Um polo agrícola mineiro vê novas oportunidades. Resíduos ganham valor, produtores se organizam e a pauta climática vira negócio local.
Paraguaçu, no Sul de Minas, recebeu a primeira planta da NetZero dedicada à produção de biochar no estado, com aporte de R$ 25 milhões. O projeto mira resíduos agrícolas da região e promete ganhos de produtividade no campo, além de receita com créditos de carbono para quem aderir à tecnologia.
Por que Paraguaçu e por que agora
A cidade está no raio de uma das maiores regiões cafeeiras do país e próxima de áreas com milho, eucalipto e cana. Essa oferta de biomassa reduz custos logísticos e garante matéria-prima para a pirólise, processo que transforma resíduos em biochar.
Empresas e produtores buscam práticas de baixo carbono. O avanço do mercado voluntário de créditos e a necessidade de resiliência diante do clima seco dão tração a iniciativas que unem agricultura e tecnologia limpa.
Investimento de R$ 25 milhões inaugura um novo ciclo: transformar resíduos locais em biochar, gerar energia e emitir créditos de carbono.
O que é biochar e como ele pode ajudar o produtor
Biochar é um material carbonáceo obtido pela pirólise de resíduos orgânicos sob baixa presença de oxigênio. Ele concentra carbono de forma estável e, aplicado ao solo, melhora atributos físicos e químicos.
- Maior retenção de água, útil em períodos de estiagem.
- Incremento de CTC e melhor aproveitamento de fertilizantes.
- Ambiente favorável à microbiota e às raízes finas.
- Possibilidade de reduzir a dose de adubo mineral ao longo dos ciclos.
- Potencial de gerar créditos de carbono quando há medição, reporte e verificação (MRV).
O material funciona como “sponge” de nutrientes e água. Em solos ácidos, pode auxiliar no ajuste de pH quando combinado a práticas de calagem e adubação orgânica. Em sistemas perenes como o café, os efeitos costumam aparecer de forma gradual, à medida que o biochar se integra ao perfil.
Como a planta vai operar e o que muda na prática
A unidade de Paraguaçu trabalha com pirólise controlada. A biomassa entra seca, passa por aquecimento e se decompõe, gerando três correntes: biochar, gases e óleos pirolíticos. A usina usa parte desses gases para energia térmica, fechando o ciclo e reduzindo custos.
O desenho operacional prioriza segurança de suprimento de biomassa, padrão de qualidade do biochar e contratos de longo prazo com produtores da região.
Encadeamentos econômicos locais
A operação cria vagas diretas na indústria e demanda indireta em coleta, secagem e transporte de resíduos. Cooperativas conseguem negociar volumes maiores, e propriedades menores ganham mercado para subprodutos antes subutilizados, como cascas e palhas.
| Resíduo | Origem regional | Destino na planta | Ganho esperado |
|---|---|---|---|
| Casca e pergaminho do café | Beneficiamento de grãos | Pirólise para biochar | Volta à lavoura como condicionador de solo |
| Palhada de milho e sorgo | Áreas de grãos safrinha | Mistura de biomassa | Melhora da estrutura do solo e retenção hídrica |
| Cavaco de eucalipto | Silvicultura local | Lastro energético | Estabilidade da pirólise e padrão do produto |
| Subprodutos da cana | Usinas próximas | Complemento de feedstock | Diversificação de fontes e contratos |
Quanto você pode ganhar: um exemplo possível
Para um cafeicultor com 10 hectares, a estratégia pode combinar custo e retorno. A conta abaixo ilustra cenários hipotéticos que produtores costumam avaliar. Os valores variam conforme tipo de biochar, transporte e certificação.
- Aplicação: 5 a 10 toneladas de biochar por hectare no plantio ou em renovações.
- Custo de logística: menor para quem está até 100 km da planta.
- Ganhos agronômicos: menos perdas por seca moderada e melhor resposta a adubos.
- Créditos de carbono: potencial de receita adicional quando o projeto é elegível e verificado.
Produtores podem optar por contratos que preveem desconto no biochar em troca da cessão parcial de créditos ou manter a titularidade climática e vender os créditos diretamente. A escolha depende do apetite a risco, volume e prazo.
Mercado de carbono: como participar sem dor de cabeça
Projetos com biochar entram no mercado voluntário. Para gerar créditos, é preciso comprovar a permanência do carbono no solo e a rastreabilidade da biomassa. Isso exige MRV, com dados de origem do resíduo, processamentos e resultados de laboratório.
Sem medição séria, não há crédito confiável. O produtor que documenta bem tende a capturar maior valor no mercado.
Checklist para o produtor
- Registrar origem e volume dos resíduos enviados ou adquiridos.
- Solicitar laudos do biochar: teor de carbono, pH, condutividade, metais.
- Planejar a aplicação por talhão e manter mapas de taxa fixa ou variável.
- Coletar amostras de solo antes e depois para acompanhar indicadores.
- Definir quem fica com os créditos: fazenda, cooperativa ou indústria.
Riscos e como reduzir
Abastecimento: safras fracas e clima podem reduzir resíduos. Contratos com mais de uma fonte diminuem o risco de parada.
Qualidade: biochar muda conforme a biomassa e a temperatura da pirólise. Padrões técnicos e laudos de cada lote evitam surpresas.
Logística: frete pesa. Agrupar cargas por cooperativa e planejar janelas de coleta reduz custos.
Mercado de créditos: preços oscilam. Travar parte dos volumes em contratos de médio prazo dá previsibilidade.
Efeitos esperados para a região
O projeto tende a encurtar a distância entre o resíduo e o valor agregado. Paraguaçu pode ganhar um arranjo produtivo que transforma subprodutos agrícolas em insumos de alta utilidade, além de oportunidades para transportadoras, laboratórios e serviços técnicos.
Para o município, a arrecadação se diversifica e os empregos se adensam. Para quem produz, a tecnologia vira ferramenta contra a estiagem e para reduzir a dependência de insumos importados.
Como começar na sua propriedade
Faça um diagnóstico do solo. Defina talhões pilotos onde o retorno é mais rápido, como áreas novas ou de baixa fertilidade. Ajuste a dose de biochar ao objetivo: estrutura, água ou fertilidade. Combine com matéria orgânica e práticas conservacionistas, como cobertura e terraceamento.
Se a meta envolver crédito de carbono, desenhe o projeto desde o início com MRV e escolha a metodologia mais adequada. Produtores menores podem aderir via cooperativas para diluir custos de verificação.
Para além do biochar: oportunidades que nascem junto
Pirólise também gera calor que pode secar grãos e reduzir perdas pós-colheita. Oficinas locais podem se especializar em secagem e condicionamento de biomassa. Universidades da região conseguem criar projetos de pesquisa para calibrar doses por cultura e tipo de solo, acelerando a adoção responsável.
Três temas merecem atenção nos próximos meses: viabilidade de rotas logísticas com a safra de café, padronização de qualidade para diferentes feedstocks e mecanismos de repartição de valor dos créditos de carbono com foco em pequenos produtores. A maturidade desses pontos vai determinar quem captura mais valor nessa nova economia do carbono que agora chega a Paraguaçu.


