No sertão mineiro, agricultores viram o jogo com ciência, irrigação e uma cultura que parecia improvável em clima tão seco.
Em fazendas antes dedicadas a pasto ou culturas de ciclo curto, brotam lavouras que prometem diversificar a economia da região. Técnicas novas, pesquisa aplicada e parcerias públicas constroem uma rota produtiva que chama a atenção de quem busca estabilidade e mercado garantido.
Como o semiárido virou terreno do cacau
O Norte de Minas, marcado por altas temperaturas e pouca chuva, passou a receber plantios de cacau em áreas não tradicionais. A virada não veio por acaso. A Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) coordenou ensaios de campo, avaliou clones mais tolerantes e integrou a irrigação já existente em culturas consorciadas.
Os pesquisadores apostaram no plantio a pleno sol, sob o “guarda-chuva” de bananeiras irrigadas. A banana oferece sombra inicial, regula o microclima e garante caixa ao produtor enquanto o cacau se estabelece. Após dois anos de manejo com podas, o cacaueiro entra em produção com maior resiliência ao calor.
O consórcio banana + cacau cria microclima, dá fôlego ao caixa e acelera a adoção da cultura no semiárido.
Tecnologia a pleno sol muda a regra do jogo
O modelo rompe com o sistema tradicional “na cabruca”, que depende do dossel de mata nativa. No semiárido, a adaptação exige outras ferramentas: irrigação controlada, adubação ajustada e seleção de material genético adequado. A equipe testou clones vindos da Bahia e manteve apenas os que performaram bem sob altas temperaturas com suporte hídrico.
O manejo intensivo nos primeiros anos, com podas e condução, fortalece a copa e prepara as plantas para a frutificação. A prática reduz estresse, melhora a sanidade e favorece uniformidade de colheita.
Banana como escudo e caixa de entrada
A parceria com a banana resolve um dilema central do produtor: fluxo de caixa. A banana mantém faturamento recorrente, dilui custos de irrigação e mão de obra e serve de quebra-vento natural. Quando o cacau engrena, a propriedade já amortizou parte do investimento e estabilizou o calendário de colheita.
Renda recorrente de banana, mais o crescimento do cacau, compõem uma combinação que reduz risco e dá previsibilidade.
Pesquisa, dinheiro e metas claras
O Centro Tecnológico para Cacauicultura em Regiões Não Tradicionais (CTCRNT), coordenado pela Unimontes, estrutura a escalada. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) destinou R$ 3,5 milhões ao conjunto de estudos sobre irrigação, adubação e desempenho de mudas.
Hoje, são cerca de 480 hectares com cacau em Minas Gerais. A meta projeta 3 mil hectares até 2026, com a entrada de novos produtores e a conversão de áreas irrigadas para o consórcio com banana.
Do laboratório à roça irrigada: R$ 3,5 milhões impulsionam soluções de água, nutrição e seleção de clones para o calor.
Do laboratório ao campo irrigado
A trajetória começou em 2011 com testes em Janaúba. A seca prolongada derrubou os primeiros experimentos sem irrigação. A equipe recalibrou o plano, adotou clones mais adaptados e priorizou áreas com água garantida. A partir de 2017, eventos técnicos passaram a transferir resultados para a base produtiva, acelerando a curva de adoção.
Visão computacional e consórcios agroflorestais
O CTCRNT introduziu visão computacional para prever safra, ajustar tratos e antecipar gargalos. Além da banana, surgem arranjos com macadâmia e abacaxi, compondo sistemas agroflorestais que diversificam renda e melhoram o uso do solo. O objetivo é somar receita, ampliar resiliência e reduzir a pressão sobre água e insumos.
Números que mexem com o mercado
- Área plantada cresceu 525% em dois anos no Norte de Minas, com salto de interesse de médios e pequenos produtores.
- 480 hectares produtivos hoje, com projetos em implantação que miram 3 mil hectares até 2026.
- R$ 3,5 milhões em pesquisa aplicada, visando irrigação eficiente, adubação precisa e clones adaptados.
- Predição de safra com visão computacional para orientar colheita, secagem e fermentação.
Estabilidade e oferta regular de amêndoas abrem espaço para contratos, agregação de valor e indústria local de chocolate.
Mercado e qualidade: o próximo passo do sertão
A parceria entre o CTCRNT e a Universidade Federal de Lavras (Ufla) foca a fermentação do cacau. O objetivo é desenhar protocolos que evidenciem aromas e sabores do semiárido, pavimentando um “terroir do sertão”. Com padronização, os produtores acessam nichos de chocolate fino e margens superiores.
Fermentações dirigidas, secagem controlada e rastreabilidade elevam a qualidade sensorial e facilitam a organização de lotes especiais. A identidade territorial amplia o valor da amêndoa e estimula negócios locais, como torrefação, fabricação bean to bar e turismo gastronômico.
Por que isso interessa a você que produz
Quem já opera banana irrigada encontra atalhos: infraestrutura instalada, equipe treinada e mercado ativo. O cacau ocupa o sub-bosque, compartilha a água e transforma o mesmo hectare em duas receitas coordenadas. Em propriedades que buscam reduzir a exposição a secas, a tecnologia de irrigação e o manejo de sombreamento funcionam como seguro de produção.
O que observar antes de entrar na cacauicultura do semiárido
- Água: dimensione a irrigação por gotejamento, avalie a disponibilidade hídrica e regularize o uso.
- Material genético: escolha clones com bom desempenho em calor e sob consórcio com banana.
- Manejo: planeje podas nos dois primeiros anos, adubação balanceada e monitoramento de pragas.
- Mercado: defina se venderá amêndoa úmida, seca ou fermentada, e como fará a padronização.
- Capital: mapeie custos de implantação, energia e manutenção do sistema de irrigação.
- Assistência: conecte-se a redes técnicas da Unimontes e de serviços de extensão regionais.
Como organizar sua decisão
Monte um cronograma de implantação de 24 meses, prevendo a fase de formação do cacaueiro. Alinhe o calendário de tratos culturais do cacau ao manejo da banana. Crie um plano de irrigação com metas de economia de água e medição de vazão. Estabeleça metas de qualidade para a amêndoa, com protocolos de fermentação e secagem adaptados ao seu microclima.
Duas frentes para ampliar o ganho do produtor
Primeira frente: contratos de fornecimento. Produtores organizados por região conseguem negociar volumes e padrões de qualidade, o que fortalece preço e logística. Segunda frente: valor agregado. Lotes fermentados e certificados abrem portas para chocolaterias artesanais e comprador industrial que paga por diferenciação sensorial.
Quem já trabalha com macadâmia ou abacaxi pode testar módulos piloto com linhas de cacau entre renques. O arranjo melhora o uso do solo, reparte riscos e mantém opções de mercado. Em todos os casos, medir custos e produtividade por talhão ajuda a ajustar a densidade de plantio e o calendário de colheita.
Riscos e como mitigá-los
O maior risco vem de falhas na irrigação e na nutrição inicial. A redundância de bombas, a manutenção preventiva e a análise de solo periódica reduzem perdas. Treinamento de equipe em poda e condução diminui quebras de ramos e melhora a arquitetura da planta. Protocolos de higiene na pós-colheita preservam a qualidade e evitam descontos no preço.
Com ciência, manejo e organização, o cacau no Norte de Minas se torna alternativa real de renda dupla e indústria local.


