Loira do Banheiro no centro: você já passou pelo nº 79 da Rua Roberto Simonsen e não soube?

Loira do Banheiro no centro: você já passou pelo nº 79 da Rua Roberto Simonsen e não soube?

No coração de São Paulo, uma casa discreta esconde memórias que ainda mexem com corredores escolares, cafés e velhas capelas.

A lenda da loira do banheiro tem endereço, documentos e personagens com nome e sobrenome. Pesquisas recentes reativam a curiosidade e abrem portas para uma visita diferente nas ruas do triângulo histórico.

Onde fica e por que esse endereço importa

No número 79 da Rua Roberto Simonsen, a poucos passos do Pátio do Colégio, funciona hoje o restaurante Cama Café São Paulo, reconhecido como Ponto de Memória. Ali viveu o conselheiro do Império Francisco Antônio Dutra Rodrigues, professor de Direito Romano e vice-presidente da Província de São Paulo no ano da Lei Áurea. A casa preserva piso antigo e, sem alarde, guarda a peça que faltava para juntar os fios históricos de uma narrativa que atravessou séculos.

Endereço-chave: Rua Roberto Simonsen, 79, Centro Histórico. Atendimento de segunda a sexta, das 11h às 16h, e, em alguns sábados, durante atividades culturais.

Em 2022, durante uma manhã de limpeza, um visitante tocou a campainha pedindo para conhecer o espaço. Era o historiador Diego Amaro de Almeida, autor de A Loira do Banheiro – A Dama e o Conselheiro. Ele investigou registros civis, correspondências e arquivos judiciais. O trabalho confirmou que o conselheiro morou ali e reconstruiu a trajetória de Maria Augusta de Oliveira Borges, jovem que se tornaria o eixo da lenda mais repetida dos colégios brasileiros.

Quem foi Maria Augusta e como nasceu a lenda

Do casamento arranjado à vida em Paris

Maria Augusta nasceu em Guaratinguetá, em 1865, filha de um influente fazendeiro que seria titulado Visconde de Guaratinguetá. Adolescente, viu seu casamento ser arranjado com o já maduro conselheiro Dutra Rodrigues. A cerimônia ocorreu em 1879, no antigo Palácio Episcopal da capital. A união não prosperou. Interesses distintos e temperamentos incompatíveis pesaram. Em meados da década de 1880, o processo de anulação trouxe um dado que faria diferença: ela deixou a casa, foi ao Rio de Janeiro e, depois, seguiu para Paris.

Na Europa, frequentou salões e bailes. Em 1891, morreu aos 26 anos. A causa exata segue debatida. Versões citam tuberculose; outras mencionam hidrofobia, quadro associado à raiva humana. O corpo foi embalsamado e enviado ao Brasil. O caixão teria chegado violado, com jóias subtraídas, o que alimentou rumores e histórias sussurradas em velórios e varandas.

Morte precoce e o velório que virou atração

A mãe, abalada, adiou o sepultamento. Manteve o corpo em urna de vidro em uma sala da antiga chácara da família, em Guaratinguetá, recebendo visitas. A imagem da jovem “adormecida” passou a circular. Segundo relatos, um sonho teria convencido a família a sepultá-la numa pequena capela branca. A partir daí, começaram as narrativas de aparições entre túmulos e corredores silenciosos.

Da chácara à escola: o rastro no Vale do Paraíba

Em 1902, a propriedade do visconde deu lugar à Escola Conselheiro Rodrigues Alves. Em 1916, um incêndio de causa não esclarecida incendiou a imaginação local. Entre a reconstrução e as aulas, alunos e funcionários passaram a relatar fenômenos: passos no vazio, piano tocando sozinho, cheiros de perfume no corredor, torneiras que se abriam sem mão alguma por perto.

Por que no banheiro? A hipótese mais repetida cita a hidrofobia: sede intensa e dificuldade de deglutição. A água vira presença e ausência ao mesmo tempo.

Há episódios com data e testemunha. Uma reunião de docentes teria terminado abruptamente quando a luminária despencou sobre a mesa da direção após comentários céticos sobre “fantasmas”. Nos anos 1990, reapareceram relatos. Inspetoras viram uma figura atravessar o corredor. Uma funcionária jurou ouvir o teclado do piano quando a escola estava vazia.

