura e perde menos tempo.
- Médico: consulta bula estruturada, checa interações e gera receita com poucos cliques; guarda histórico e auditoria.
- Farmácia: valida QR Code ou chave da receita, autentica o CRM e registra a dispensação; reduz divergências na conferência.
Concorrência e próximos passos
A corrida pelo receituário digital ganhou novos atores. A Mevo, investida da Prosus, disputa a preferência de clínicas e hospitais. A Memed comprou a Receita Digital no ano passado e, agora, prioriza crescimento orgânico, sem apetite por novas aquisições no curto prazo. O jogo se decide em três frentes: capilaridade médica, qualidade do dado e confiança regulatória.
Quem disputa o receituário eletrônico
- Plataformas de prescrição dedicadas, que viram padrão em telemedicina.
- Prontuários eletrônicos que agregam o módulo de prescrição.
- Redes de laboratório e hospitais com sistemas próprios.
Entenda melhor: o que torna uma prescrição digital válida
Uma receita eletrônica legítima traz identificação do médico e do paciente, CRM, data, medicamentos com dosagem e posologia. O documento precisa de assinatura eletrônica compatível com as normas brasileiras e meios de verificação, como QR Code ou chave numérica, para autenticação na farmácia. A validade temporal segue as regras por tipo de fármaco, como antibióticos e controlados.
O que observar nos próximos meses
Se o Mercado Livre integrar a farmácia adquirida a uma jornada digital mais ampla, você pode ver prazos de entrega mais curtos em regiões específicas e processos de validação mais fluidos. A escala virá de parcerias e da capacidade de operar dentro da regulação, sem atalhos.
Do lado da Memed, a expansão passa por treinar médicos, fechar contratos com redes e aprofundar a ciência de dados clínica. O crescimento depende de ganhar participação no receituário do dia a dia, não só em teleconsulta. A chave está em reduzir fricção no consultório e elevar a segurança do paciente.
Pontos de atenção para clínicas e consultórios
- Proteção de dados: trate a receita como dado sensível, com controles de acesso e registro de auditoria.
- Padronização: configure listas de favoritos por especialidade e protocolos internos para reduzir variação.
- Integração: avalie integração entre prescrição e prontuário para evitar retrabalho e erros de transcrição.
- Compliance: valide a assinatura eletrônica aplicada e mantenha tokens e certificados sob governança.
Para quem compra remédios com receita eletrônica
Guarde a receita digital no celular e verifique se o QR Code abre uma página de validação com status de autenticidade. Em caso de dúvida, a farmácia consegue checar a chave e consultar os dados essenciais. Em medicamentos controlados, confirme a exigência de original digital, prazos e limites de quantidade.


