Enquanto servidores relatam contas acumuladas e incertezas no fim do mês, uma festa de aniversário vira motivo de disputa judicial.
Em Governador Nunes Freire, no Maranhão, a contratação de um show sertanejo de alto valor colocou a prioridade do gasto público sob os holofotes. O evento, previsto para o aniversário da cidade, foi barrado pela Justiça após apontamentos de atraso salarial e pendências com benefícios de servidores municipais.
Quando a festa encontra o contracheque
O município tem cerca de 23 mil habitantes e planejava pagar 654 mil reais por uma apresentação da dupla Maiara e Maraisa. A contratação, anunciada para um sábado festivo, virou controvérsia depois que o Ministério Público do Maranhão (MPMA) acionou a Justiça alegando desequilíbrio ético e orçamentário: não faz sentido priorizar um show enquanto folhas e direitos trabalhistas seguem em aberto.
Gastou-se tempo para organizar um evento de 654 mil reais. Faltou dinheiro — e prioridade — para honrar servidores que mantêm a cidade funcionando.
O juiz Bruno Chaves, da Vara Única de Governador Nunes Freire, concedeu tutela de urgência e determinou a suspensão do show. Na decisão, destacou que há servidores locais passando por necessidades em razão do não pagamento de proventos e benefícios legais.
O que decidiu a Justiça
A decisão liminar atendeu ao pedido do MPMA em ação contra o prefeito Luis Fernando de Castro Braga (PL). O Ministério Público argumentou que a realização da festa, diante de atrasos reiterados, afronta princípios da moralidade e da eficiência administrativa.
Os pontos que pesaram no processo
- Atrasos nas férias de agentes de saúde referentes a 2023 e 2024, segundo a ação.
- 13º salário de 2024 não quitado para parte dos servidores.
- Relatos de atraso generalizado em remunerações de outras categorias do funcionalismo municipal.
Para o magistrado, é um contrassenso jurídico direcionar centenas de milhares de reais a um evento enquanto a administração não cumpre obrigações básicas de pessoal.
Quem está no centro da controvérsia
De um lado, a prefeitura, responsável pela contratação e pela execução orçamentária. Do outro, o Ministério Público, que atuou para proteger o direito dos servidores e a moralidade na gestão. A decisão coube ao juiz Bruno Chaves, que avaliou o risco e a urgência do caso.
A dupla musical, apontada no contrato, não é parte nas discussões jurídicas sobre prioridades de gasto. O foco recai sobre a oportunidade da despesa e o cumprimento das obrigações trabalhistas do município.
O caso em números
| População estimada | 23 mil habitantes |
| Valor da contratação | 654 mil reais |
| Data prevista do show | Aniversário da cidade, em um sábado |
| Órgão que acionou a Justiça | Ministério Público do Maranhão (MPMA) |
| Magistrado que assinou a decisão | Juiz Bruno Chaves |
| Gestor acionado | Prefeito Luis Fernando de Castro Braga (PL) |
Por que o valor assusta no orçamento local
Em cidades pequenas, uma despesa única de 654 mil reais tem peso considerável. Em termos práticos, a cifra equivale a cerca de 460 salários mínimos atuais. Para uma prefeitura que admite dificuldade em pagar salários, um gasto desse porte pressiona ainda mais o caixa e amplia a sensação de desalinho com o que a população espera.
Além do impacto financeiro, a mensagem política conta. Quando o servidor não recebe em dia, a confiança nas decisões da gestão se deteriora. Esse desgaste costuma se refletir em serviços básicos, já fragilizados por falta de equipes completas, de combustível para transporte e de insumos em escolas e unidades de saúde.
O que diz a lei sobre contratar shows
As regras para contratar artistas
A legislação de compras públicas permite a contratação direta de artistas por inexigibilidade quando há empresário exclusivo e justificativa de preço. Mesmo nesse cenário, a prefeitura precisa comprovar que o gasto se encaixa no planejamento, cabe no orçamento e respeita prioridades sociais já assumidas no Plano Plurianual e na Lei Orçamentária.
Outra exigência é a cautela com as chamadas despesas de caráter não continuado: eventos pontuais não podem comprometer a capacidade do município de honrar salários, pagamentos a fornecedores essenciais e serviços de saúde, educação e limpeza urbana.
O que pode acontecer a partir de agora
A prefeitura pode recorrer da decisão, apresentar um plano para quitar pendências ou tentar renegociar valores e calendário do evento. Se comprovar a regularização dos pagamentos de pessoal e a compatibilidade orçamentária, o município pode tentar retomar a celebração em outra data. Sem esse passo, o risco é transformar um dia festivo em um novo desgaste público.
E para você, morador, como acompanhar
- Consulte o portal da transparência para verificar contratos, notas de empenho e pagamentos de pessoal.
- Registre manifestações na ouvidoria municipal quando houver atraso de salários ou benefícios.
- Encaminhe denúncias ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado com documentos e datas.
- Use a Lei de Acesso à Informação para solicitar cópia do contrato do show, justificativas de preço e fontes de recursos.
Prioridade orçamentária na prática
Gestões locais que lidam com queda de arrecadação costumam reescalonar despesas discricionárias. Eventos de grande porte entram na fila junto com reformas não urgentes e patrocínios. A regra de bolso é simples: primeiro, pessoal e serviços essenciais; depois, festividades. Ao alinhar o calendário cultural à realidade das contas, o poder público preserva tanto a festa quanto a credibilidade.
Como evitar novos impasses
Planejamento com antecedência, consulta pública e transparência ajudam a evitar colisões. Uma alternativa é fracionar o calendário festivo, misturando atrações de artistas regionais e ações comunitárias, o que reduz custo e amplia participação local. Outra frente é amarrar a realização do evento a metas objetivas, como quitar folhas e benefícios atrasados antes de assinar contratos de alto valor.
Para cidades do porte de Governador Nunes Freire, dar previsibilidade ao servidor e regularidade aos serviços públicos tende a render mais que um único espetáculo caro. Atrações culturais seguem bem-vindas, desde que caibam no bolso e no momento certo do orçamento.


