Tarifas enxutas, lei apertando o cerco e aeroportos lotados. O vaivém das regras atinge diretamente quem embarca amanhã.
Entre a promessa de preços baixos e a cobrança por cada centímetro de bagagem, as companhias e o Congresso acirraram a disputa. Você, passageiro, virou a variável que fecha a conta.
O que muda com o novo projeto
A Câmara dos Deputados aprovou um texto que garante duas coisas ao passageiro: levar gratuitamente uma mala de mão de até 12 kg mais um item pessoal na cabine e despachar, sem custo, uma mala de até 23 kg em voos domésticos. Se a mala de mão não couber no bagageiro, a empresa deve despachá-la sem cobrar taxa. A regra alcança também voos internacionais operados no Brasil. O projeto segue agora para o Senado, que já havia aprovado antes uma versão mais restrita, focada apenas em assegurar a mala de mão.
Se a sua mala de mão não couber no bagageiro, a aprovação da Câmara obriga o despacho gratuito. Nada de taxa surpresa no portão.
Por que as empresas apertaram as regras
Nos voos internacionais, o custo em dólar, o combustível e a disputa com estrangeiras reduzem a margem. Para não mexer no preço do bilhete exibido no buscador, as companhias ampliaram a receita acessória: cobram pela mala de mão em tarifas promocionais. JetSmart e Sky Airline já operam assim; Gol e Latam responderam com suas versões “Basic” para viagens fora do país.
Tarifas basic de Gol e Latam
- Gol Basic internacional: permite apenas um item pessoal (bolsa ou mochila), até 10 kg, sob o assento à frente.
- Latam Basic para rotas na América do Sul: libera um item pessoal de até 10 kg sob o assento, com medidas definidas pela companhia.
- Em ambas, a mala de mão no bagageiro vira extra pago; o objetivo é reduzir o preço vitrine e cobrar de quem precisa de mais volume.
Tarifa barata no anúncio, bagagem cobrada na prática: a estratégia empurra o custo para quem leva mais que uma mochila.
As brechas da resolução 400 da Anac
Desde 2016, a Resolução nº 400 fixa um piso: franquia mínima de 10 kg de bagagem de mão por passageiro. O texto, porém, deixa três janelas abertas que o mercado passou a usar com intensidade:
- O contrato da companhia define dimensões e quantidade de peças permitidas na cabine.
- Itens fora das regras podem ser recusados ou migrar para transporte de carga, com cobrança.
- Não há distinção entre voos domésticos e internacionais, o que permite tarifas que limitam a mala de mão nos voos ao exterior.
Resultado: o passageiro tem direito a 10 kg, mas a empresa decide se esse volume cabe sob o assento, se sobe ao bagageiro ou se vira cobrança.
O que a Câmara tentou “fechar”
Ao aprovar o novo projeto, deputados procuram transformar em lei o direito de levar uma mala no bagageiro e um item pessoal, além de restabelecer a gratuidade de uma mala de 23 kg nos voos domésticos. Parlamentares argumentam que a retirada do despacho gratuito não barateou as passagens como prometido.
O setor reage. Iata e Alta classificam o movimento como retrocesso e preveem encarecimento geral das tarifas, com perda de flexibilidade para montar produtos mais baratos. A JetSmart afirma que mais de 60% dos seus clientes voam só com item pessoal e que embutir bagagem para todos penaliza quem escolhe viajar leve.
Quando a lei inclui bagagem para todos, quem carrega apenas uma mochila paga por um serviço que não usará. A dúvida é: o benefício coletivo compensa esse custo?
Quem paga essa conta
Na prática, a empresa repassa o custo da franquia para o preço final. Se todos ganham mala, o preço sobe em média; se poucos pagam à parte, o preço vitrines cai, mas quem precisa do bagageiro paga mais no balcão. Onde a moeda forte pesa, como nos internacionais, a tendência é empurrar serviços para fora do bilhete.
