Um pedaço da história industrial de Joinville volta ao centro das conversas, entre promessas antigas, impasses e cobranças judiciais.
A área de 55 mil m² que guardou a água da antiga Cervejaria Catharinense e, depois, da Antarctica, segue sem destino definido. Comprado pela prefeitura em 2001 e tombado em 2010, o terreno permanece fechado ao público, sem projeto executivo para uso social, turístico ou econômico.
O que está em jogo
O manancial fica próximo à rua Quinze de Novembro, a pouco mais de um quilômetro dos prédios onde funcionaram as fábricas que moldaram o bairro e geraram emprego por décadas. O local reúne poços artesianos, duas edificações, uma moradia e uma cisterna. A ligação histórica é direta: a água seguiu por tubulações até as linhas de produção que marcaram a cidade.
Área pública com 55 mil m², tombada desde 2010, permanece sem plano de uso. O manancial abasteceu as cervejarias Catharinense e Antarctica por décadas.
Da primeira brassagem ao abandono
A trajetória começa em 1889, com a cervejaria Tiede. Após a morte do fundador, Alfred Tiede, o negócio mudou de mãos na década de 1910 e virou Cervejaria Catharinense, conhecida também pela produção de licores e gasosas. Em 1948, o grupo Antarctica assumiu o controle. Na década de 1950, a operação foi incorporada pela Companhia Antártica Paulista. O fornecimento de água pura do manancial deu fôlego às receitas até os anos 1990, quando a fábrica já estava com a Bebidas Antarctica Polar. A atividade comercial do manancial cessou com o fechamento da planta.
Linha do tempo recente
- 2001: prefeitura compra o terreno da fonte e o complexo da Cidadela Cultural.
- 2010: tombamento municipal do conjunto, reconhecendo valor histórico e paisagístico.
- Projetos anunciados: parque, Memorial da Água e envase de água mineral não avançaram.
- Último registro físico: instalação de um bueiro no terreno.
- 2023: município abre edital para estudos sobre concessão do complexo cultural.
- Hoje: sem cronograma de licitação; área segue sem uso definido e sob decisão judicial.
O que existe no terreno hoje
Além dos poços e das estruturas de apoio, a área mantém cobertura vegetal e vestígios de infraestrutura que contavam a história da captação. O conjunto integra a memória da cidade e poderia funcionar como porta de entrada para educação ambiental, história do trabalho e desenvolvimento urbano.
O manancial fica a poucos metros do coração da antiga indústria cervejeira e carrega potencial de parque, memória e economia criativa.
Cidadela Cultural e concessão
O terreno da fonte e o complexo da chamada Cidadela Cultural pertencem ao município. A Cidadela foi idealizada para concentrar atividades culturais, mas nunca se materializou. Em 2023, a administração abriu chamada para estudos sobre operação via concessão. A nova gestão ainda não definiu datas para lançar a licitação, o que mantém as incertezas.
Pressão judicial
Há uma decisão judicial, a partir de atuação do Ministério Público, exigindo o restauro do complexo cultural. A medida mira a preservação do patrimônio e cobra um plano com cronograma, metas e orçamento. Sem execução, cresce o risco de degradação e de perda de valor histórico.
Possíveis usos e o que cada um exige
| Uso proposto | Etapas necessárias | Riscos e cuidados |
|---|---|---|
| Parque urbano com trilhas e áreas de convívio | Projeto executivo; restauração de estruturas; acessibilidade; segurança; manutenção contínua | Vandalismo; custo de zeladoria; impacto no entorno se não houver controle de fluxo |
| Memorial da Água e da indústria cervejeira | Curadoria histórica; restauro fiel; museografia; programação educativa | Obras em bens tombados exigem técnicas específicas; gestão de acervo |
| Envase de água mineral | Estudos hidrogeológicos; outorga de uso da água; licenças ambientais e sanitárias | Garantia de qualidade; limites de extração; conflito entre uso econômico e preservação |
| Concessão do complexo cultural | Modelagem econômico-financeira; consulta pública; contrato com metas e indicadores | Risco de foco apenas em rentabilidade; necessidade de contrapartidas sociais |
Por que isso mexe com a vida do morador
Quem vive no entorno convive com um vazio urbano. Um parque bem cuidado pode ampliar a segurança, atrair famílias e aquecer pequenos negócios. Um memorial agrega turismo de memória e atividades escolares. Um projeto de envase, se viável e regulado, poderia gerar empregos qualificados. A decisão sobre o destino define qualidade de vida, proteção do patrimônio e uso racional de água subterrânea.
- Benefícios potenciais: lazer gratuito, educação ambiental, turismo cultural e valorização imobiliária equilibrada.
- Riscos do abandono: invasões, descarte irregular, incêndios e perda de estruturas históricas.
- Demandas imediatas: guarda patrimonial, cercamento adequado, monitoramento dos poços e sinalização.
Como avançar sem perder a história
Qualquer intervenção precisa respeitar o tombamento municipal, que impede demolições e modificações indevidas. Projetos devem apresentar estudos técnicos, garantir acessibilidade universal e priorizar soluções de baixo impacto. A restauração pode ser faseada, começando por estabilização estrutural e reabertura controlada de trechos visitáveis.
O uso de água subterrânea exige outorga do órgão estadual competente e licenciamento ambiental. Para envase, há regras sanitárias e autorização da agência reguladora de mineração, além de monitoramento permanente de qualidade e volume. Sem esses passos, o risco de contaminação ou superexploração cresce e inviabiliza o negócio.
Transparência e participação
Moradores podem acompanhar os estudos da concessão e participar de audiências públicas. Demandas comuns incluem ampla área verde, integração com ciclovias, atividades educativas e respeito às nascentes. A prefeitura pode publicar metas mensais de restauro, com custos e fontes de financiamento, para dar previsibilidade.
Plano, cronograma e orçamento claros viram o jogo: preservam a memória, reduzem custos e devolvem a área à cidade.
Pistas para um projeto sustentável
Um modelo híbrido combina parque de baixo impacto com núcleo museal e visitas guiadas aos sistemas de captação desativados. A concessão pode concentrar serviços de apoio — cafeteria, eventos de pequeno porte, feiras criativas — com metas de conservação e tarifas sociais. Parcerias com universidades ajudam nos estudos hidrogeológicos e na formação de guias. A curadoria pode resgatar a história da Tiede, da Catharinense e da Antarctica, com peças, mapas e relatos comunitários.
Experiências em outras cidades mostram que reabrir áreas hídricas urbanas pede manejo cuidadoso: delimitação de trilhas, recuperação de matas ciliares, bacias de contenção contra enchentes e captação de água da chuva para manutenção. O investimento retornará em saúde urbana, memória e turismo, desde que o compromisso com o patrimônio seja o eixo do contrato.


