Florianópolis pode ter APPs de 26% para 66%: o que isso muda no seu bairro e no seu bolso agora?

Florianópolis pode ter APPs de 26% para 66%: o que isso muda no seu bairro e no seu bolso agora?

Um julgamento em Brasília acendeu um sinal amarelo em Florianópolis, dividindo opiniões entre conservação costeira e crescimento urbano ordenado responsável.

Moradores, investidores e gestores públicos aguardam uma definição que pode alterar regras de ocupação em faixa litorânea e morros. O debate reacende disputas antigas sobre onde construir, como preservar e quem arca com o custo das mudanças.

O que está em jogo

Na próxima terça-feira (11), a corte superior que uniformiza a interpretação da lei federal julga um processo sobre a classificação das restingas em Florianópolis. Se os magistrados considerarem que toda área com vegetação de restinga deve ser tratada como Área de Preservação Permanente (APP), o território preservado pode saltar de 26% para 66% do município.

O caso nasceu em 2012, com uma ação do Ministério Público catarinense contra o órgão ambiental estadual. Além de redesenhar licenças futuras na capital, um entendimento amplo para as restingas pode se irradiar para outras cidades costeiras do país, estabelecendo um novo padrão de proteção.

Uma virada para 66% de áreas protegidas mudaria licenciamento, valor do solo e planos de obras em boa parte da ilha.

Como a lei trata as restingas hoje

O Código Florestal define APPs pela função ambiental: proteger cursos d’água, encostas, manguezais e dunas, entre outras situações. Restingas que fixam dunas e estabilizam margens de mangue já se enquadram como APP. Outras formações de restinga, quando não cumprem essa função, encontram amparo na Lei da Mata Atlântica, que regula supressão, recuperação e uso sustentável, exigindo estudos e contrapartidas.

O julgamento tenta responder a uma pergunta sensível: a proteção deve se estender automaticamente a toda restinga, ou somente às faixas com função ecológica definida? A resposta apontará a linha entre uso restrito, uso condicionado e vedação total de ocupação.

Mercado imobiliário em alerta com a possível ampliação

Entidades do setor, como Creci-SC e Secovi-SC, temem uma onda de insegurança jurídica. O receio é de que imóveis com cadastros antigos, licenciamentos em andamento e áreas urbanizadas há décadas passem a enfrentar restrições súbitas, disputas judiciais e perda de valor.

Representantes do setor defendem soluções de transição, com regras claras, mapeamento oficial atualizado e exigências proporcionais ao risco ambiental real de cada área. Apontam que a cidade já carrega um mosaico de zonas protegidas e que novas travas generalizadas poderiam estimular ocupações irregulares e encarecer a moradia.

Regra nova no meio do jogo pode atingir financiamento, alvarás, regularização fundiária e cronogramas de empreendimentos.

O argumento ambiental e a função das restingas

O Ministério Público defende proteção específica para as restingas como forma de resguardar biodiversidade, corredores ecológicos e serviços ambientais fundamentais. Essas faixas vegetadas filtram sedimentos, reduzem erosão, protegem dunas e servem de abrigo para espécies ameaçadas. Em uma cidade costeira, funcionam como barreiras naturais contra salinização do solo, ventos fortes e eventos extremos.

A proposta busca que licenças e fiscalizações avaliem não só a área, mas a flora existente em cada ponto. Na prática, a vegetação passaria a orientar o que fazer, onde e quando, reduzindo cortes indevidos e mudanças de uso inadequadas.

Quem sente no dia a dia

  • Moradores de bairros costeiros: podem enfrentar limites para reformas, ampliações e regularizações.
  • Pequenos proprietários: tendem a ver maior exigência de estudos, o que encarece projetos.
  • Construtoras e incorporadoras: revisam landbank, cronogramas e custo de capital.
  • Prefeitura: reprograma o Plano Diretor, atualiza mapeamentos e reforça fiscalização.
  • Turismo e serviços: podem se beneficiar de paisagens mais preservadas, mas com obras mais lentas.

