Mudanças na equipe jurídica reacendem disputas em Brasília e no Rio, com impactos diretos na vida de quem mora nas comunidades.
Um movimento silencioso nas cortes pode mexer com a rotina de moradores e de agentes públicos. A saída do advogado que liderava a causa no Supremo traz novas dúvidas sobre estratégia, prazos e fiscalização de operações policiais no Rio de Janeiro.
O que está por trás da saída
Daniel Sarmento, que representava o PSB na ADPF das Favelas desde 2019, deixou o caso após desentendimentos internos no partido. O eixo do conflito surgiu quando a equipe jurídica pediu ao Supremo Tribunal Federal que autoridades federais investigassem um possível descumprimento de decisões da ADPF durante a megaoperação no Complexo do Alemão, realizada no dia 28, que resultou em mais de 100 mortos.
O pedido de investigação federal acendeu alerta na direção nacional do PSB, que queria ter sido consultada antes do envio ao STF.
Até então, Sarmento atuava com carta-branca do diretório estadual. A cúpula nacional, ao ser informada do movimento, decidiu indicar outro advogado para dividir a condução da ação. Diante do novo arranjo, Sarmento renunciou. Procurados, os envolvidos não comentaram o episódio.
A cronologia recente
- 2019: o PSB propõe a ADPF das Favelas ao STF, mirando medidas para reduzir a letalidade policial no Rio.
- 2020–2023: o Supremo fixa parâmetros para operações e cobra planos de redução da violência.
- 28/10: megaoperação no Alemão contra o Comando Vermelho registra mais de 100 mortos.
- Na sequência: advogados pedem apuração federal de descumprimento; direção do PSB reage e muda a linha de frente jurídica; Sarmento sai.
O que é a ADPF das Favelas
ADPF significa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. É um instrumento que busca evitar ou reparar violações à Constituição cometidas por ações ou omissões de autoridades públicas. No caso específico das favelas do Rio, a ação pede medidas concretas para reduzir mortes em operações e proteger moradores, policiais e demais envolvidos.
Desde a apresentação, a ADPF gerou decisões que estabeleceram parâmetros para o uso da força, prioridades de inteligência e transparência. O foco recai sobre planejamento, controle externo e preservação de direitos básicos durante incursões.
A ADPF 635 virou referência ao impor parâmetros para operações: planejamento, registro, atendimento médico e supervisão do Ministério Público.
As diretrizes que moldam as operações
- Justificativa formal e detalhada para ações de alto risco, com base em inteligência.
- Comunicação prévia e posterior ao Ministério Público e à Defensoria, com dados sobre objetivos, meios e resultados.
- Proibição de disparos a partir de helicópteros e uso de aeronaves apenas em condições seguras e justificadas.
- Ambulâncias e equipes de socorro em prontidão para atendimento imediato.
- Preservação rigorosa de cena de crime e cadeia de custódia.
- Planos de redução da letalidade, monitorados por órgãos de controle.
- Ampliação de transparência, com relatórios públicos e uso de tecnologias de registro, como câmeras corporais.
Pressão interna e cálculo político
A disputa sobre quem fala em nome do partido no Supremo revela mais do que um embate jurídico. Mostra ritmos distintos entre diretórios, disputas por protagonismo e receio de desgaste com governos e forças de segurança. O pedido de investigação federal mexe com competências sensíveis, atinge corporações e tende a repercutir em Brasília.
Quando a cúpula partidária puxa o freio, a estratégia muda de tom: menos improviso, mais alinhamento e, por vezes, mais lentidão.
Quem perde e quem ganha com a troca
| Ator | O que pode mudar |
|---|---|
| Direção nacional do PSB | Maior controle sobre a linha jurídica e os pedidos ao STF. |
| Diretório estadual | Menos autonomia para decisões rápidas em casos urgentes. |
| Comunidades | Risco de atrasos em pedidos emergenciais; chance de estratégia mais estável no médio prazo. |
| Forças de segurança | Ambiente jurídico mais previsível; pressão contínua por conformidade às decisões do STF. |
| STF | Possível pausa para reorganização das petições; subsistência da ação e dos parâmetros já fixados. |
O impacto para quem mora nas favelas
Para o morador, a troca de advogados não muda, de imediato, o texto das decisões judiciais. Muda a forma como o partido cobra o cumprimento. Pedidos de novas diligências, relatórios e inspeções podem ganhar outro ritmo. A atenção recai sobre prazos e sobre a articulação com Ministério Público, Defensoria e órgãos federais.
Casos como o da megaoperação no Alemão, com alto número de mortos, entram no radar do controle externo. A discussão central segue: como reduzir a letalidade e preservar provas quando o tiroteio já começou? A ADPF oferece um manual de conduta, mas a efetividade depende de planejamento policial, cadeia de comando e fiscalização ativa.
Como acompanhar e agir
- Registre ocorrências com data, horário e local. Vídeos e fotos ajudam na checagem de versões.
- Encaminhe relatos a ouvidorias de polícia, Defensoria Pública e Ministério Público.
- Procure coletivos locais de direitos humanos para orientação sobre proteção a testemunhas.
- Guarde prontuários e laudos médicos; eles fortalecem pedidos de perícia independente.
O que vem a seguir no Supremo
A substituição na representação do PSB costuma exigir petições formais e atualização de procurações. O relator verifica a regularidade e toca a pauta. A ação não some com a saída de um advogado. A depender da postura da nova equipe, o processo pode focar no acompanhamento de decisões já proferidas, com ênfase em relatórios, audiências de monitoramento e pedidos específicos em operações críticas.
As medidas da ADPF permanecem válidas: o debate agora é sobre fiscalização, prazos e prioridade de alvos.
Pontos de atenção para os próximos meses
- Se haverá pedido de investigação federal sobre a operação do Alemão com nova fundamentação.
- O calendário de monitoramento dos planos de redução de letalidade no Rio.
- O avanço do uso de câmeras corporais e a qualidade dos relatórios de operações.
- Eventuais incidentes de descumprimento que cheguem ao STF com prova robusta.
Informações úteis para ampliar a discussão
Como funciona um pedido de apuração federal ao STF? Em regra, a parte apresenta fatos, indica normas violadas e pede que o Supremo oficie autoridades federais competentes para investigar. O STF não substitui o trabalho policial, mas pode acionar e coordenar órgãos, fixar prazos e cobrar transparência. A sustentação depende de documentos, perícias e relatos que sustentem indícios de descumprimento.
Quer avaliar o efeito prático das diretrizes no seu território? Observe alguns indicadores: número de operações com ambulância disponível; taxa de preservação da cena de crime; tempo de resposta de perícia; proporção de ações com relatórios públicos no prazo; existência de gravações por câmeras corporais. Quando esses elementos aparecem, a letalidade tende a cair e a responsabilização melhora. Quando somem, o risco de violações cresce.


