Uma fronteira antiga volta ao centro do mapa. Moradores veem placas novas, serviços duplicados e dúvidas sobre a quem recorrer.
Goiás levou ao STF uma ação que acusa Tocantins de ocupar área de Cavalcante, atribuída a um erro cartográfico de 1977. No foco, uma porção do Quilombo Kalunga dos Morros, com cerca de 129 km², onde um portal turístico, censos e oferta de serviços expõem uma disputa de divisas.
Limites contestados no nordeste goiano
A Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) protocolou uma ação cível originária na segunda-feira (3), em Brasília, para que o Supremo Tribunal Federal defina a linha divisória entre os estados. O documento sustenta que Tocantins passou a atuar sobre território goiano por causa de um equívoco de toponímia em uma carta topográfica de 1977, conhecida como Carta São José, produzida pela Diretoria de Serviço Geográfico do Exército.
Segundo Goiás, o traçado teria confundido o Ribeirão Ouro Fino com o Rio da Prata na descrição da divisa. A diferença deslocaria a fronteira natural e incluiria, do lado tocantinense, uma área que Goiás considera parte de Cavalcante.
O litígio envolve área quilombola e turística, com cachoeiras, estradas vicinais e comunidades tradicionais no entorno de Cavalcante.
O que pede o governo de Goiás
Goiás afirma que Tocantins instalou um portal turístico em 2025, prestou serviços públicos e passou a atender moradores. Alega que isso gerou confusão administrativa, perda de arrecadação e apontamentos censitários equivocados.
- Tutela de urgência para que Tocantins suspenda serviços públicos na área disputada.
- Retirada do portal turístico até decisão final do STF.
- Proibição temporária de obras e novos empreendimentos no trecho contestado.
- Fixação judicial dos limites naturais pela calha do Ribeirão Ouro Fino até o Rio da Prata.
- Desocupação administrativa da área, caso a linha de divisa favoreça Goiás.
Resposta de Tocantins
O governo do Tocantins diz que ainda não foi formalmente citado e que mantém aberto o diálogo com Goiás. Informou ter determinado levantamentos técnicos e jurídicos, com mapeamento de marcos geográficos, para embasar sua manifestação no processo. Também confirma que o portal foi instalado em janeiro de 2025.
Tocantins sustenta que as tratativas vinham ocorrendo em cooperação e que apresentará dados técnicos assim que for notificado.
Impactos para quem vive na região
A disputa já provoca reflexos práticos. Moradores relatam oferta de serviços duplicados e mensagens divergentes de órgãos públicos. A cobrança de tributos e a indicação de qual município presta atendimento criam incertezas para empreendedores, guias de turismo e donos de imóveis rurais.
Outra queixa se concentra no censo populacional. Goiás aponta que parte dos moradores não entrou na contagem do IBGE como residentes de Cavalcante, o que reduziria os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essa queda afeta saúde, educação e manutenção de estradas.
| Fato apontado | Consequência local | Quem é afetado |
|---|---|---|
| Portal turístico na estrada para cachoeiras | Disputa de identidade territorial | Visitantes, guias e comerciantes |
| Prestação de serviços por dois estados | Sobreposição de competências | Moradores e prefeituras |
| Divergência no censo | Queda no FPM e planejamento falho | Município de Cavalcante |
| Erro cartográfico alegado | Fronteira natural contestada | Administrações estaduais |
Como o STF pode decidir
Controvérsias de divisa entre estados costumam chegar ao STF por meio de ação cível originária. O tribunal pode conceder liminares para evitar mudanças irreversíveis, além de determinar perícias técnicas, audiências de conciliação e a oitiva de órgãos especializados.
Em casos assim, costumam pesar laudos de georreferenciamento, séries históricas de mapeamento, estudos hidrológicos e atos administrativos pretéritos. A corte também considera a realidade geográfica atual, quando a norma remete a “limites naturais”, como o leito de um ribeirão ou rio.
Prazos e próximos passos
- Notificação de Tocantins e apresentação de defesa técnica e jurídica.
- Análise de pedido de tutela de urgência para suspender atos na área.
- Eventual perícia independente para identificar o curso d’água de referência.
- Tentativa de acordo assistido por órgãos federais de cartografia e geografia.
- Julgamento de mérito com fixação definitiva da linha divisória.
Entenda os marcos geográficos citados
O debate gira em torno de dois cursos d’água: o Ribeirão Ouro Fino e o Rio da Prata. Goiás defende que a cabeceira e a descida do Ouro Fino, até o encontro com o Rio da Prata, norteiam a divisa municipal e, por consequência, a fronteira estadual. A carta de 1977, segundo a PGE-GO, teria trocado a referência, alterando o contorno da fronteira.
| Marco natural | Papel na divisa | Ponto de conflito |
|---|---|---|
| Ribeirão Ouro Fino | Referência alegada por Goiás para a linha de fronteira | Identificação precisa do leito e de sua cabeceira |
| Rio da Prata | Curso d’água associado ao encontro com o ribeirão | Confusão cartográfica na carta de 1977 |
Kalunga dos Morros e a dimensão social do caso
A área contestada abrange porções do território Kalunga, reconhecido por suas comunidades quilombolas e por atrativos naturais valorizados pelo ecoturismo. Alterações administrativas impactam diretamente políticas de saúde, educação, segurança, regularização fundiária e promoção do turismo sustentável.
Na prática, quem guia visitantes, opera pousadas ou mantém roças familiares precisa de certezas sobre licenças, impostos e qual rede pública aciona em emergências. A disputa, portanto, não é apenas cartográfica; ela toca a vida cotidiana e o planejamento econômico local.
Sem definição clara, o risco de sobreposição de normas e de insegurança jurídica aumenta para moradores e empreendedores.
O que dizem os órgãos técnicos
A PGE-GO relata ter solicitado revisão da Carta São José à Diretoria de Serviço Geográfico do Exército, que não identificou erro toponímico no material de 1977. O IBGE, por sua vez, indicou a necessidade de tratativas institucionais entre os estados e os órgãos técnicos competentes para equalizar as inconsistências.
Esse tipo de impasse costuma exigir atualização cartográfica com base em imagens de alta resolução, georreferenciamento de marcos físicos e inspeções de campo. A compatibilização entre mapas históricos e bases geodésicas modernas reduz ambiguidades e facilita decisões judiciais.
Como o leitor pode acompanhar e se proteger
Se você vive, trabalha ou investe na faixa discutida, mantenha documentos fundiários atualizados, guarde comprovantes de tributos pagos e registre qualquer orientação recebida de prefeituras ou órgãos estaduais. Em caso de licenças ambientais e turísticas, peça versões digitais e protocole solicitações por escrito, para resguardar prazos e responsabilidades.
Produtores rurais e proprietários podem avaliar o georreferenciamento do imóvel, conferindo limites no Sistema de Gestão Fundiária e no cadastro ambiental rural. Em disputas de divisa, plantas geodésicas recentes, memoriais descritivos e registros fotográficos de marcos naturais ajudam a dirimir dúvidas técnicas durante perícias judiciais.


