Imagens de crianças circulam em anúncios e redes sem que muitos pais percebam. Quando o lucro entra, a lei reage rápido.
Em São Paulo, um julgamento recente chamou a atenção para os limites do uso de imagens infantis por empresas. A decisão fixou retirada dos conteúdos e indenização, e reacendeu um debate prático: como proteger seus filhos e como negócios podem evitar condenações.
Decisão do TJ-SP reforça proteção da imagem infantil
A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que determinou a um parque de diversões a retirada de fotografias de um menino usadas em redes sociais e materiais publicitários sem autorização. O colegiado também confirmou a condenação ao pagamento de R$ 3 mil por danos morais.
O que motivou a ação
Um mês após a visita ao parque, a mãe soube por conhecidos que a imagem do filho aparecia em peças promocionais da empresa. Diante do uso comercial e da ausência de consentimento expresso, ela buscou a Justiça para interromper a veiculação e pedir reparação.
Quem votou e o que ficou decidido
O relator, juiz substituto em segundo grau Márcio Boscaro, destacou que o parque não comprovou autorização expressa da representante legal da criança. Participaram do julgamento os desembargadores Elcio Trujillo e Coelho Mendes, que acompanharam o voto. A decisão foi unânime e determinou a retirada das imagens e a indenização.
Sem autorização dos responsáveis, o uso econômico da imagem de criança viola direito da personalidade e gera dano moral presumido.
O voto pontuou um ponto-chave: quando há exploração comercial, o consentimento precisa ser inequívoco e documentado. Não basta a presença da família no local ou a eventual concordância tácita. A regra vale para redes sociais, catálogos, banners, vídeos e qualquer peça promocional.
Consentimento expresso: como empresas devem agir
Autorização clara e finalidade definida
Para tratar dados e imagens de crianças, negócios precisam obter autorização específica do responsável legal, em linguagem acessível, com a finalidade detalhada, indicando canais de contato e possibilidade de revogação. Improvisar “termos genéricos” tende a falhar em auditorias ou litígios.
Boas práticas para evitar condenações
- Formalize termo de autorização individual com identificação do responsável e do menor, finalidade, duração e canais para revogação.
- Evite consentimentos “amarrados” a ingressos; ofereça a mesma experiência a quem não autorizar.
- Restrinja o acesso a imagens, com controle de versões e registro de quem aprova cada uso.
- Defina prazos de retenção e elimine conteúdos após o término da finalidade.
- Treine equipes de marketing e atendimento para reconhecer pedidos de retirada imediata.
- Reavalie campanhas antigas; a autorização não é eterna nem ilimitada.
Campanha com crianças precisa de autorização específica, finalidade delimitada e política de retenção. Ausência de prova documental pesa contra a empresa.
O que os pais podem fazer ao encontrar a imagem do filho
Ao notar a foto da criança em propaganda ou rede social de uma marca, a família pode agir de forma organizada para interromper o uso e preservar provas para eventual indenização.
Canais e provas
- Faça capturas de tela com data e hora, guardando URL e contexto do anúncio.
- Envie notificação escrita ao responsável (SAC, e-mail institucional), exigindo a retirada imediata e a preservação de logs.
- Registre boletim de ocorrência apenas se houver risco, fraude ou exposição grave.
- Procure um profissional de confiança para avaliar pedido de reparação por danos morais e materiais.
- Guarde recibos e convites do evento, principalmente se a imagem foi feita dentro de estabelecimento comercial.
Base legal que sustenta a condenação
O ordenamento brasileiro protege de forma robusta a imagem de crianças. A Constituição Federal (art. 5º, X) tutela honra, imagem e vida privada. O Código Civil (art. 20) condiciona a divulgação de imagem à autorização, sobretudo quando houver fins econômicos. O Estatuto da Criança e do Adolescente garante o desenvolvimento, a dignidade e o respeito à condição peculiar de pessoa em formação. E a Lei Geral de Proteção de Dados impõe consentimento específico dos responsáveis para o tratamento de dados pessoais de crianças, com informações em destaque sobre a finalidade.
| Exigência | Base normativa |
|---|---|
| Autorização expressa para uso econômico de imagem | Código Civil, art. 20 |
| Proteção da honra, vida privada e imagem | Constituição Federal, art. 5º, X |
| Proteção integral da criança e do adolescente | ECA, arts. 17 e 18 |
| Consentimento específico dos pais para dados de crianças | LGPD, art. 14 |
| Remoção de conteúdo ilícito por ordem judicial | Marco Civil da Internet, art. 19 |
Por que o valor não foi maior e o que influencia a quantia
Nas ações por imagem, os juízes avaliam finalidade do uso, alcance da exposição, tempo de veiculação, conduta da empresa após a notificação e capacidade econômica das partes. Quando a empresa retira o conteúdo rapidamente, sem agravar o dano, o valor pode ficar mais contido. Em campanhas de grande alcance, com insistência na divulgação, a quantia costuma subir. Não há tabela fixa. O objetivo é compensar o abalo e desestimular práticas abusivas, sem gerar enriquecimento indevido.
Informações úteis para você se proteger
Para famílias: autorizações assinadas em festas, clubes ou escolas devem especificar a finalidade. Caso o termo se refira a “uso institucional” genérico, questione e peça limites claros, incluindo prazo de validade, proibição de cessão a terceiros e direito de revogação. Se a imagem aparecer em contexto diferente do combinado, isso sustenta pedido de retirada e reparação.
Para empresas: revise formulários e fluxos. Termo de imagem eficaz costuma conter identificação do responsável e do menor, finalidades específicas (ex.: redes sociais institucionais, por 12 meses), base legal, política de armazenamento, revogação simples, canais de contato e campo de assinatura legível. Avalie também a pertinência ética da campanha; publicidade dirigida à criança sofre escrutínio extra, e órgãos de autorregulação têm histórico de recomendações restritivas.
Um ponto prático pouco lembrado: a gestão de prazos. Via de regra, a pretensão de reparação civil prescreve em três anos, mas há particularidades quando se trata de menores. Isso afeta estratégias de acordo e de conservação de registros. Manter trilhas de auditoria, contratos digitalizados e controles de versionamento reduz riscos e custos em disputas.
O caso julgado pelo TJ-SP envia um recado direto: o encanto dos parques e eventos não autoriza publicidade sem consentimento. A foto que parece inofensiva ganha outro peso quando vira ferramenta de venda. E, nesse cenário, responsabilidade e transparência deixam de ser opcionais.


