Barracas reaparecem, cheiros doces tomam a cidade e memórias colorem conversas. Um pequeno fruto volta a juntar famílias nas calçadas.
A temporada da guavira começou a dar as caras em Campo Grande. Entre a secura que se despede e as primeiras pancadas de chuva, vendedores improvisam lonas, fregueses param o carro no impulso e o Cerrado se faz presente em goles, bocados e lembranças.
Sinal de chuva e de renda
O retorno da guavira às ruas marca o fim do período seco e o início das águas. Desde cedo, barracas surgiram em pontos conhecidos, como o entorno do Cemitério Cruzeiro e os corredores do Mercadão Municipal. O fluxo é constante. Quem trabalha com frutas tradicionais percebe a diferença: a procura pela fruta-símbolo do Estado derruba a conversa e acelera a venda.
Preço médio nas primeiras bancas: R$ 20 o litro. A forma de venda privilegia o giro rápido e o consumo imediato.
Boa parte dos lotes que chegam às mãos dos ambulantes vem do Paraguai, com frutos maiores. Os produtores locais defendem a doçura da guavira nativa, menor e mais delicada. A seca prolongada atrasou a temporada, e a cidade sentiu a espera. Com as primeiras chuvas, as bancas ganharam força.
O vendedor que troca de estado por um mês
Renato de Menezes, 38, deixou Indianápolis (PR) para apostar na safra. Ele desembarcou na Capital decidido a estender a estadia até meados de dezembro. A meta é simples: faturar cerca de 40% a mais do que ganhava com maçã, laranja e pitaya. No primeiro dia, a banca abriu às 9h e não esfriou. A clientela não estranhou o início com frutos ainda esverdeados.
Apressados pela saudade
Sirlene Nunes, 46, dona de casa de Camapuã, costuma vir a Campo Grande toda semana. Ao ver a banca, não pensou duas vezes: estacionou e levou um litro. Para ela, guavira não precisa de açúcar, leite condensado ou creme. Vai pura. O sabor remete a momentos que a família repete ano após ano.
Memória afetiva que sustenta a tradição
Para o aposentado Marcos Antônio Guia Lopes, 68, a fruta carrega cheiros dos anos 1970, quando provou guavira em Miranda. Hoje, vivendo em Campo Grande, ele mantém um pé na chácara, mas colhe pouco e recorre às bancas. Leva o quanto a maturação permite, sempre de olho no perfume que anuncia a hora certa.
Guavira funciona como gatilho de memória. O aroma doce, quando aparece, costuma lotar as bancas no meio da temporada.
Paraguai abastece, Cerrado adoça
No Mercadão, o comerciante Paulo Maja, 41, trabalha desde 2009 e há três anos incluiu guavira no balcão. O abastecimento cruza a fronteira. No lado paraguaio, a fruta amadurece primeiro, em outubro. No lado brasileiro, o pico aparece em novembro. Neste ano, a seca retardou a chegada. Nos primeiros dias, os frutos chegam firmes; bastam algumas tardes chuvosas para o ponto ideal.
Em 2022, o Estado tentou incentivar o contato direto do público com o fruto ao plantar mudas no Parque das Nações Indígenas. As árvores não resistiram. A iniciativa expôs a necessidade de manejo, irrigação e escolha correta de espécies nativas para áreas urbanas.
Duração média da temporada: de quatro a seis semanas, variando conforme a chuva e o calor.
Férias, amizade e mudas que seguem viagem
O servidor público Fábio Campos, 44, tira férias no período para transportar e vender a fruta. Clientes aguardam por ele todo ano, num combinado que virou tradição. No mesmo corredor, a trabalhadora rural Ceneide Souza, 55, leva guavira com outra intenção: plantar no sítio em Figueirão. O pai, José França, 85, mantém o hábito de semear o que compra na cidade. A cada safra, novas mudas entram no carro, agarradas à esperança de multiplicar o Cerrado.
