Enquanto o clima vira e o mercado aperta, famílias do Sul ajustam a rota de um cultivo delicado e valioso.
Na autoproclamada capital nacional da camomila, pequenos e médios produtores organizam um plano para aumentar a renda sem ampliar área. A prioridade recai sobre eficiência agronômica, valor agregado e negociação direta. O objetivo é ousado: dobrar a rentabilidade num horizonte curto, de olho no consumo de chás, cosméticos e fármacos à base de plantas.
Meta de rentabilidade em dois anos
O plano nasce após uma safra marcada por eventos climáticos no Sul, com ventos e chuvas acima da média e episódios de geada. Camomila não tolera solos encharcados e perde qualidade com secagem lenta. Diante desse quadro, cooperativas e famílias de Mandirituba priorizam tecnologia leve no campo, padronização pós-colheita e contratos com indústrias que pagam por rastreabilidade e qualidade sensorial.
Dobrar a rentabilidade não depende apenas de colher mais. Passa por vender melhor, reduzir perdas e transformar flor em produto com história e padrão.
Três frentes de ação
Produtividade com manejo fino
- Ajuste de densidade de plantio e escalonamento de floradas para diluir risco climático e de preço.
- Irrigação por gotejamento com sensores simples de umidade para evitar estresse hídrico e fungos.
- Bioinsumos no manejo: consórcio de Trichoderma e Bacillus para raiz mais ativa e menor pressão de doenças.
- Colheita no ponto ideal, preferencialmente no início da manhã, preservando óleos essenciais da inflorescência.
- Secagem assistida com ar quente indireto e ventilação constante para manter cor e aroma.
Valor agregado além do chá
O caminho para mais margem inclui segmentar a produção. Parte segue para o granel, que sustenta volume. O restante vira lote premium, blend com outras ervas, sachês prontos, almofadas de flores secas para aromaterapia e, quando viável, óleo essencial por destilação. Cada etapa exige padronização e rotulagem, mas amplia o tíquete médio por quilo.
| Produto | Processo-chave | Margem esperada | Risco |
|---|---|---|---|
| Flor seca a granel | Secagem uniforme e peneiração | Baixa a média | Preço sensível ao volume |
| Lote premium selecionado | Classificação por cor e aroma | Média | Reprovação por variação de padrão |
| Sachês e blends | Envase, rotulagem, boas práticas | Média a alta | Exigências sanitárias e estoque |
| Óleo essencial | Destilação e análise | Alta por lote | Investimento e rendimento variável |
Comercialização direta e contratos
Negociar com atravessador reduz risco, mas corta margem. A saída proposta combina feiras especializadas, plataformas de venda direta e contratos com indústrias de chás, cosméticos e farmácias de manipulação. Compradores exigem rastreabilidade, boas práticas e laudos. Quem entrega esses requisitos sai da disputa por preço e entra na conversa sobre qualidade.
Rastreabilidade, laudo e consistência de lote tiram o produtor da guerra do menor preço e abrem portas para contratos estáveis.
Clima, risco e resiliência no campo
Em anos com ciclones extratropicais, ventos derrubam flores e chuvas pesadas atrasam a secagem. O pacote de mitigação proposto inclui plantio em camalhões, calagem bem ajustada e cobertura morta para drenar e proteger o solo. Telados rústicos protegem áreas de mudas. O seguro rural e o zoneamento climático orientam janelas de plantio e reduzem perdas financeiras.
Qualidade que o mercado paga
A camomila de Mandirituba já entra em xícaras de todo o país. Para subir degrau, grupos locais testam protocolos simples de controle de qualidade: leitura de umidade antes do armazenamento, amostras padrão para comparação, e registro de data e hora de colheita. A padronização dá previsibilidade a quem compra e reduz devoluções. Em paralelo, cresce o interesse por certificações de produção orgânica e por selos de conformidade.
Gente, território e novas fontes de renda
Além do campo, a renda pode vir das bordas da cadeia. Apicultura integra bem com camomila, melhora polinização e gera mel diferenciado. Turismo de experiência, com visitas guiadas na florada e oficinas de secagem, cria nova vitrine e aproxima o consumidor da lavoura. Artesanato com flores secas amplia o catálogo de produtos e dá visibilidade a mulheres e jovens no negócio.
Passos práticos para começar já
- Mapear talhões e criar um caderno simples de campo com adubações, tratos e datas de colheita.
- Separar a produção em lotes por qualidade e destino, evitando misturar flores de pontos diferentes.
- Testar um lote piloto de sachês com marca própria, começando pequeno para validar embalagem e giro.
- Buscar análise de óleo essencial junto a laboratório regional e registrar rendimento por quilo de flor.
- Organizar compras coletivas de insumos para reduzir custo de embalagem, filtro e papel grau alimentício.
- Agendar visitas de compradores e preparar amostras com laudo de umidade e fotos do processo.
- Planejar rotação com aveia ou trigo para quebrar ciclo de pragas e melhorar estrutura do solo.
Camomila paga melhor quando chega ao mercado com história, padrão e prova de origem. Quem mostra isso capta mais valor.
Quanto vale dobrar a rentabilidade? Uma simulação
Considere um produtor com dois hectares. Se ele reduzir perdas na secagem, elevar a participação de lotes premium e destinar pequena fração para sachês e óleo, já desloca a média de preço por quilo. A combinação de menor descarte, padrão de cor e contratos recorrentes entrega previsibilidade de caixa. Com isso, o investimento em secadores eficientes e embalagens retorna mais rápido.
Em linha com esse cenário, a gestão financeira passa a incluir indicadores simples: custo por quilo colhido, taxa de refugo, ticket médio por canal (granel, premium, transformado) e giro de estoque. Ao registrar esses números mês a mês, o produtor identifica rapidamente gargalos e decide se expande, se ajusta mix ou se antecipa compras de insumo.
Pistas adicionais para ganhar tração
Quem mira o mercado de cosméticos deve priorizar controle de resíduos e padronização de compostos voláteis. Parcerias com universidades e laboratórios locais ajudam a medir marcadores de qualidade, como teor de apigenina e perfil aromático. Já no varejo, rótulos claros, com orientação de preparo e origem do lote, aumentam a confiança do consumidor e reduzem atendimento.
O ciclo da camomila é curto, o que facilita ajustes rápidos. Testes A/B de práticas de campo — como duas adubações foliares distintas em talhões vizinhos — trazem respostas em semanas. Repetir o que funciona, cortar o que não funciona e contar essa história na embalagem cria um círculo virtuoso. A capital da camomila tem a seu favor tradição, mão de obra familiar e logística próxima a grandes centros. Com processo e posicionamento, dobrar a rentabilidade deixa de ser promessa e vira plano em execução.


