Entre memórias de São João e novas vozes no forró, a sanfona de Dominguinhos volta a provocar arrepio coletivo.
Nas ruas, nas rádios e nos palcos intimistas, cresce um coro que pede atenção ao legado do mestre pernambucano. A agenda de tributos se expande, regravações ganham força e jovens sanfoneiros buscam nas faixas clássicas um caminho para criar.
Quem foi Dominguinhos e por que sua sanfona ainda fala
José Domingos de Morais, nascido em Garanhuns, aprendeu cedo que música também é ofício. Tocou em feiras, em bailes, em toda oportunidade que surgia. A sanfona virou extensão do corpo. Com o apadrinhamento de Luiz Gonzaga, ganhou estrada, repertório e responsabilidade: carregar adiante a batida do baião sem perder a poesia do xote e a cadência do forró.
Do mercado de Garanhuns ao palco nacional
O menino tímido virou referência entre músicos. Parceiros o buscam por respeito e por desafio artístico. Seu improviso, quase sempre sem pirotecnia, ergue narrativas inteiras com poucas notas e muita intenção. Quando a sanfona respira, a plateia acompanha o fôlego.
Tradição com pé no chão e ouvido aberto: Dominguinhos conduziu o forró ao século 21 sem romper com a memória do sertão.
Tradição que conversa com jazz e bossa
Ao misturar acentos de jazz, harmonias de bossa e a malandragem do choro, o acordeão de Dominguinhos abriu passagem para arranjos modernos. O balanço da mão esquerda sustenta o terreiro. A mão direita ornamenta com delicadeza. Nada sobra. Nada falta. Esse equilíbrio permite que “Eu Só Quero um Xodó”, “De Volta pro Aconchego” e “Lamento Sertanejo” soem familiares e, ao mesmo tempo, sempre novas.
O momento: homenagens e regravações em 2025
A temporada de finais de ano empurra o repertório de Dominguinhos para o centro das programações culturais. Coletivos, rádios, casas de show e festivais criam palcos de encontro entre veteranos e novatos. Em mesas de debate, fala-se de memória e de futuro. Em shows-tributo, surgem leituras que aproximam a sanfona de guitarras, beats e vozes femininas potentes.
Quando a plateia canta junto um refrão de xote, o país se reconhece: o afeto vira política cultural que se pratica dançando.
O que o público vai ver nas próximas semanas
- Releituras com vozes jovens do forró e da MPB, que resgatam letras afetivas sem perder o suingue.
- Arranjos com acordeon dialogando com sopros, percussões afro-brasileiras e guitarras limpas.
- Rodas de conversa sobre a trajetória do forró de raiz e sua força nas festas populares.
- Oficinas gratuitas de sanfona e zabumba em centros culturais e escolas de música.
Sete motivos concretos para voltar a ouvir Dominguinhos hoje
- Letras que curam: amor, saudade e recomeço em versos objetivos, fáceis de cantar e difíceis de esquecer.
- Ritmo que acolhe: xote e baião convidam corpos de todas as idades, sem barreira de técnica.
- Harmonia rica: acordes cheios de tensões suaves que casam com vozes masculinas e femininas.
- Improviso acessível: ideias melódicas que cabem no repertório de iniciantes e brilham com músicos avançados.
- Tradição viva: mantém símbolos do Nordeste sem folclorizar nem pasteurizar.
- Repertório transversal: cabe em palco grande, em bar pequeno, em quadrilha de rua e em playlist de trabalho.
- Ponte geracional: avós, pais e filhos compartilham as mesmas canções em climas diferentes.
Guia rápido: por onde começar
Para quem quer entrar no clima, vale uma sequência que equilibra romance, estrada e contemplação. Use fones, depois bote para tocar na sala e teste passos de xote.
- “Eu Só Quero um Xodó” — parceria com Anastácia, refrão que gruda e abre caminho para o balanço.
- “De Volta pro Aconchego” — composição com Nando Cordel imortalizada na voz de Elba Ramalho.
- “Lamento Sertanejo” — tema com Gilberto Gil, mistura de doçura e melancolia.
- “Abri a Porta” — jogo de chamada e resposta que pede sanfona conversando com a percussão.
- “Tenho Sede” — poesia direta, perfeita para coro coletivo.
Linha do tempo essencial
| Período | Marco | Por que importa |
|---|---|---|
| Anos 1950 | Apadrinhamento por Luiz Gonzaga | Cria base técnica e ética: tocar para as pessoas antes de tocar para si. |
| Anos 1970 | Canções com Anastácia, Gilberto Gil e Nando Cordel | Repertório ganha o país e rompe fronteiras regionais. |
| Anos 1980 | Popularização em rádios e grandes palcos | Forró passa a conviver com MPB nas grandes capitais. |
| Anos 2000 | Turnês e gravações com fusões cuidadosas | Renovação sem perder a espinha dorsal do baião. |
| 2013 | Despedida | Legado se consolida em homenagens, estudos e novas gravações. |
Para quem toca: lições práticas da sanfona de Dominguinhos
- Baixaria firme na mão esquerda: sustente o baião com desenho simples e regular antes de ornamentar.
- Frases curtas na mão direita: pense em fala. Dê espaço para o silêncio respirar.
- Síncope com leveza: acentue fora do tempo sem travar o corpo de quem dança.
- Dinâmica em ondas: cresça e recue como se a sanfona tivesse maré.
- Improviso melódico: comece por variações do tema, depois avance para cromatismos discretos.
- Escuta da zabumba e do triângulo: o trio dita o pulso; a sanfona não precisa ocupar tudo.
Três chaves para não errar: ouvir os mais velhos, tocar para a pista e respeitar a ousadia sem apagar a raiz.
O que está em jogo para o forró de agora
Quando o repertório de Dominguinhos volta às capas e aos palcos, nasce um debate concreto: como crescer sem virar caricatura. Programações juninas mostram um caminho possível. Mistura-se com cuidado, garante-se espaço para o trio tradicional e abre-se a roda para experimentos em horários estratégicos. O público percebe curadoria honesta e responde com presença.
Há também a pauta da formação. Projetos sociais e escolas de música ganham demanda por acordeon e percussões nordestinas. Professores relatam turmas cheias quando o repertório inclui baião e xote assinados por Dominguinhos. Isso cria cadeia produtiva: luthiers, técnicos de som, produtores e dançarinos entram no circuito.
Informações úteis para ampliar a escuta
Vale distinguir ritmos para aproveitar melhor os arranjos. No xote, o passo marcado em pares pede condução suave e refrões cantáveis. No baião, a zabumba empurra, o triângulo recorta e a sanfona precisa de articulação clara. O choro aparece como tempero de melodia sinuosa, não como centro. Esse mapa mental ajuda a montar playlists coerentes e sets com fluxo.
Quem deseja iniciar no acordeon pode testar uma rotina simples: quinze minutos diários de baixaria em duas velocidades, dez minutos de escala cantada acompanhando o metrônomo e cinco minutos dedicados a um trecho de canção de Dominguinhos. Em poucas semanas, o corpo começa a sentir o balanço, e a mão direita ganha clareza.
A força de Dominguinhos não mora no volume, mas no convite. A sanfona chama, o povo responde. E a história segue.