Quanto custa, onde achar e quando comprar
| Ponto | Preço praticado | Origem mais comum | Período de maior oferta |
|---|---|---|---|
| Entorno do Cemitério Cruzeiro | R$ 20 o litro (varia por maturação) | Paraguai e produtores regionais | Entre a 2ª e a 4ª semana de temporada |
| Mercadão Municipal | R$ 20 o litro (promoções pontuais) | Paraguai; lotes locais conforme a chuva | Meio da safra, quando os frutos adoçam |
Quem procura frutos mais doces costuma encontrar os melhores lotes após as primeiras chuvas consistentes. No começo, a casca firme e o tom esverdeado exigem paciência. Pela manhã, a rotatividade favorece a qualidade. À tarde, o preço pode cair em bancas com estoque alto.
Como consumir sem perder o ponto
- Lave com água corrente e seque delicadamente; a casca fina amassa com facilidade.
- Guarde na geladeira por até três dias; para mais tempo, congele a polpa sem sementes.
- Suco rápido: polpa batida com água gelada e um toque de limão acentua o perfume.
- Sorvete caseiro: polpa, creme de leite fresco e açúcar, batidos e maturados por 24 horas.
- Geleia: cozinhe polpa, açúcar e pectina natural da própria fruta, em fogo baixo.
- Licor: macere polpa em álcool de cereais por 30 dias e finalize com xarope simples.
A guavira oferece boa carga de vitamina C, compostos fenólicos e fibras. O teor varia por espécie e maturação. Pessoas com restrição ao açúcar devem avaliar preparos com adoçantes ou consumo in natura.
Colheita, legislação e conservação do bioma
O aumento da procura pressiona áreas nativas. A retirada predatória derruba a produtividade e compromete a regeneração. Quem colhe no campo precisa respeitar propriedades privadas e regras de unidades de conservação. Manche frutos, quebre galhos ou arranque plantas e a próxima safra sentirá o impacto.
Produtores defendem políticas públicas para mapear espécies de Campomanesia mais adaptadas ao clima, estimular viveiros credenciados e criar protocolos de manejo. A valorização como patrimônio cultural impulsiona a cadeia, mas pede contrapartidas: assistência técnica, sementes de origem conhecida e incentivos para sistemas agroflorestais que combinam guavira com nativas do Cerrado.
Como plantar em casa sem errar
- Escolha mudas de viveiros idôneos; espécies comuns na região incluem Campomanesia pubescens e C. adamantium.
- Use solo arenoso e bem drenado, com matéria orgânica; evite encharcamento.
- Sol pleno por ao menos 6 horas diárias; em áreas muito quentes, ofereça sombreamento leve na fase inicial.
- Rega frequente no primeiro ano, mantendo o substrato úmido, sem lama.
- Adubação semestral com composto orgânico e fósforo mineral favorece raízes e floração.
- Controle formigas cortadeiras desde o plantio; proteja o colo da muda com barreiras físicas.
- Tempo médio até frutificar: de 3 a 4 anos, dependendo da espécie e do manejo.
Clima na balança da safra
Secas longas adiam a maturação e reduzem o tamanho do fruto. Chuvas regulares, após setembro, aceleram o grau Brix e destacam o aroma. Em anos muito chuvosos, a casca racha com mais facilidade e a perda pós-colheita aumenta. Para o consumidor, isso muda duas decisões: quando comprar e como guardar. Para quem vende, define logística, preço e risco de descarte.
Regra prática para o consumidor: se a cidade teve uma semana com pancadas regulares, a chance de encontrar lotes mais doces sobe.
Serviço ao leitor: calendário, tradição e cuidados
A temporada costuma durar pouco e concentra eventos gastronômicos regionais. Bonito realiza um festival dedicado à fruta, com oficinas e pratos autorais. Em bairros de Campo Grande, confeitarias criam sobremesas de edição limitada. Vale acompanhar o comércio de bairro: pequenas quitandas e bancas de rua recebem lotes avulsos, muitas vezes mais maduros.
Para garantir procedência, observe limpeza da banca, acondicionamento em caixas arejadas e frutos sem aroma fermentado. Ao comprar para plantar, priorize sementes frescas ou mudas com identificação botânica. Isso reduz frustrações e preserva a diversidade do Cerrado que dá sabor à cidade quando a guavira volta às ruas.


