Cartões de desconto: o STJ obriga a ANS a agir e você corre risco? 60 milhões na mira da ANS

Cartões de desconto: o STJ obriga a ANS a agir e você corre risco? 60 milhões na mira da ANS

Consultas caras, filas e promessas de economia impulsionam cartões que atraem famílias de renda C e D por todo o país.

Agora, uma decisão do STJ muda o tabuleiro e empurra a ANS para o centro desse mercado crescente. O julgamento encerrou uma disputa iniciada em 2022 e abre caminho para regras que podem mexer com preços, prazos e transparência.

O que o STJ decidiu

Em 14 de outubro, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou por unanimidade os recursos da ANS e confirmou que a agência deve regular e fiscalizar os cartões de desconto em saúde. A decisão, publicada em 5 de novembro, decorre de ação proposta pelo Ministério Público Federal em 2022, que questionou a natureza jurídica desses produtos e a ausência de fiscalização sobre a assistência suplementar.

O caso já tinha um marco: em outubro de 2023, o relator Herman Benjamin reconheceu a competência da ANS. Em novembro daquele ano, a agência apresentou embargos de declaração para pedir esclarecimentos. O novo julgamento reforçou o entendimento anterior e sinalizou que a proteção do consumidor prevalece diante das diferenças de modelo de pagamento entre planos e cartões.

O tribunal consolidou: a ANS deve estabelecer regras e fiscalizar o mercado de cartões de desconto para garantir informação adequada e proteção ao consumidor.

Por que o tribunal aproximou cartões de planos com coparticipação

Os ministros observaram que, na prática, os cartões de desconto operam com rede credenciada e ofertas de serviços de saúde com preços especiais, o que lembra a lógica de coparticipação. A corte avaliou que o detalhe de quem paga a conta — a operadora no plano, o usuário no cartão — não elimina a necessidade de tutela, já que o consumidor enfrenta os mesmos riscos de desinformação e expectativa de cobertura.

Para efeito de defesa do consumidor, a diferença no fluxo financeiro não dispensa regulação quando há intermediação de acesso a serviços médicos.

Quem ganha e quem perde com a regulação

Para consumidores, regras claras tendem a reduzir confusão entre “cartão” e “plano”. Transparência em preços, rede credenciada e limites do serviço evita frustração e desassistência. Para empresas do setor, a regulação traz custos de adequação, mas também previsibilidade, combate a práticas desleais e aumento de confiança do público. Clínicas, laboratórios e farmácias podem ganhar com contratos mais estáveis e padrões de qualidade definidos.

Do lado regulatório, a ANS enfrenta um desafio: capacidade operacional e orçamento. Internamente, fontes reconhecem déficit de pessoal. Ainda assim, o tribunal registrou que a própria agência já atua ao desaconselhar esse tipo de contratação, o que reforça a necessidade de normas formais. Especialistas do direito do consumidor defendem que o avanço regulatório diminui conflitos, já que muitos usuários confundem cartão com plano e não sabem a quem recorrer quando algo dá errado.

Planos x cartões: diferenças que você precisa ver

Aspecto Planos de saúde Cartões de desconto
Pagamento Mensalidade para operadora; cobertura definida; risco compartilhado Mensalidade/adesão; usuário paga diretamente ao prestador com desconto
Rede Credenciada sob contratos regulados e regras de cobertura Rede conveniada por acordos comerciais, sem regras setoriais específicas
Direitos Lei 9.656/98; prazos máximos de atendimento; canais de disputa Sem lei específica; normas em construção; maior incerteza em litígios
Riscos Reajustes e negativas de cobertura reguladas Confusão com plano, variação de preços, limites de uso pouco claros

Como o setor reage

Empresas do segmento pedem regulação própria, distinta dos planos de saúde, com diálogo, grupos de trabalho e análise de impacto regulatório. Argumentam que a lei atual não equipara cartões a planos e que o desenho das regras precisa preservar o modelo de preço acessível e o acesso rápido a consultas e exames.

