Você vai perder 118 árvores no Bosque dos Salesianos: quem ganha com o acordo da Prefeitura?

Você vai perder 118 árvores no Bosque dos Salesianos: quem ganha com o acordo da Prefeitura?

Moradores da Lapa acordaram com máquinas, promessas de compensação e dúvidas sobre o futuro do verde do bairro.

Depois de mais de um ano de disputa, a derrubada de árvores no Bosque dos Salesianos reabriu uma ferida na zona oeste de São Paulo. A Tegra retomou as atividades após aval do Tribunal de Justiça e um termo firmado com a Prefeitura. No terreno, nascerão torres residenciais; do lado de fora, cresce a pressão de vizinhos por transparência, fiscalização e alternativas que preservem o que restou de sombra e biodiversidade.

O que foi autorizado no Bosque dos Salesianos

O acordo ambiental permite o manejo de 118 árvores em um terreno de cerca de 7 mil m², entre as ruas Pio XI, Sales Júnior e Presidente Antônio Cândido, no Alto da Lapa. O documento separa os exemplares por origem e estado fitossanitário e determina a reposição arbórea na região.

118 árvores sairão do bosque. Em contrapartida, 1.799 mudas nativas serão plantadas: 120 dentro do terreno e 1.679 em áreas do bairro.

Área do terreno ≈ 7.000 m²
Árvores existentes no bosque 207
Remoção autorizada 118
Classificação das árvores removidas 26 nativas; 66 exóticas; 7 invasoras; 19 já mortas
Plantio interno no terreno 120 mudas nativas (DAP mínimo de 3 cm)
Compensação fora do terreno 1.679 mudas nativas no bairro
Total de mudas comprometidas 1.799
Praças a revitalizar 4 praças
Investimento anunciado Superior a R$ 1 milhão
Quando plantar Após o término da obra

As condições impostas pelo termo

O documento exige mudas nativas do Estado, com porte mínimo e manutenção. A Prefeitura afirma que a liberação tem base técnica e legal e que não existe decisão judicial em vigor impedindo a intervenção. O plantio compensatório precisa acontecer depois que as torres ficarem prontas, sob fiscalização municipal.

O município diz buscar “equilíbrio ambiental” ao impor espécie nativa, porte mínimo e cronograma de reposição, com acompanhamento oficial.

A voz do bairro: por que a retirada provoca reação

Moradores e associações locais reagiram. O Movimento Salve o Bosque articulou protesto no dia 4, argumentando que a derrubada ocorre em um momento de urgência climática. Entidades de bairro descrevem o bosque como um dos últimos respiros de verde no entorno e questionam a lógica de “substituir agora e compensar depois”.

Há também um componente afetivo e histórico. Moradores antigos lembram o vínculo do espaço com os salesianos, quando a área integrava a rotina do colégio que formava religiosos. Vizinhos relatam medo de perda de sombra, aumento da ilha de calor e impactos na fauna urbana, já que árvores maduras oferecem abrigo e alimento que mudas levarão anos para repor.

Segurança jurídica x crise climática

O Ministério Público abriu ação em outubro de 2024, apontando risco de danos irreversíveis ao patrimônio ambiental da Lapa. O TJ-SP, porém, autorizou a retomada da obra, o que reabriu o debate entre o direito de construir, o dever de compensar e os limites dessa compensação diante das metas de resiliência climática da cidade.

O que Prefeitura e construtora prometem

A Prefeitura sustenta que o parecer técnico embasou o acordo e que o plantio compensatório, somado à revitalização de praças, trará benefícios urbanos. A Tegra diz ter todas as autorizações e anuncia a recuperação de quatro praças próximas, além de acompanhamento do plantio e do manejo das novas árvores.

A revitalização de quatro praças e investimento acima de R$ 1 milhão entram como parte do pacote de contrapartidas.

Como isso mexe com o seu dia a dia na zona oeste

  • Clima local: a retirada de árvores maduras tende a elevar a temperatura e reduzir a umidade nas ruas adjacentes.
  • Sombreamento e conforto: quem caminha e usa transporte público sentirá mais sol e radiação até que as mudas cresçam.
  • Ruído e tráfego: a fase de obra intensifica caminhões, entulho e barulho em horários comerciais.
  • Praças e lazer: a revitalização prometida pode ampliar equipamentos e canteiros, se cumprir cronogramas e padrões de manutenção.
  • Fauna urbana: aves e insetos perdem ninho e alimento no curto prazo; o restabelecimento depende de espécies e manejo adequados.
  • Fiscalização cidadã: moradores podem acompanhar o plantio, reportar falhas à SVMA via 156 e solicitar reposição de mudas perdidas.

Entenda a compensação ambiental na cidade

Em São Paulo, a reposição costuma ocorrer por Termo de Compromisso Ambiental, fiscalizado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. O instrumento define número de mudas, espécies nativas, porte mínimo, local de plantio, prazos e a obrigação de manutenção por um período que garanta o “pegamento”. Sem manutenção, a conta não fecha: muda morre, a cidade não ganha copa arbórea e a compensação vira promessa vazia.

O desenho do TCA do Bosque dos Salesianos combina plantio interno (120 mudas sob domínio privado) e externo (1.679 em áreas do bairro). Essa divisão busca somar benefícios no miolo do empreendimento e no entorno público. A eficácia dependerá de três fatores: escolha de espécies adequadas ao microclima, diversidade para atrair fauna e manutenção contínua nos primeiros anos, com replantios quando necessário.

Risco x benefício: números que ajudam a avaliar

Árvores maduras fornecem serviços ambientais difíceis de repor de imediato. Uma grande copa reduz temperatura na calçada, retém parte das águas de chuva e melhora a qualidade do ar. Já mudas novas entregam resultados aos poucos, na medida em que crescem e formam copa. Esse “gap de serviços ambientais” pode durar anos.

Por outro lado, um plantio bem planejado, com espécies nativas de diferentes portes e floração escalonada, tende a formar um corredor verde mais resiliente. Em praças, a requalificação pode reorganizar caminhos, drenagem e canteiros, se o projeto for aberto ao controle social e se a manutenção receber verba e rotina definidas.

O que acompanhar daqui para frente

  • Transparência do cronograma: quando termina a obra e quando começa o plantio compensatório externo.
  • Mapa das áreas de plantio: ruas e praças que receberão as 1.679 mudas no bairro.
  • Lista de espécies: priorização de nativas da Mata Atlântica e diversidade suficiente para evitar perdas em massa.
  • Manutenção contratada: irrigação, tutoramento, coroamento e reposição de mudas mortas durante o período de garantia.
  • Qualidade da revitalização: quais praças serão contempladas, quais equipamentos receberão e como a comunidade participará das escolhas.

Para ampliar o debate na sua rua

Organize um inventário cidadão simplificado das árvores do quarteirão. Registre espécie, porte e estado de cada árvore e compartilhe com o Conselho Participativo Municipal e com a subprefeitura. Essa base ajuda a orientar pedidos de plantio, manutenção e poda responsável. Simule, ainda, faixas de sombreamento nas calçadas com diferentes espécies para planejar corredores de pedestres mais confortáveis.

Outra frente é o monitoramento comunitário do termo de compromisso. Acompanhe os pontos de plantio, fotografe o desenvolvimento das mudas por estação, relate perdas e cobre replantios. A compensação só cumpre o papel quando a nova floresta urbana sai do papel, cria copa e devolve sombra, água e vida ao bairro.

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