Quando a hierarquia cede à conveniência, a conta sobra para o contribuinte. Um caso em Mato Grosso reacende sinais de alerta.
A Justiça Federal condenou o ex-comandante do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Barra do Garças, a 516 km de Cuiabá, por improbidade administrativa. A decisão se baseou em ações atribuídas ao oficial entre 2018 e 2019, período em que chefiou a unidade da Força Aérea Brasileira (FAB) no município.
O que diz a sentença
O juiz reconheceu violação aos princípios da administração pública e responsabilizou o militar por causar prejuízo financeiro e obter vantagem indevida. A decisão cita uso de subordinados em tarefas privadas e o aproveitamento de bens públicos para fins pessoais.
O caso foi qualificado como dano ao erário e enriquecimento ilícito, com atos praticados durante o comando da unidade entre 2018 e 2019.
Segundo os autos, as práticas irregulares envolveram situações corriqueiras, mas repetidas, que pesaram no cálculo de danos. O magistrado fixou valores, impôs restrições e determinou a perda de bens associados ao ganho ilícito.
| Sanção | Valor/descrição | Observação |
|---|---|---|
| Ressarcimento ao erário | R$ 15.500,00 | Corrigido e com juros |
| Perda de bens | R$ 2.000,00 | Bens vinculados ao ganho indevido |
| Multa civil | R$ 17.500,00 | Equivalente ao total do dano e do enriquecimento |
| Restrições administrativas | 6 anos | Proibição de contratar com o poder público ou receber incentivos |
O réu está reformado desde 2021, o que impediu a perda do cargo como efeito da condenação. A defesa pode recorrer.
Como funcionava o esquema, segundo o MPF
A investigação do Ministério Público Federal reuniu relatórios, notas fiscais e depoimentos para descrever o modo de atuação. O órgão apontou a apropriação de mão de obra, desvios de materiais e uso irregular de viaturas.
- Emprego de militares subordinados em tarefas particulares, como corte de grama e manutenção de calhas.
- Reforma de embarcação de uso pessoal com auxílio de subordinados.
- Serviços em sua própria residência durante o expediente.
- Desvio e uso de bens institucionais, como galões de água, produtos de limpeza e eletrodomésticos, em casas particulares.
- Lavagem de carro e motocicleta de uso privado por subordinados.
- Utilização de viaturas oficiais para deslocamentos pessoais, inclusive até a residência da namorada.
- Transporte de café do Cindacta, em Brasília, com cobrança de “cota” de subordinados para custear a aquisição.
Relatos dão conta da cobrança sistemática de uma “cota de café” e do uso de viaturas oficiais para fins alheios ao serviço.
Período e local
Os fatos ocorreram entre 2018 e 2019, quando o oficial comandou o Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Barra do Garças. A cidade fica a 516 km de Cuiabá e abriga uma unidade estratégica da FAB para vigilância e tráfego aéreo na região.
Impactos e próximos passos
A condenação atinge a esfera cível por improbidade. O réu permanece reformado, sem perda de posto, mas terá de cumprir as sanções patrimoniais e restritivas após o trânsito em julgado. A decisão veda relações contratuais com o poder público por seis anos, o que limita atividades empresariais e o acesso a incentivos fiscais e creditícios.
O processo deixa lições para gestores e servidores: o uso de recursos humanos, materiais e logísticos do Estado para fins particulares desencadeia responsabilidade pessoal. Pequenas práticas, se repetidas, produzem vetores de dano comprováveis por notas, relatórios e testemunhos.
Benefícios privados com estrutura pública violam legalidade, impessoalidade e moralidade, pilares do artigo 37 da Constituição.
Improbidade administrativa: o que é e o que mudou na lei
A improbidade administrativa é uma infração cível que pune agentes públicos e terceiros que causem dano ao erário, violem princípios da administração ou obtenham vantagem ilícita. A Lei 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade, passou por reformas em 2021 (Lei 14.230), que ajustaram conceitos, prazos e a necessidade de comprovar dolo em diversas hipóteses.
O conjunto de sanções pode incluir perda de bens, ressarcimento, multa, suspensão de direitos políticos, perda da função pública e proibição de contratar com o poder público. O juiz aplica as penas de forma proporcional à gravidade, ao dano e ao grau de reprovabilidade da conduta.
Como o cidadão pode agir
Quem presencia irregularidades pode registrar denúncia nos canais de ouvidoria de órgãos federais, estaduais e municipais. Também é possível acionar o MPF e os Ministérios Públicos estaduais. Relatos documentados, com datas, locais, nomes e material comprobatório, facilitam a apuração. Proteções ao denunciante, quando disponíveis, reduzem o risco de retaliação e estimulam o relato responsável.
Bastidores da caserna e cultura organizacional
Quartéis lidam com disciplina rígida, logística complexa e materiais de alto valor. Essa rotina exige controles internos ativos e supervisão externa independente. Programas de integridade, rodízio de funções, trilhas de auditoria e canais anônimos de relato ajudam a identificar desvios que se escondem em tarefas do dia a dia.
O caso de Barra do Garças evidencia um ponto sensível: ordens hierárquicas podem constranger subordinados a executar serviços privados. Treinamentos periódicos, protocolos claros para uso de viaturas e materiais e validação documental de demandas internas reduzem brechas para abusos de autoridade.
Riscos por trás de pequenas irregularidades
Práticas consideradas “de pouca monta”, como levar um produto de consumo para casa ou usar um veículo oficial em um trajeto curto, criam um efeito cascata. A repetição gera um somatório mensurável de prejuízos, com rastros financeiros e testemunhais. A responsabilização, quando chega, inclui valores atualizados, multas e restrições contratuais que afetam a vida civil do agente.
Para o leitor, fica um alerta prático: atos cotidianos no serviço público precisam de justificativa formal, autorização documentada e aderência a normas. Guardar comprovantes, recusar ordens manifestamente irregulares e comunicar desvios aos canais apropriados protege o servidor e o patrimônio coletivo.