  • Luzes que se apagam sem ação humana aparente.
  • Torneiras abertas e água corrente em banheiros desocupados.
  • Perfume doce em salas trancadas.
  • Notas breves de piano ao fim do expediente.
  • Silhuetas próximas a janelas no segundo andar.

Linha do tempo dos fatos citados

Ano Evento
1879 Casamento de Maria Augusta e do conselheiro Dutra Rodrigues, em São Paulo.
1884–1885 Separação de corpos e anulação do matrimônio.
1891 Morte de Maria Augusta em Paris e traslado do corpo ao Brasil.
1902 Criação da Escola Conselheiro Rodrigues Alves na antiga chácara da família.
1916 Incêndio na escola e fortalecimento dos relatos sobrenaturais.
1996 Depoimentos de funcionárias sobre piano e aparições.
2022 Visita do historiador Diego Amaro de Almeida à casa do conselheiro no centro de São Paulo.

Visita hoje: memória, cardápio e pesquisa

De volta ao centro paulistano, o imóvel onde viveu o conselheiro segue ativo. O Cama Café São Paulo recebe trabalhadores da região ao almoço e, em horários definidos, exibe fotos e materiais que ajudam a ligar a residência às personagens da história. Os proprietários, Luiz e Cleide, relatam que não montaram o negócio em busca de mistério. A conexão com a lenda veio depois, pela via da pesquisa documental.

O livro A Loira do Banheiro – A Dama e o Conselheiro, de Diego Amaro de Almeida, está à venda no endereço. A exposição de imagens apresenta o conselheiro, a jovem Maria Augusta e a casa.

Quem pretende ir encontra um espaço de memória no ritmo da cidade. O piso antigo conta outra camada da trama. Mesmo quem não se interessa por fantasmas sai com um roteiro histórico nas mãos: Império, abolição, elite cafeeira, educação e imaginário popular se cruzam em poucos quarteirões.

Perguntas que leitores fazem

Dá para visitar sem medo?

Sim. É um restaurante em funcionamento. Não há registros de fenômenos no local hoje. O endereço serve como ponto de partida para entender pessoas reais por trás da história. O fascínio está menos na assombração e mais nos documentos que a sustentaram.

Por que esse caso virou referência nacional

Porque reúne elementos que escolas replicam: uma jovem de passado trágico, um prédio antigo, ruídos noturnos e o banheiro como palco. Essa combinação, somada à oralidade estudantil, espalhou a lenda pelo país, com adaptações regionais.

Como aproveitar melhor a ida ao centro

Monte um circuito a pé que inclua o Pátio do Colégio, o Solar da Marquesa de Santos e o Largo São Francisco, onde o conselheiro lecionou. Reserve ao menos duas horas para caminhar sem pressa. Prefira dias úteis, entre o fim da manhã e o começo da tarde, quando a região está mais movimentada.

  • Leve um bloco para anotar datas e nomes. Facilita conectar a visita ao material histórico.
  • Peça informações sobre a exposição de fotos ao staff. Eles orientam sobre horários e acesso.
  • Observe o piso e os detalhes construtivos. Elementos arquitetônicos ajudam a datar usos do imóvel.
  • Mantenha respeito nos registros fotográficos. Outras pessoas estão ali para almoçar e trabalhar.

Contexto útil para a sua leitura

A hipótese da hidrofobia explica a associação da lenda à água. Pacientes sentem sede intensa, mas têm espasmos ao tentar deglutir, o que aproxima o simbolismo do banheiro à angústia física. Já a tuberculose, comum no fim do século XIX, oferece uma leitura menos dramática, porém coerente com a época. Em ambos os casos, o componente trágico da juventude interrompida ajudou a fixar a história no imaginário.

Para quem gosta de história urbana, esse endereço funciona como laboratório de memória. Permite cruzar biografias, administração imperial, cultura escolar e economia do café. Serve também para treinar o ceticismo: o medo alimenta narrativas; documentos e lugares produzem camadas verificáveis. Ao caminhar pelo centro, você pode testar essas duas forças e sair com perguntas melhores do que entrou.

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