Comparativo rápido de regras
| Regra | Hoje (Res. 400) | Projeto da Câmara |
|---|---|---|
| Mala de mão | 10 kg mínimos, formato e peças definidos pela companhia | 12 kg garantidos na cabine + direito ao bagageiro |
| Item pessoal | Permitido conforme contrato | Garantido, além da mala de mão |
| Despacho gratuito | Não garantido | Uma mala de até 23 kg em voos domésticos |
| Aplicação a voos internacionais | Sem distinção de regra | Válido para voos operados no Brasil |
O impacto imediato para você
Quem embarca com uma mala pequena e uma mochila ganha previsibilidade. O passageiro que viaja em família, com mais volumes, pode ver alívio no trecho doméstico se o Senado mantiver a mala de 23 kg. Em rotas internacionais, as empresas tendem a calibrar preços e franquias e, se o projeto avançar sem alterações, reduzir o espaço para ofertas “só com mochila”.
Exemplo: um casal com duas mochilas e duas malas de mão hoje pode pagar entre R$ 150 e R$ 300 por pessoa pelo uso do bagageiro em uma tarifa Basic internacional. Com a garantia de mala de mão, esse gasto extra some; a passagem tende a subir, mas de forma diluída no preço final.
Concorrência, oferta de voos e o papel das ultra-low cost
O Brasil atrai as ultra-low cost pela escala, mas a estrutura de custos em dólar e a malha ainda concentrada limitam a queda generalizada de preços. Se a lei travar a bagagem de mão como direito, essas empresas podem adaptar o produto local, mantendo o bilhete atrativo por meio de serviços opcionais como marcação de assento e embarque prioritário.
O maior gargalo segue sendo a baixa oferta em várias rotas. Menos voos significa assentos disputados e tarifas pressionadas para cima, com ou sem mala de mão grátis. Sem competição, a regulação vira paliativo.
Como evitar surpresas na próxima compra
- Verifique a franquia da tarifa antes do pagamento. Procure as medidas do item pessoal e da mala de mão.
- Se for internacional, confirme se a sua tarifa permite bagageiro ou apenas item sob o assento.
- Fotografe a tela de regras no momento da compra. Isso ajuda em caso de divergência no embarque.
- Meça e pese sua bagagem em casa. Pequenos excessos viram taxas altas no portão.
- Calcule o custo total: bilhete + bagagem + marcação de assento. Compare com tarifas superiores que já incluem franquia.
Pontos jurídicos e operacionais a acompanhar
Se o Senado aprovar o texto ampliado e o Executivo sancionar, a Anac precisará ajustar a Resolução 400 para retirar ambiguidades sobre dimensões e peças. A fiscalização no embarque terá de ser reforçada para coibir “venda forçada” de despacho no portão. Nos aeroportos, a política pode reduzir conflitos na fila e atrasos causados por disputa de espaço no bagageiro.
Empresas argumentam que obrigar bagagem gratuita para todos pode encarecer rotas marginais e reduzir conectividade. Parlamentares sustentam que previsibilidade e transparência compensam o risco. O equilíbrio vai depender de como a regulamentação detalhará as dimensões e eventuais exceções operacionais.
Glossário rápido
- Item pessoal: bolsa ou mochila que cabe sob o assento à frente.
- Mala de mão: volume na cabine. Hoje tem piso de 10 kg pela Res. 400; o projeto amplia para 12 kg.
- Despacho: envio da mala no porão da aeronave, sujeito a taxas conforme a tarifa.
- Ultra-low cost: modelo que vende passagem barata e cobra por serviços opcionais, como bagagem e marcação de assento.
Informações complementares para decidir melhor
Faça uma simulação simples: some o valor de duas peças pagas à parte em um itinerário de ida e volta. Se o custo superar 30% do bilhete, a tarifa intermediária com bagagem inclusa tende a valer a pena. Em viagens curtas, um item pessoal de 20 a 25 litros costuma atender até três dias com roupas compactadas.
Para quem viaja a trabalho, o ganho de tempo pesa mais que a economia. Evitar despacho reduz a chance de extravio e acelera a saída do aeroporto. Já famílias com crianças se beneficiam de um pacote com despacho incluído, porque carrinhos e acessórios exigem previsibilidade. O debate legislativo mexe justamente nesses perfis: quem voa leve paga menos? Ou todos pagam um pouco mais para ter segurança de embarcar com o que precisam?


