Pais, empresas e Congresso miram decisões que mexem na rotina da casa e no caixa do trabalho. A disputa ganhou fôlego inesperado.
Um acordo costurado às pressas na Câmara mudou o rumo da licença-paternidade e abriu uma nova frente no Senado. O Planalto quer recuperar o que perdeu e testa sua força para ampliar o benefício.
O que está em jogo
A Câmara aprovou uma ampliação gradual da licença-paternidade dos atuais 5 dias para 20 dias, com transição ao longo de até 3 anos. No primeiro ano após a sanção, o prazo passa imediatamente a 10 dias.
A votação na Câmara fixou 10 dias já no primeiro ano e apontou para 20 dias ao final da transição.
O governo Lula não gostou do recuo em relação ao texto original do relator Pedro Campos, que previa um patamar final de 30 dias. Integrantes do Executivo, inclusive técnicos do Ministério das Mulheres, acompanharam a sessão no plenário e deixaram claro que trabalharão no Senado para tentar restaurar os 30 dias, também de forma escalonada.
Como ficou o texto que saiu da Câmara
Escalonamento aprovado
- Dia 0 (sanção): regra de transição definida.
- 1º ano: licença-paternidade de 10 dias para trabalhadores abrangidos pela CLT.
- Até 3 anos: aumento gradual até 20 dias, com cronograma a ser detalhado na lei.
O desenho adotado agradou a parte do empresariado, que temia impacto imediato de custos e ausências. Mas a mudança foi mal recebida por alas do governo e por parlamentares que defendem equiparação mais ousada entre mães e pais no cuidado na primeira infância.
Por que o Planalto quer voltar a 30 dias
O argumento central é de política pública: mais tempo do pai em casa reduz sobrecarga materna, melhora indicadores de saúde do bebê e eleva a taxa de amamentação exclusiva. Também ajuda no retorno da mãe ao trabalho, especialmente em famílias sem rede de apoio.
A equipe do governo vê os 30 dias como ponte para políticas de parentalidade que repartem o cuidado e reduzem desigualdades no mercado de trabalho.
Há ainda o fator simbólico. O Brasil mantém piso legal de 5 dias há décadas. Muitos países já migraram para modelos mais longos ou flexíveis. Mesmo sem equiparar licenças, ampliar o tempo do pai sinaliza prioridade à primeira infância e ao emprego feminino.
Quem paga essa conta
O que vale hoje
No regime geral, a empresa arca com os 5 dias. Pela lei do Programa Empresa Cidadã, companhias que aderem podem estender em mais 15 dias, totalizando 20, com incentivo fiscal atrelado ao Imposto de Renda da pessoa jurídica. Servidores públicos federais já praticam 20 dias por norma própria.
Debate no Senado
Senadores devem enfrentar duas perguntas: como custear a ampliação e que incentivos oferecer para evitar efeito adverso em contratações. Há propostas para ampliar ou redesenhar o Empresa Cidadã, prever regras específicas para micro e pequenas empresas e calibrar a compensação fiscal para o período adicional.
| Cenário | Dias de licença | Observação |
|---|---|---|
| Regra atual (CLT) | 5 dias | Pago pela empresa |
| Empresa Cidadã (atual) | 20 dias | 15 dias adicionais com incentivo fiscal |
| Texto aprovado na Câmara | 10 no 1º ano; 20 ao fim da transição | Escalonamento em até 3 anos |
| Meta do governo no Senado | Até 30 dias | Escalonamento a definir |
Impacto para quem trabalha e para quem emprega
Para trabalhadores com carteira assinada
- Mais dias com o recém-nascido e apoio à mãe no pós-parto.
- Direito passa a ter calendário de expansão, trazendo previsibilidade.
- Empresas deverão ajustar prazos de comunicação e registros no eSocial.
Para servidores
No serviço público federal, os 20 dias já estão incorporados. Estados e municípios podem ter regras próprias. Uma lei nacional mais ampla tende a estimular padronização e reduzir disputas judiciais.
Para empresas
- Reorganização de escalas em áreas críticas e funções únicas.
- Adequação de políticas internas, inclusive para pais adotivos e casos de guarda judicial.
- Avaliação de adesão ou manutenção no Empresa Cidadã, caso os incentivos mudem.
Próximos passos no Senado
A base governista busca um novo acordo que reinstale o teto de 30 dias e um escalonamento mais longo, com contrapartidas de custo. A oposição mira travas para pequenas empresas e quer condicionar expansão a metas fiscais. A negociação inclui audiências com especialistas em primeira infância e representantes de empregadores.
O núcleo do Planalto aposta em recuperar os 30 dias com algum mecanismo de compensação e uma fase de adaptação obrigatória mais lenta.
Perguntas práticas para você
- Quando a nova regra vale? Depois da sanção presidencial e de eventual vacatio definida no texto.
- Preciso avisar a empresa? Sim. Formalize a data do nascimento ou da adoção e o início da licença.
- Posso fracionar? Depende do texto final. Hoje, a prorrogação do Empresa Cidadã exige regras específicas.
- Autônomos e MEIs têm licença? Não há licença-paternidade legal para quem não é empregado. Benefícios dependem de contratos e políticas de clientes.
- Vale para adoção? A tendência legislativa é equiparar. O texto final deve explicitar.
O que pode mudar no seu bolso e na sua rotina
Para trabalhadores CLT, mais dias significam menos uso de férias para cobrir o período inicial do bebê. Para empresas, o aumento de custo direto é pequeno em setores com equipes maiores, mas pode pesar em negócios enxutos. Uma alternativa em debate é criar regra de reposição por banco de horas para substitutos e janelas de transição por porte empresarial.
Como se preparar desde já
- RH: revise políticas internas, fluxos no eSocial e comunicação com gestores.
- Gestores: mapeiem funções críticas e treinem backups para o período de ausência.
- Pais: organizem documentos, plano de cuidados e agenda de consultas médicas do bebê.
Por que a discussão mobiliza tanta gente
Dados de saúde apontam que a presença do pai nas primeiras semanas reduz internações por causas evitáveis e melhora o bem-estar materno. No campo econômico, empresas que já oferecem 20 dias relatam menor rotatividade e maior engajamento. Há, porém, receio de efeitos não desejados na contratação de homens em pequenas firmas sem fôlego de reposição — motivo pelo qual o desenho de incentivos e a escalada no tempo importam.
Dois pontos que o Senado deve detalhar
- Compatibilização com o Programa Empresa Cidadã: manutenção, ampliação ou fusão dos incentivos para abranger o período extra.
- Tratamento diferenciado por porte e setor: regras de transição e prazos para micro e pequenas, sem criar insegurança jurídica.
Para quem precisa decidir já, vale montar um pequeno planejamento: calcule cenários de 10, 20 e 30 dias, verifique a necessidade de treinar substitutos e alinhe com a equipe médica da família. Se o Senado elevar o prazo, a preparação antecipada evita correria no momento do parto ou da adoção e reduz conflitos no trabalho.


