Enquanto o país discute contas públicas e produtividade, uma mudança silenciosa promete mexer com casas, empregos e berços.
O avanço da licença-paternidade no Congresso reacende debates sobre cuidado, carreira e orçamento. A proposta aprovada na Câmara amplia o tempo de afastamento do pai após a chegada do filho, com pagamento integral, e cria um cronograma de transição. O texto ainda volta ao Senado, mas já movimenta empresas e famílias que tentam entender: o que muda na prática e quem sai ganhando.
O que muda para as famílias
O projeto eleva de 5 para 20 dias a licença-paternidade, com implementação gradual e foco em corresponsabilidade. O benefício vale para nascimento, adoção e guarda judicial de menor, e cobre trabalhadores com carteira assinada, avulsos e microempreendedores individuais (MEI).
A proposta autoriza 20 dias de licença remunerada ao fim do período de transição. Durante a licença e até um mês após o retorno, o trabalhador não pode ser demitido sem justa causa.
Pais de criança com deficiência terão acréscimo de um terço no período. O desenho amplia o tempo de presença paterna nos primeiros dias, o que melhora o vínculo com o bebê e reduz a sobrecarga da mãe.
Como fica o cronograma
A transição ocorre em quatro exercícios, condicionada ao cumprimento de metas fiscais do governo. Sem essa âncora, os 20 dias podem demorar um pouco mais a chegar.
| Ano de vigência | Duração da licença | Condição |
|---|---|---|
| 1º e 2º anos | 10 dias | Sem condicionante adicional |
| 3º ano | 15 dias | Sem condicionante adicional |
| 4º ano | 20 dias | Exige meta fiscal cumprida no 2º ano |
Se a meta fiscal não for alcançada no 2º ano, os 20 dias passam a valer somente a partir do segundo exercício posterior ao cumprimento.
Votação e próximos passos
A Câmara dos Deputados aprovou o texto em votação simbólica. Por ter sofrido alterações, o projeto volta ao Senado, de onde partiu originalmente. A pressão cresceu após o prazo dado pelo STF para o Congresso regular a licença-paternidade, direito previsto desde 1988.
Quem tem direito e como solicitar
O benefício alcança:
- empregados com carteira assinada;
- trabalhadores avulsos;
- microempreendedores individuais (MEI) contribuintes do INSS.
O pedido deve ocorrer logo após o nascimento, a adoção ou a guarda. O pai informa a empresa e apresenta certidão e documentos do evento familiar. No caso de MEI, o pagamento segue regras previdenciárias. O afastamento começa no primeiro dia útil após o evento, salvo acordo interno diferente.
A proteção contra demissão sem justa causa vale durante toda a licença e se estende por 30 dias após o retorno ao trabalho.
Empresa Cidadã: quanto tempo a mais
O programa Empresa Cidadã, que concede dedução no Imposto de Renda para quem amplia licenças, somará 15 dias aos 20 dias ao fim da transição. Isso significa até 35 dias para empresas participantes, ante 20 dias no desenho atual (5 + 15).
Impactos no trabalho de homens e mulheres
Revisões acadêmicas apontam que a licença para pais não derruba salários nem trava promoções. Já as mães tendem a ganhar em renda, formalização e estabilidade ocupacional quando os pais se afastam por mais tempo. O efeito positivo existe no curto e no médio prazo, mas não elimina sozinho as diferenças de gênero.
Licença “tire ou perca” funciona mais
Estudos internacionais mostram maior adesão quando a licença é intransferível para a mãe. Quando o casal só mantém o direito se o pai usar, a participação masculina dispara. Em modelos compartilhados, a procura por homens costuma cair.
Efeitos sobre cuidado e infância
Pais presentes dividem tarefas de forma mais equilibrada e passam a assumir rotinas de alimentação, banho e consultas médicas. Pesquisas em países como Canadá, Suécia, Noruega e Estados Unidos associam a licença a melhores resultados cognitivos e comportamentais das crianças, além de desempenho escolar ao longo da infância.
Mais tempo com o bebê aumenta o vínculo, reduz conflitos domésticos e pode diminuir episódios de violência familiar.
Fertilidade e demografia
O tema ganhou peso com a queda de nascimentos e o envelhecimento da população. Em países mais ricos, a licença de pais, isoladamente, pouco mexe na taxa de fecundidade. Em economias menos igualitárias, como a brasileira, evidências sugerem efeito positivo: políticas de cuidado reduzem insegurança financeira e facilitam a decisão de ter filhos.
Empresas: custos e ganhos
Pesquisadores listam ganhos claros para empregadores: retenção de talentos, queda de pedidos de desligamento e clima interno mais estável. Entidades empresariais apontam desafios, em especial para micro e pequenas empresas que lidam com equipes enxutas. Uma via possível envolve planejamento de escalas, banco de horas e substituições temporárias previamente mapeadas.
- Redução de turnover e custos de reposição;
- Fortalecimento de cultura de cuidado e pertencimento;
- Necessidade de cobertura operacional nas primeiras semanas do bebê.
Referência internacional
A OIT recomenda ao menos 14 dias. Países europeus foram além: a Espanha garante 16 semanas com 100% do salário; a Islândia, 26 semanas com 80%; e a Suécia combina 90 dias para cada genitor e mais 300 dias compartilháveis, também com 80% de remuneração. O Brasil caminha para um patamar intermediário, com desenho financeiro atrelado a metas fiscais.
Casais homoafetivos e regras
O texto trata de casais do mesmo sexo e evita sobreposição de licenças do mesmo tipo. Decisões do STF e do CNJ já determinam que, em dupla materna, uma pessoa acessa licença-maternidade e a outra, licença-paternidade. A regulamentação final precisa detalhar critérios para casais masculinos e como se dará o cômputo quando houver adoção.
Perguntas práticas e simulações
Como fica em caso de criança com deficiência
O período recebe acréscimo de um terço. Em um cenário de 20 dias, o pai teria direito a mais dias proporcionais. O arredondamento final depende de regulamentação, que costuma definir se conta em dias corridos ou úteis.
Qual o impacto no bolso do trabalhador
O pagamento será integral, com financiamento pela Previdência. Para quem atua em empresas do Empresa Cidadã, o tempo adicional também é remunerado. Exemplo: um salário de R$ 3.000 resulta em R$ 3.000 no mês de licença, sujeito aos descontos usuais.
Exemplo com Empresa Cidadã
Ao fim da transição, uma empresa participante pode autorizar 35 dias. Num nascimento em segunda-feira, o afastamento vai até a quarta da quinta semana. No retorno, vale a estabilidade de 30 dias.
Pais com carteira assinada pedem a licença ao RH com a certidão. MEIs precisam estar contribuintes para receber pela Previdência.
Como empresas podem se preparar
- mapear substitutos e treinar backups com antecedência;
- documentar processos-chave do setor do empregado;
- usar banco de horas e ajustar metas do time no período;
- revisar políticas internas para casais homoafetivos e adoções.
Vale acompanhar a tramitação no Senado e os atos que detalharão pontos operacionais, como prazos de pedido, comprovações e contagem de dias. Pais que planejam a chegada do filho podem negociar férias coladas à licença para ampliar a janela de cuidado. Empresas que aderem ao Empresa Cidadã ganham em marca empregadora e tendem a reduzir custos de rotatividade.
A adoção de um modelo “tire ou perca”, ainda que não obrigatório, aumenta a adesão masculina. Famílias que desejam dividir melhor as rotinas podem combinar desde já tarefas do puerpério, como noites alternadas e agenda de consultas. Essa organização diminui desgaste, protege a saúde mental e beneficia o desenvolvimento da criança.


