Entre canteiros coloridos e receitas afetivas, um quintal em Itanhaém virou ponto de encontro para quem busca comida de verdade e renda.
No bairro, a agricultora urbana Karem Capellari Fernandes transformou a própria casa em laboratório vivo de Plantas Alimentícias Não Convencionais. O espaço ganhou nome, rotina de oficinas e uma missão social: provar que diversidade no prato cabe em qualquer quintal.
Quem é a agricultora por trás do movimento
Do laboratório ao quintal
Formada em Ciências Biológicas, Karem passou anos distante da área até decidir voltar para a terra. Recomeçou no próprio quintal, observando ciclos, testando cultivos e anotando resultados. Na sequência, fez curso técnico de Meio Ambiente na Etec de Itanhaém e dedicou o trabalho final às PANC em 2014, abrindo caminho para estudos que não pararam mais.
O primeiro lote de sementes veio por meio de serviços públicos de assistência técnica rural. A partir daí, o aprendizado seguiu no campo e na cozinha, com testes culinários e degustações para avaliar aceitação, textura e sabor. Hoje, ela reúne cerca de 100 espécies com potencial alimentar entre hortaliças e frutíferas.
Rede, troca e ciência
Karem acompanha pesquisas de referência sobre hortaliças pouco conhecidas e participa do HortPANC, encontro anual que reúne técnicos, agricultores e educadores. Em edições recentes, o evento passou por Campinas, São Lourenço e Sete Lagoas, reforçando a troca entre quem estuda e quem pratica as PANC no dia a dia.
Mais de 100 espécies crescem em um quintal de Itanhaém, com oficinas abertas e foco em segurança alimentar.
O que cresce no projeto Meu Quindim
O quintal-jardim, batizado de “Meu Quindim”, virou vitrine didática. Lá, o visitante encontra variedades para todas as épocas do ano, muitas delas ignoradas no mercado convencional.
- Hortaliças e folhas: bertalha, taioba, azedinha, azedinha-do-brejo, peixinho-da-horta, ora-pro-nobis (inclusive variedades amazônicas), almeirão-de-árvore, dente-de-leão, alho-nirá.
- Flores comestíveis: capuchinha, cosmos, tagetes, lavanda.
- Frutas nativas e adaptadas: grumixama, cambuci, pitanga, amora, araçá, cabeludinha (jabuticaba amarela), fruta-do-sabiá.
- Aromáticas e medicinais populares: cidreira, erva-luíza, erva-doce, crajiru, hortelã-gorda, salsa japônica (mitsuba).
- Espontâneas comestíveis: beldroega, caruru, serralha, major-gomes, capeba.
Em muitas dessas plantas, tudo se aproveita: folhas, caules, raízes, flores, frutos e até tubérculos como inhame, cará e mandioquinha. Na cozinha, viram refogados, pães, bolos, geleias, chás e sucos de alta densidade nutricional.
PANC aumentam a diversidade do prato, reduzem gasto com feira e trazem nutrientes de fontes pouco exploradas.
Como usar sem desperdício
Quem inicia costuma focar em folhas, mas flores e talos também rendem. Capuchinha decora saladas com toque levemente picante. Peixinho-da-horta empana e assa bem. Ora-pro-nobis dá corpo a farofas e caldos. Coração de bananeira, com preparo adequado, vira recheio macio para tortas.
Segurança e primeiros passos
Plantas diferentes exigem atenção. Identificação correta e manejo limpo evitam confusões e contaminações.
- Identifique a espécie com fonte confiável antes de consumir. Nome popular varia por região.
- Evite colher em calçadas, beiras de rua e terrenos com possível contaminação. Prefira levar mudas para casa e cultivar.
- Regue uma ou duas vezes ao dia conforme o clima. Em Itanhaém, calor e ventos pedem atenção extra à hidratação do solo.
- Monte canteiros mistos, com sombreamento parcial para espécies sensíveis ao sol forte.
- Aprenda a diferença entre variedades seguras e tóxicas de uma mesma família. Taioba comestível não é a mesma que taioba-brava.
Comece simples: canteiros mistos, adubo orgânico, rega diária ajustada ao clima e observação constante da planta.
Impacto social e formação de rede
O projeto ganhou vida para além do portão. Karem organiza oficinas em bairros da Baixada, monta hortas didáticas em escolas e distribui mudas. Na Etec de Itanhaém, ela orienta estudantes na implantação de um canteiro PANC. Em Peruíbe, levou oficinas para associação de moradores e escolas, aproximando famílias de alimentos possíveis, baratos e nutritivos.
Agenda recente incluiu workshop com degustação e prática de plantio, sempre com foco em identificação segura e preparo básico. O formato combina conversa curta, manejo de mudas e uma receita testada na hora.
Quanto custa começar um canteiro PANC
Uma pequena área de 2 m² já dá colheita contínua. Abaixo, uma referência de custos para iniciar em casa na região litorânea:
| Item | Quantidade | Estimativa (R$) |
|---|---|---|
| Mudas variadas (6 a 8 espécies) | 8 unidades | 48–80 |
| Substrato e composto orgânico | 2 sacos de 25 L | 50–70 |
| Ferramentas básicas (pazinha, garfo, regador) | kit | 60–120 |
| Palhada para cobertura do solo | 1 fardo | 20–35 |
| Sementes de ciclo rápido | 3 envelopes | 15–30 |
Com até R$ 300, dá para iniciar um canteiro diverso. A manutenção cai bastante quando você passa a produzir e trocar mudas.
Receita-base que funciona com várias PANC
Farofa verde com ora-pro-nobis e talos
- Pique 2 xícaras de folhas de ora-pro-nobis e 1 xícara de talos de couve.
- Refogue 1 cebola e 2 dentes de alho no óleo ou manteiga.
- Junte as folhas e talos, mexa por 2 minutos.
- Acrescente 1 a 2 xícaras de farinha de milho, sal e pimenta.
- Finalize com raspas de limão. Sirva com feijão ou ovos.
Troque a folha por taioba, azedinha ou beldroega, respeitando o preparo indicado para cada espécie.
O clima do litoral a favor do plantio
Itanhaém tem solo arenoso e drenagem rápida. Cobertura morta (palhada) preserva umidade e vida no solo. Adubação orgânica repõe nutrientes perdidos pela chuva e maresia. Em ventos intensos, quebre rajadas com barreiras vivas de capim-limão ou bananeiras.
Planos de Karem e próximos passos
Karem cursa pós-graduação em Agricultura Urbana e Sustentabilidade Alimentar, aprofundando manejo, nutrição e políticas públicas. O objetivo é ampliar o mapeamento de espécies locais, fortalecer a rede de troca de mudas e levar oficinas para mais bairros da Costa Sul.
A agenda inclui turmas práticas com técnicas simples de multiplicação, produção de biofertilizantes caseiros e receitas de baixo custo. O modelo combina variedade no canteiro, educação ambiental e renda complementar para famílias em vulnerabilidade.
Para quem quer começar hoje
- Escolha 4 espécies fáceis: capuchinha, peixinho-da-horta, beldroega e ora-pro-nobis.
- Monte canteiro com meia-sombra e solo coberto. Regue pela manhã.
- Registre o crescimento com fotos semanais. Isso ajuda a ajustar rega e adubo.
- Teste usos na cozinha: cru, refogado e assado. Compare sabor e textura.
Uma horta PANC rende colheita contínua em espaços pequenos e melhora a qualidade da dieta. Para escolas e grupos, oficinas curtas aceleram o aprendizado e reduzem erros de manejo.


