O debate sobre controle do dinheiro público ganhou um novo capítulo em Brasília e promete mexer com prefeitos e gestores.
A aprovação de uma proposta de emenda à Constituição na Câmara cria barreiras à extinção de tribunais de contas. A medida reacende discussões sobre autonomia, custos e o alcance do controle externo nas três esferas de governo.
O que está em jogo
Tribunais de contas auditam gastos, julgam contas de gestores e monitoram contratos. Funcionam como braços técnicos do Legislativo em União, estados e municípios. Quando um tribunal de contas é extinto, há risco de descontinuidade de auditorias, perda de memória institucional e enfraquecimento da independência de quem fiscaliza.
A proposta aprovada na Câmara insere na Constituição uma vedação explícita: assembleias legislativas e câmaras municipais não poderão extinguir ou fundir cortes de contas por lei ordinária ou complementar. O objetivo declarado é evitar decisões políticas motivadas por retaliação após fiscalizações incômodas.
A PEC veda a extinção e a fusão de tribunais de contas e fortalece sua autonomia administrativa e orçamentária.
Como votou a Câmara e o que falta
Por se tratar de emenda constitucional, o texto passou por dois turnos de votação e exigiu apoio qualificado. Com a aprovação, a proposta segue agora ao Senado, onde também precisa de dois turnos e do apoio mínimo de três quintos dos senadores. Alterações no Senado fazem o texto voltar à Câmara; aprovação integral encerra a tramitação no Congresso.
Para virar regra, a proposta precisa de dois turnos e 3/5 dos votos no Senado. Sem isso, nada muda.
O que muda na prática
Autonomia e blindagem institucional
A vedação à extinção cria previsibilidade. Tribunais passam a trabalhar com menor risco de interrupções abruptas em sua estrutura. Isso impacta concursos, planejamento de auditorias e modernização de sistemas. A medida tende a reduzir pressões políticas locais sobre o desenho dessas instituições.
O texto reforça a autonomia administrativa e financeira. Na prática, orçamentos e estruturas deixam de oscilar ao sabor de disputas locais. A estabilidade institucional favorece auditorias plurianuais e o uso consistente de inteligência de dados para rastrear fraudes e sobrepreços.
Impacto para estados e municípios
Estados que mantêm cortes específicas para municípios, como conselhos ou tribunais municipais de contas, deixam de poder extingui-las por decisão legislativa simples. Municípios com tribunais próprios ficam protegidos de mudanças repentinas. Onde não há tribunal municipal, a fiscalização permanece sob o tribunal estadual, sem alteração de competência.
Prefeitos e presidentes de câmaras municipais passam a lidar com órgãos de controle cuja existência não pode mais ser questionada por reestruturações locais. Isso dá segurança jurídica a processos em curso, sanções e recomendações técnicas.
Argumentos a favor e críticas
- Defesa do controle: estabilidade institucional favorece o combate a desperdício e corrupção.
- Previsibilidade: evita que cortes de contas sejam alvo de retaliação após decisões técnicas.
- Padronização: reduz variações locais na estrutura de controle externo, o que melhora a coordenação.
- Custo e eficiência: críticos alegam que a blindagem pode preservar estruturas caras e pouco produtivas.
- Autonomia federativa: questiona-se se a União deve engessar a organização do controle nos estados.
- Ajustes necessários: opositores defendem que fusões ou reestruturações podem ser úteis em cenários de crise fiscal.
O papel dos tribunais de contas
As cortes analisam licitações, contratos, obras, folha de pagamento e concessões. Emitem parecer prévio sobre contas anuais, julgam responsáveis por irregularidades e aplicam multas. Também definem medidas de correção, como devolução de valores e aprimoramentos de governança. O trabalho técnico alimenta investigações, ajusta políticas públicas e evita perdas bilionárias.
| Como é hoje | Com a PEC aprovada na Câmara |
| Assembleias e câmaras podem redesenhar ou extinguir tribunais por lei local. | Veda-se extinguir ou fundir tribunais de contas por decisão local. |
| Autonomia administrativa e orçamentária sujeita a pressões regionais. | Autonomia reforçada, com foco na continuidade das auditorias. |
| Risco de descontinuidade após mudanças políticas. | Previsibilidade institucional para planos plurianuais de fiscalização. |
Próximos passos e prazos
O Senado define relatoria e calendário. O texto pode avançar rapidamente se houver acordo de lideranças. Sem consenso, audiências públicas e emendas podem alongar o cronograma. Caso os senadores aprovem sem mudanças, a emenda será promulgada. Se alterarem o conteúdo, retorna à Câmara para nova deliberação.
Há espaço para judicialização. A discussão pode alcançar o Supremo em temas como alcance da vedação, regras de transição e compatibilidade com a autonomia dos entes federativos.
Perguntas que afetam você
- Cidadãos: haverá mais estabilidade nos mecanismos que fiscalizam merenda, saúde e obras do seu bairro.
- Servidores: equipes de auditoria ganham previsibilidade para concursos e capacitações de longo prazo.
- Gestores: regras de conformidade e prazos de prestação de contas tendem a ficar mais claras e estáveis.
- Empresas: licitantes convivem com padrões de controle mais uniformes entre estados e municípios.
Pontos de atenção para prefeitos e vereadores
O ambiente de fiscalização deve ficar mais exigente. Contratos emergenciais, aditivos, dispensas e pregões eletrônicos exigirão documentação impecável. Recomenda-se reforçar controles internos, ampliar segregação de funções e manter trilhas de auditoria em sistemas. Gestores precisam mapear riscos de integridade, sobretudo em obras, compras de tecnologia e saúde.
Planos de governo devem prever indicadores auditáveis e metas claras. Isso reduz disputas sobre resultados e melhora a qualidade do parecer prévio. Adoção de painéis de transparência ativa e dados abertos ajuda a antecipar questionamentos e qualificar a participação social.
Como o cidadão pode acompanhar
As cortes já disponibilizam portais com relatórios, atas de julgamento e painéis de contratos. A PEC não altera esse acesso, mas tende a fortalecer a continuidade dessas plataformas. Denúncias fundamentadas, com documentos e datas, costumam ter maior taxa de resposta. Organizações da sociedade civil podem usar essas bases para monitorar políticas e cruzar dados com portais de compras e execução orçamentária.
Riscos e oportunidades do novo arranjo
Blindar instituições de controle reduz volatilidade, mas pode cristalizar ineficiências. A qualidade do resultado dependerá de critérios de nomeação de conselheiros, metas de desempenho e governança tecnológica. Auditorias baseadas em dados, amostragem estatística e ciência forense elevam a efetividade, sobretudo em compras repetitivas e serviços continuados.
Uma saída equilibrada combina autonomia estável com avaliação de desempenho publicizada. Metas de economia gerada, tempo médio de julgamento e taxa de cumprimento de determinações ajudam a medir valor entregue. A sociedade ganha quando previsibilidade vem acompanhada de métricas claras e comparáveis entre tribunais.