Advogados de defesa do consumidor avaliam que o crescimento do mercado — estimado em até 60 milhões de usuários — exige um mínimo de padronização: contratos objetivos, publicidade não enganosa, clareza sobre o que está e o que não está incluído, canais de atendimento e procedimentos para reembolso e cancelamento. A leitura é que uma resolução da ANS já traria ganhos imediatos para os usuários, enquanto o Congresso pode discutir uma lei específica.

O que pode mudar na prática

A ANS tende a priorizar medidas de baixo custo e alto impacto. Veja itens que podem entrar na primeira rodada de regras:

  • Cadastro obrigatório de empresas e prestadores
  • Padrões mínimos de contrato e linguagem simples
  • Regras de publicidade e proibição de indução a erro
  • Transparência de preços, descontos, taxas e limites de uso
  • Obrigação de SAC, ouvidoria e prazos de resposta
  • Relato de indicadores de rede e disponibilidade de agenda
  • Penalidades por descumprimento e mecanismo de mediação de conflitos

Regulação própria para cartões, sem transformá-los em planos, é o caminho mais provável no curto prazo.

O que muda para você agora

Enquanto a ANS desenha as regras, o consumidor continua responsável por conferir cada detalhe antes de pagar. Leia o contrato integral. Verifique rede credenciada e valores atualizados para consultas, exames e procedimentos. Confira taxas de adesão, carências, política de cancelamento e reembolso. Guarde comprovantes e comunicações.

  • Peça a lista de clínicas e laboratórios com CNPJ e endereços
  • Exija documento com preços praticados e validade do desconto
  • Simule dois cenários: um mês com apenas consultas e outro com exames
  • Use canais de defesa do consumidor em caso de propaganda enganosa
  • Evite contratar se o material comercial sugerir “cobertura” típica de plano

Próximos passos: ANS, STF e Congresso

A agência precisa mapear o mercado, abrir consulta pública e publicar uma resolução. O setor pode levar pontos específicos ao STF, o que pode alongar prazos. Parlamentares já discutem projetos que definem de forma inequívoca o que é cartão e o que é plano, para reduzir litígios e dar segurança jurídica.

Uma agenda realista para os próximos meses inclui: diagnóstico de mercado, guia de boas práticas, regras mínimas de transparência e um “selo” de informação clara. Na sequência, podem vir exigências mais robustas, como métricas de satisfação, padrões de atendimento e multas proporcionais.

Exemplo prático: quando o desconto vale a pena

Imagine uma família de quatro pessoas que marca duas consultas básicas por mês e realiza um pacote de exames a cada trimestre. Com cartão, as consultas saem a R$ 60 e o pacote a R$ 300, além de mensalidade de R$ 30 por pessoa. Em três meses, o gasto soma R$ 1.020. Num plano ambulatorial de entrada, a mensalidade pode ficar em R$ 120 por pessoa, totalizando R$ 1.440 no trimestre, com coparticipações variáveis.

O cartão parece vantajoso quando a família usa poucos serviços e aceita pagar por procedimento. O plano ganha relevância quando há necessidade de maior frequência, cobertura mais ampla, internação ou proteção financeira contra eventos imprevisíveis. Sem regras claras, o risco maior no cartão é a surpresa com preços, indisponibilidade de agenda e ausência de garantias para procedimentos mais complexos.

Termos que você vai ver nas discussões

  • Coparticipação: percentual ou valor fixo pago pelo usuário em cada atendimento do plano.
  • Desassistência: situação em que o usuário não consegue realizar o serviço prometido.
  • Rede credenciada: lista de prestadores com acordo para atender usuários do produto.
  • Análise de impacto regulatório: estudo prévio que mede custos, benefícios e riscos de uma regra.

Consumidor informado toma decisões melhores. Regulação bem desenhada reduz fricção, previne abusos e dá previsibilidade ao mercado.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *