Uma nova série reacende memórias incômodas e provoca debates sobre fé, culpa e arte. O que você faria no lugar dele?
Em Tremembé, produção do Prime Video, Felipe Simas assume um personagem que já faz parte do imaginário do país: Daniel Cravinhos, ligado ao caso Richthofen. Ao falar do processo, o ator colocou a própria fé sob escrutínio e abriu espaço para um questionamento que atravessa quem assiste.
O papel que mexe com a memória do país
A trama recria encontros e tensões dentro da penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, conhecida por abrigar detentos de casos que tomaram as manchetes. No elenco, Marina Ruy Barbosa vive Suzane von Richthofen e Kelner Macêdo interpreta Cristian Cravinhos, irmão de Daniel. O foco não está na reconstituição do crime, mas na convivência, nas culpas que persistem e nos acordos que se formam atrás das grades.
O interesse da série nasce do choque entre passado e presente: como conviver com uma biografia marcada pelo irreparável?
Fé, criação e limites pessoais
Evangélico, Felipe Simas contou que precisou recalibrar sua relação com a religiosidade para dar vida ao personagem. Ele não buscou um retrato literal, já que há poucas imagens públicas de Daniel, e centrou o trabalho em leituras e em uma investigação interna sobre culpa, punição e perdão.
Do texto à experiência
Sem a muleta de registros audiovisuais, a preparação se apoiou em roteiro, discussões de sala e referências literárias, como O Último Dia de um Condenado à Morte. A obra serviu para pensar o cotidiano de um encarcerado e os efeitos de longos anos de privação, mais do que para discutir a pena capital.
A pergunta que guiou a criação: como representar alguém que busca amor, perdão e arrependimento sem apagar o crime cometido?
Quando a religiosidade vira trava
O ator reconheceu que já cogitou desistir de trabalhos ao se perceber “religioso demais” no sentido dogmático. Ao revisitar esse conflito, ele afirma ter encontrado equilíbrio entre fé, valores pessoais e a liberdade artística exigida por um papel que exige zonas cinzentas, não certezas.
Quem é Daniel Cravinhos no caso real
Daniel ficou conhecido por seu envolvimento no assassinato dos pais de Suzane von Richthofen, em 2002, crime que chocou o país. Ele e o irmão, Cristian, foram julgados e condenados. Ao longo dos anos, cumpriram pena no sistema prisional paulista e progrediram de regime conforme decisões judiciais. Hoje, o nome dele ressurgiu no debate público devido à série, reacendendo discussões sobre justiça, arrependimento e reinserção.
- O caso aconteceu em 2002 e envolveu Suzane, então namorada de Daniel, e Cristian.
- As condenações foram decididas pelo Tribunal do Júri, com penas longas e progressão conforme a lei.
- O debate sobre arrependimento e perdão acompanha o trio até hoje.
- Tremembé se tornou sinônimo de casos midiáticos e de disputas sobre tratamento penal.
O que Tremembé quer provocar no público
A série adota o ponto de vista do convívio carcerário e das tensões psicológicas entre personagens que precisam negociar regras de sobrevivência, favores e silêncio. Ao humanizar conflitos, a obra não absolve; propõe enxergar a complexidade de quem carrega culpas públicas e privadas.
A produção mira o atrito entre culpa e sobrevivência: não é sobre glorificar, mas sobre encarar contradições.
Seis decisões de bastidores que moldam a atuação de Felipe Simas
- Poucas imagens de arquivo do personagem real exigiram construção de gestos e pausas próprias.
- Roteiro com margem para assinatura do elenco, sem reconstituições documentais rígidas.
- Referência literária focada no cotidiano do preso, e não no crime em si.
- Trabalho vocal contido, para transmitir cálculo e culpa sem explosões caricatas.
- Relações em cena com Marina Ruy Barbosa e Kelner Macêdo pensadas como arenas de poder.
- Ambientação que replica a lógica do presídio: ruído constante, vigilância e pouca privacidade.
Como a fé entra em cena sem virar sermão
O relato de Simas propõe diferenciar espiritualidade de religiosidade normativa. A primeira acolhe contradições, a segunda pode virar régua de censura. Para interpretar alguém marcado por um crime, o ator buscou um olhar que reconhece a possibilidade de remorso e desejo de reparo, sem negar o dano causado.
| Dimensão | Risco no set | Saída encontrada |
|---|---|---|
| Religiosidade rígida | Autocensura e papel “higienizado” | Equilíbrio entre fé pessoal e verdade dramática |
| Fidelidade histórica | Imitação sem densidade | Composição a partir de gestos, silêncio e contexto |
| Memória coletiva | Glamourização do crime | Foco nas consequências e no convívio prisional |
Marina Ruy Barbosa e Kelner Macêdo: contracena e fricção
A construção das cenas com Marina e Kelner acentua hierarquias emocionais. Com Marina, a tensão é de passado incontornável, quase sempre atravessada por frieza e cálculo. Com Kelner, a parceria precisa parecer familiar e perigosa ao mesmo tempo, como ocorre entre irmãos que compartilham um segredo irreparável.
Para assistir com senso crítico
O espectador pode se perguntar: que mecanismos de arrependimento e reinserção existem na prática? Há programas eficazes de educação, trabalho e saúde mental dentro do sistema prisional? A série fornece gatilhos para essas questões, que extrapolam o caso e tocam na política pública.
Assistir à obra com empatia pelas vítimas e atenção às políticas penais amplia a discussão para além do entretenimento.
Informações úteis para ampliar o debate
Três eixos ajudam a organizar a conversa em casa: justiça, responsabilidade e transformação. Justiça diz respeito à punição e ao devido processo. Responsabilidade mira como cada personagem lida com a culpa no presente. Transformação pergunta se é possível ressignificar trajetórias após o cárcere.
Para quem deseja comparar ficção e realidade sem cair em simplificações, vale acompanhar dados sobre reincidência criminal, programas de trabalho intramuros e prazos médios de progressão de regime. Esses elementos ajudam a medir onde a dramaturgia comprime tempo ou intensifica conflitos para gerar impacto, algo esperado no formato seriado, mas que ganha potência quando o público entende as camadas por trás do drama.


