Depósitos em dinheiro vivo e negócios imobiliários reacenderam dúvidas sobre contratos da saúde e relações políticas no interior paulista recentemente.
Uma nova etapa de investigações federais atingiu figuras próximas ao comando de Sorocaba e trouxe à tona depósitos em espécie de origem suspeita. O caso envolve valores altos, notas deterioradas e transferências para empresas ligadas à família do prefeito afastado Rodrigo Manga.
O que a investigação aponta
Relatórios anexados ao inquérito da Polícia Federal descrevem depósitos de R$ 237 mil em cédulas de pequeno valor — R$ 2, R$ 5, R$ 10 e R$ 20 — realizados entre 2021 e 2022 por Marcos Silva Mott, empresário e amigo do prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos). Segundo a PF, o dinheiro entrou em contas de empresas controladas por Mott e teria servido para ocultar a origem de recursos suspeitos ligados à área da Saúde do município.
Depósitos em cédulas pequenas, úmidas e com mofo foram registrados, o que, para os investigadores, sinaliza armazenamento prolongado e origem não transparente.
Mott foi preso na quinta-feira (6), durante a segunda fase da Operação Copia e Cola. No mesmo dia, a Justiça determinou o afastamento de Manga do cargo, no âmbito das apurações. A investigação mira crimes como corrupção ativa e passiva, peculato, fraude em licitação, lavagem de dinheiro, contratação direta irregular e organização criminosa.
Como funcionaria o suposto fluxo do dinheiro
Os autos descrevem um circuito que começa com a entrada de numerário em contas ligadas ao empresário e segue com repasses a terceiros, inclusive a uma empresa vinculada à esposa do prefeito.
- Depósitos em espécie feitos por Mott em agências bancárias, em 2021 e 2022.
- Crédito desses valores em contas de empresas registradas em seu nome.
- Transferências subsequentes para a 2M Comunicação e Assessoria, em nome de Sirlange Maganhato, esposa de Rodrigo Manga.
- Negociações imobiliárias com uso de dinheiro vivo em parte dos pagamentos.
Ao menos R$ 214.076 saíram de contas de Mott e de sua empresa em direção à 2M Comunicação e Assessoria, de Sirlange Maganhato.
| Movimento | Período | Valor | Observação |
|---|---|---|---|
| Depósitos em espécie | 2021–2022 | R$ 237.000 | Cédulas de baixo valor, úmidas e com odor |
| Transferências para a 2M | Compatível com os depósitos | R$ 214.076 | Conta em nome de Sirlange Maganhato |
| Entrada em casa de condomínio | Data não informada | R$ 182.000 | Pago em espécie; imóvel avaliado em R$ 1,5 milhão |
| Apartamento em Votorantim | