Uma história de rio, roça e persistência costura novas alianças no coração de Minas. A água vira causa, trabalho e caminho.
No berço do Rio São Francisco, um engenheiro ambiental transformou convicção em método. Ele uniu produtores, poder público e voluntários para proteger nascentes, conter erosões e pagar a quem conserva. O resultado aparece na paisagem, no pasto e na torneira de quem vive rio abaixo.
Quem é o guardião do rio
Filho de produtor rural de Pains, no Oeste de Minas, Dirceu de Oliveira Costa cresceu respeitando ciclo de chuva, solo e mata. Formou-se em engenharia ambiental e assumiu o papel de mobilizador social. A parceria com a esposa, Débora Emília da Silva, ampliou frentes de campo e comunicação. Eles atuam na Serra da Canastra, nas cabeceiras do Velho Chico.
O foco vai além da técnica. Dirceu visita fazendas, escolas e comunidades ribeirinhas. Conversa olho no olho. Mostra que a nascente cercada ajuda quem planta, cria, pesca e bebe da mesma bacia.
Preservar a cabeceira muda o destino da bacia. Água retida no alto chega limpa e constante para milhões de pessoas.
Raízes que puxam ação
Da lida no campo vieram soluções simples e eficazes. Cercar nascentes permite regeneração natural. Curvas de nível e barraginhas seguram enxurradas. Terraços quebram velocidade da água. Saneamento rural reduz contaminação difusa. A soma dessas práticas gera infiltração, menos assoreamento e solos mais vivos.
O modelo que paga por água cuidada
O programa de referência adotado na região trabalha com pagamento por serviços ambientais (PSA). O produtor que assina metas de conservação recebe incentivo financeiro e assistência técnica. O dinheiro não compra floresta pronta. Ele remunera o cuidado diário com água e solo.
Quando a preservação vira contrato e renda, o produtor deixa de ser visto como problema e vira protagonista da solução.
Como funciona na prática
- Diagnóstico da propriedade e mapeamento de nascentes, áreas de recarga e pontos de erosão.
- Termo de adesão com metas claras: cercamento, plantio, manejo do pasto e saneamento.
- Instalação de barraginhas, terraços e fossas biodigestoras conforme o relevo e o uso do solo.
- Pagamento por metas cumpridas e monitoramento periódico com visitas e imagens.
- Troca de conhecimento entre vizinhos para replicar o que deu certo.
| Ação | Efeito direto | Benefício para a bacia |
|---|---|---|
| Cercamento de nascentes | Regeneração da mata e menos pisoteio | Água mais limpa e vazão mais estável |
| Barraginhas e terraços | Infiltração da chuva no solo | Recarga do lençol e menor assoreamento |
| Saneamento rural | Redução de esgoto a céu aberto | Queda na poluição difusa nos cursos d’água |
| Plantio de árvores nativas | Sombra e cobertura do solo | Microclima favorável e ciclo hídrico equilibrado |
A expedição de 1.000 km que virou mapa e alerta
Entre abril de 2024 e abril de 2025, Dirceu e Débora percorreram mais de 1.000 km do São Francisco, de Minas à Bahia. O barco virou sala de aula e laboratório móvel. O casal mapeou canais, usou sonar e drones, registrou trechos críticos, conversou com ribeirinhos e coletou dados que agora orientam navegação, turismo e ações de restauração.
Tecnologia simples e bem usada revela buracos no leito, bancos de areia e pontos de risco antes invisíveis ao planejamento.
O que a jornada ensinou
- Canais alternativos garantem passagem segura em épocas de seca, se bem sinalizados.
- Trechos com desmate nas margens apresentam maior instabilidade do leito e assoreamento.
- Comunidades ribeirinhas querem participar, mas precisam de informação e materiais básicos.
Resultados que já aparecem
Nascentes cercadas voltaram a correr em propriedades que antes sofriam com lama e erosão. Pastagens ganharam vigor com manejo ajustado. Erosões perderam força com obras simples no ponto certo. As fossas biodigestoras reduziram contaminação de cursos d’água próximos às moradias.
Quando um produtor cerca sua nascente, o vizinho observa. O exemplo corta resistência e cria rede de cooperação.
Equilíbrio entre produção e floresta
Dirceu defende conciliação. Leite precisa de pasto. Madeira precisa de eucalipto. Água precisa de mata. O desenho do uso do solo ordena convívio dessas atividades. A meta é produtividade com menos perda de solo, menos sedimento no rio e mais infiltração.
Desafios no caminho
Há desconfiança e ruído. Alguns confundem técnico com fiscal. Outros temem perder área produtiva. Dirceu insiste no diálogo e na transparência dos contratos. O trabalho exige paciência, presença e capacidade de mediar conflitos.
Há risco pessoal em regiões conflagradas por grilagem ou pesca predatória. A rede de parceiros reduz vulnerabilidades e amplia legitimidade. A comunicação pública dos resultados também diminui boatos.
Onde a sociedade entra nessa história
Quem mora em cidade depende da cabeceira como quem planta milho depende da chuva. A bacia é uma só. Cada hábito, voto e compra pesa. A pressão pelo saneamento rural no orçamento municipal, a compra de alimentos de produtores que conservam e o voluntariado em mutirões fortalecem o ciclo positivo.
Passos que você pode dar agora
- Priorize produtos de originários de propriedades com práticas de conservação reconhecidas.
- Cobre PSA nos conselhos municipais de meio ambiente e comitês de bacia.
- Ajude a plantar e manter cercas vivas em mutirões locais.
- Evite descarte irregular de resíduos que acabam nos córregos urbanos.
- Participe de audiências públicas sobre saneamento e proteção de mananciais.
Termos que valem guardar
- Pagamentos por serviços ambientais (PSA): remuneração a quem conserva água, solo e vegetação, mediante metas verificáveis.
- Barraginha: microbacia escavada que segura enxurradas e aumenta infiltração.
- Terraço: estrutura em nível que desacelera a água na encosta e evita ravinas.
- Saneamento rural: soluções como fossa biodigestora e filtro para reduzir contaminação da água.
Próximos passos e oportunidades em 2025
O método testado na Serra da Canastra ganhou visibilidade e será apresentado na COP30. A vitrine internacional abre portas para novos arranjos de financiamento, inclusive com crédito de carbono hídrico e fundos de água regionais. Municípios pequenos podem aderir com consórcios intermunicipais e editais de PSA alinhados aos comitês de bacia.
Produtores interessados podem preparar a adesão com um diagnóstico simples: localizar nascentes, medir declividades mais críticas, listar pontos de escoamento de esgoto doméstico e planejar cercamentos por prioridade. Definir áreas de recarga e de produção intensiva evita conflito e acelera resultados. Uma simulação básica de custos de cercamento, barraginhas e fossas por hectare ajuda a dimensionar o contrato e dá previsibilidade à renda por conservação.


