Os carros por aplicativo viraram hábito nas grandes capitais, mas a experiência muda bastante quando a estrada some do mapa.
O avanço existe e chama atenção, só que a oferta não acompanha todo mundo. Dados recentes do IBGE expõem um país dividido entre quem chama um carro pelo celular em minutos e quem continua contando moedas para o táxi, a van ou a moto na praça central.
Mapa desigual e números que mexem com o seu dia a dia
A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) 2024, do IBGE, mostra que os serviços por aplicativo cresceram 65% desde 2020. O ritmo é forte, mas não derrubou a barreira principal: apenas 26% dos municípios informaram ter plataformas como Uber, 99 ou similares operando.
Três em cada quatro cidades ainda não têm carro por aplicativo. Em números, 1.465 têm o serviço; 4.084 seguem de fora.
O levantamento ouviu 5.568 prefeituras. Em 21 delas, não houve resposta sobre o tema. A fotografia explica por que a sensação é de avanço nas áreas mais densas e de estagnação no interior. Onde não há aplicativo, a população recorre aos modais tradicionais e convive com menos opções, tarifas menos flexíveis e tempos de espera imprevisíveis.
Tamanho do município pesa nas escolhas
O recorte por porte ajuda a entender a lacuna. O Brasil tem maioria de cidades pequenas: 81% dos municípios têm até 20 mil habitantes. Entre as 4,1 mil sem aplicativo, 3,3 mil estão nessa faixa. A matemática do mercado pesa: menos demanda, menos motoristas interessados, menos operação ativa.
O crescimento dos apps se concentrou nos municípios entre 50 mil e 100 mil habitantes, onde a demanda começa a dar escala ao serviço.
Essa dinâmica conversa com a malha rodoviária e a oferta de transporte público local. Quando o ônibus intramunicipal é raro ou limitado, as plataformas encontram espaço. Quando a cidade depende de linhas intermunicipais controladas pelo estado, o aplicativo perde tração.
Estados: liderança e lacunas
O Rio de Janeiro lidera a cobertura: 62% dos municípios fluminenses contam com apps. Em seguida aparecem São Paulo (48%) e Santa Catarina (45%). No outro extremo, Piauí e Paraíba figuram entre os estados com menor presença.
| Estado | Presença de apps |
|---|---|
| Rio de Janeiro | 62% dos municípios |
| São Paulo | 48% dos municípios |
| Santa Catarina | 45% dos municípios |
| Piauí | baixa cobertura |
| Paraíba | baixa cobertura |
As diferenças regionais combinam fatores econômicos, densidade populacional, conectividade de internet e políticas municipais. Onde há renda e concentração urbana, o aplicativo chega e se mantém. Onde a população se dispersa e a demanda oscila, a plataforma não fecha a conta.
Quando o app não chega, quem leva você?
Os modais tradicionais sustentam a mobilidade na maior parte das cidades. O IBGE registrou alta presença de táxi e van, além do mototáxi, que se mantém forte no interior.
- Táxi: presente em 80% dos municípios
- Van: presente em 60% dos municípios
- Mototáxi: presente em 53% dos municípios
- Barco: presente em 9% dos municípios
- Trem: presente em 2% dos municípios
- Metrô: presente em menos de 1% dos municípios
- Avião: presente em 3% dos municípios
- Ônibus intramunicipal: presente em 31% dos municípios
- Ônibus intermunicipal: presente em 78% dos municípios
Para o usuário, isso significa depender de horários fixos, pontos definidos e, muitas vezes, integrar dois ou três meios para chegar ao trabalho. Para o motorista autônomo, a ausência de aplicativos reduz oportunidades e limita o ganho por corrida.
Por que falta: densidade, renda e conexão
As plataformas precisam de um mínimo de corridas por hora para manter motoristas ativos e preços competitivos. Em cidades pequenas, a demanda varia conforme o calendário local e o horário comercial. A internet falha em áreas rurais. A regulação às vezes engessa a operação. O resultado aparece no mapa: bolsões sem serviço.
Prefeituras também alimentam esse ciclo. Quando o transporte intramunicipal funciona de forma regular, o aplicativo encontra um ecossistema mais previsível, com picos e vales conhecidos. Sem planejamento de mobilidade, o mercado fica errático e motoristas migram para cidades vizinhas.
Medidas práticas já testadas
- Cidades-polo podem assinar convênios regionais, permitindo que motoristas circulem por microrregiões com a mesma regra.
- Licenças simplificadas e digitalizadas reduzem custo de entrada para motoristas locais.
- Pontos de conexão Wi‑Fi e 4G em praças e terminais ajudam o app a funcionar onde o sinal cai.
- Tarifa pública integrada para vans e ônibus cria previsibilidade e reduz sobreposição ineficiente de rotas.
- Programas de segurança e iluminação em áreas de demanda noturna incentivam motoristas a rodar em horários críticos.
Quanto você precisa de app para ter carro rápido: uma simulação simples
Imagine um município com 80 mil habitantes e cerca de 40 mil adultos. Se 5% pedem uma corrida em um dia típico, são 2.000 viagens. Com 12 corridas por motorista/dia, a praça sustenta cerca de 165 motoristas ativos. Nessa escala, o tempo médio de espera tende a cair para menos de 8 minutos.
Agora pense em uma cidade com 18 mil habitantes. Se 3% pedem corrida em um dia, são 540 viagens. Com a mesma produtividade, falamos de 45 motoristas ativos. Qualquer feriado local ou chuva forte derruba a demanda e afasta parte desses motoristas. O sistema perde previsibilidade e o tempo de espera dispara.
Custos, riscos e oportunidades para prefeituras e usuários
Para o usuário, a maior oferta por app reduz tempo perdido e amplia o raio de oportunidades de trabalho e estudo. Para a prefeitura, a chegada do serviço pode aliviar a pressão sobre linhas ociosas, desde que as regras de operação evitem guerra tarifária com o transporte público.
Há riscos. Sem coordenação, aplicativos concentram corridas em horários nobres e deixam vazios nos bairros periféricos. Com dados abertos e metas de cobertura por zona, é possível exigir contrapartidas: operação mínima em áreas de baixa renda, integração de paradas seguras e incentivo ao transporte noturno.
O que a pesquisa ainda traz: clima e igualdade racial entram no radar
A edição 2024 da MUNIC e da ESTADIC agregou dois temas transversais. No Rio Grande do Sul, 37% dos municípios atingidos pelas enchentes de maio não emitiram avisos à população. Desse grupo, 115 não tinham sistema de alerta e 55 possuíam, mas não usaram. O dado expõe um gargalo de proteção civil que também afeta a mobilidade em emergências.
Em outro eixo, oito estados não tinham reserva de vagas para negros, quilombolas, indígenas e ciganos em concursos públicos em 2024: Amazonas, Roraima, Pará, Tocantins, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina e Goiás. A presença do indicador ajuda a calibrar políticas e a monitorar resultados ao longo dos anos.
Como transformar números em política pública
Os dados permitem metas tangíveis. Uma prefeitura pequena pode mirar a criação de um corredor intramunicipal com horários garantidos e, a partir daí, negociar a entrada gradual de apps no fim de semana e no período noturno. Outra saída é pactuar com a plataforma um bônus por corrida em zonas de baixa demanda, financiado por publicidade nos pontos de embarque.
Para estados, faz diferença coordenar licenças e criar cadastros regionais. Assim, motoristas conseguem operar em grupos de cidades contíguas, elevando a densidade de corridas sem burocracia adicional. O reforço na conectividade móvel e em dados abertos completa o tripé que reduz a desigualdade no acesso ao transporte.


