Ele voltou para casa, mas não encontrou paz. Entre dores, silêncio e contas, uma comunidade tenta juntar os cacos.
Meses depois da queda em Ahmedabad, o britânico Viswashkumar Ramesh, 39, rompeu o silêncio. Ele se diz o homem mais sortudo do mundo por ter sobrevivido, mas admite que a vida virou um campo de batalha diário.
Quem é o único sobrevivente
Ramesh mora em Leicester, no Reino Unido. Ele viajava rumo a Londres. O Boeing 787 da Air India pegou fogo poucos segundos após decolar no oeste da Índia e caiu próximo a Ahmedabad, em junho. Ele saiu do assento 11A por uma abertura na fuselagem. Desde então, luta para se recompor.
Ele se define como “o mais sortudo”, mas vive uma rotina de dor, luto e isolamento.
O dia que mudou tudo
Imagens do pós-acidente rodaram o mundo. Elas mostravam Ramesh caminhando entre fumaça e destroços. No hospital, na Índia, ele relatou ter afrouxado o cinto, rastejado para fora e recebido cuidados emergenciais. Chegou a cumprimentar o primeiro-ministro Narendra Modi durante a recuperação inicial.
- Voo: Air India rumo a Londres
- Aeronave: Boeing 787
- Local: região de Ahmedabad, oeste da Índia
- Mortes a bordo: 241 pessoas
- Mortes em solo: 19 pessoas
- Nacionalidades entre as vítimas: 169 indianos, 52 britânicos
- Sobreviventes: 1
Dor física e mental
O retorno a Leicester não trouxe alívio. Segundo seus assessores, ele recebeu diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) ainda no hospital. Em casa, a rotina emperrou. Ele afirma sentir dores na perna, no ombro, no joelho e nas costas. Não dirige. Não trabalha. Anda devagar e depende da esposa para tarefas básicas.
O luto ocupou cada canto da casa. O irmão mais novo, Ajay, morreu no acidente. O laço era estreito. Eles geriam juntos um negócio de pesca em Diu, na Índia. Sem o irmão, a empresa ruiu. A mãe, relatam familiares, permanece abatida e silenciosa. Ele quase não conversa com a esposa e o filho de quatro anos.
“Fico no meu quarto. Quero ficar sozinho”, relatou ele em conversa com a imprensa, visivelmente emocionado.
Impacto na família e no trabalho
Sem renda e com dor persistente, a família acumula pressões. O negócio que sustentava os parentes, em Diu, parou. Amigos e lideranças comunitárias de Leicester, como Sanjiv Patel, cercam a família com apoio e proteção. Eles descrevem um homem perdido, com uma longa estrada até a reabilitação.
Cobranças à Air India
Os assessores de Ramesh dizem que a Air India ofereceu uma indenização provisória de 21,5 mil libras (cerca de R$ 150 mil). Ele aceitou. A equipe alega que o valor não cobre necessidades imediatas. Pediram reuniões com executivos da companhia. Segundo o porta-voz Radd Seiger, os convites anteriores não avançaram.
Indenização provisória aceita: 21,5 mil libras. Assessores pedem reunião e apoio contínuo.
O que diz a companhia
A Air India afirma manter contato com as famílias e ter oferecido encontro aos representantes de Ramesh. A empresa, controlada pelo Grupo Tata, declara que o cuidado com os atingidos é prioridade da gestão. A equipe de Ramesh quer datas, interlocutores e respostas práticas para moradia, saúde e renda.
O que já se sabe sobre a investigação
Um relatório preliminar do Escritório de Investigação de Acidentes Aéreos da Índia apontou uma interrupção no fornecimento de combustível aos motores poucos segundos após a decolagem. As apurações continuam.
Relatório preliminar: interrupção no fluxo de combustível aos motores após a decolagem.
Como funcionam as apurações
Investigações desse tipo analisam gravadores de voo, histórico de manutenção, qualidade do combustível e procedimentos da tripulação. Peritos reconstroem a sequência de eventos. O processo costuma levar meses e pode gerar recomendações de segurança, mudanças operacionais e responsabilidades civis.
Como buscar ajuda e direitos
Casos com vítimas de voos internacionais seguem normas de responsabilidade civil que costumam adotar padrões do transporte aéreo global. Famílias podem pleitear compensação financeira, despesas médicas e apoio psicológico. Os valores variam, dependem de circunstâncias do voo e de acordos entre partes. Adiantamentos emergenciais costumam ocorrer para despesas imediatas, sem definir o acordo final.
TEPT: sinais e caminhos
O TEPT aparece com lembranças intrusivas, pesadelos, insônia, hipervigilância e isolamento. Vítimas de desastres aéreos têm risco elevado. Atendimentos combinam psicoterapia, suporte familiar e, quando necessário, medicação. Rotinas previsíveis e redes de apoio ajudam na recuperação. A abordagem precisa considerar idioma, cultura e a rede comunitária — no caso de Ramesh, o gujarati é a primeira língua e influencia a forma de acolhimento.
- Procure atendimento psicológico e psiquiátrico assim que possível.
- Registre sintomas e limitações para respaldar pedidos de assistência.
- Guarde documentos médicos, despesas e relatórios oficiais do caso.
- Busque orientação jurídica especializada em transporte aéreo.
Perguntas que ainda pedem resposta
O que causou a interrupção de combustível? Houve falha técnica, contaminação, erro operacional ou conjunto de fatores? O que as inspeções de manutenção recente revelam? As respostas orientarão mudanças nos treinamentos e nas rotinas de abastecimento e despacho. Elas também terão impacto sobre a reparação às famílias.
O lugar do passageiro nessa conversa
Quem embarca confia em camadas de proteção: projeto da aeronave, manutenção, abastecimento, tripulação, controle de tráfego e procedimentos em solo. Falhas raras, quando se somam, geram tragédias. Informar passageiros sobre direitos, canais de atendimento e prazos ajuda a reduzir danos secundários, como endividamento e abandono terapêutico.
Direito, saúde e renda caminham juntos na recuperação. Sem um, os outros desmoronam.
Informações práticas para famílias afetadas
Organize um dossiê com laudos médicos, receitas, atestados de incapacidade laboral e comprovantes de gastos. Guarde números de protocolo de contatos com a companhia, seguradoras e autoridades. Familiar de vítima pode nomear um representante para centralizar negociações. Ao negociar compensações, considere custos de longo prazo, como reabilitação, mobilidade, apoio ao cuidador e perda de renda futura.
Para quem vive o luto e sente o corpo falhar, qualquer formulário parece uma montanha. Dividir tarefas, aceitar ajuda comunitária e estabelecer prazos curtos e realistas pode reduzir a sobrecarga. O caso de Ramesh expõe uma questão que atinge muitas famílias após desastres: sem apoio rápido e contínuo, a ferida administrativa amplia a dor que já veio do céu.