Possíveis efeitos sobre preços e lançamentos

Se a mudança ampliar áreas intocáveis, o estoque de terrenos aptos a receber construções encolhe. A tendência seria de aumento do valor do solo em zonas já urbanizadas, maior disputa por retrofit e adensamento em eixos com infraestrutura. Imóveis antigos, regularizados e bem localizados podem ganhar liquidez. Por outro lado, projetos em estudo podem ser redimensionados, segmentados ou migrar para municípios vizinhos.

Cenário Percentual protegido Licenciamento Tendência de preço do solo
Regras atuais 26% Critérios por função ambiental Estável a moderada alta
Regras ampliadas 66% Alcance maior sobre restingas Pressão de alta em áreas urbanas consolidadas

O que você pode fazer agora

Quem possui terreno ou imóvel em área próxima de dunas, mangues ou faixas arenosas deve checar laudos e mapas oficiais. Um cadastro atualizado da vegetação, com georreferenciamento, ajuda a comprovar condições do lote. Arquivos de licenças já emitidas, licenças prévias e autorizações de supressão, quando existentes, precisam estar organizados.

Para reformas e novas obras, vale consultar um engenheiro ambiental ou biólogo para verificar a presença de restinga e o enquadramento legal. Em caso de decisão restritiva, empreendimentos com licenças consolidadas tendem a preservar direitos, enquanto pedidos novos podem ter exigências diferentes.

Como conciliar desenvolvimento e proteção

Especialistas citam caminhos para reduzir conflito: mapeamento municipal detalhado das restingas, zonas de amortecimento com parâmetros sob medida, compensação ambiental efetiva e exigência de soluções de baixo impacto, como drenagem sustentável e tratamento avançado de efluentes.

Instrumentos urbanísticos podem aliviar a pressão sobre áreas frágeis: transferência do direito de construir, outorga onerosa com destinação a parques e recuperação de áreas degradadas, além de parcerias para ampliar saneamento e contenção de erosão costeira.

Previsibilidade, mapas oficiais atualizados e regras de transição claras reduzem litígios e dão fôlego ao planejamento urbano.

Perguntas que o morador deve levar ao balcão de licenciamento

  • Meu lote tem restinga mapeada ou função de fixação de duna?
  • Existe licença prévia ou autorização ambiental válida no processo?
  • Qual plano de compensação será exigido para supressão controlada, se aplicável?
  • Há alternativas de implantação que preservem a vegetação e permitam o uso do imóvel?
  • Qual o prazo estimado para análise, considerando eventual mudança de entendimento?

Contexto ampliado para a decisão

A capital catarinense já convive com fortes restrições em encostas, margens de cursos d’água e áreas de risco. Somar novas camadas de proteção exige revisar rotas de transporte, drenagem, abastecimento e habitação popular. A cidade precisará reforçar políticas de moradia perto de emprego e transporte, para evitar que famílias migrem para zonas irregulares e distantes.

Restinga, por sua vez, não se resume a “mato de praia”. Trata-se de um conjunto de espécies adaptadas a solos arenosos e salinos, que sustenta a dinâmica de dunas e protege lençóis freáticos. Eliminar faixas de restinga enfraquece a barreira natural contra ressacas e acelera a erosão, com impactos que podem custar mais caro do que ajustes de projeto e compensações.

Dica prática para proprietários e investidores

Faça uma simulação simples: considere uma área de 1.000 m² com custo de obra de R$ 4.500/m². Se parâmetros urbanísticos diminuírem 20% de área edificável, o VGV cai na mesma proporção. Para preservar a viabilidade, avalie adensar em altura, adotar fundações de baixo impacto e soluções de reuso de água que ajudem a compensar a restrição. Em muitos casos, um projeto com menor pegada ambiental atrai financiamento verde e melhora a percepção de valor do produto final.

Para quem busca moradia, verificar a regularidade documental, a presença de restinga e o histórico de licenças ajuda a evitar surpresas. Imóveis com entorno preservado tendem a manter qualidade ambiental e liquidez no longo prazo, desde que a infraestrutura acompanhe.

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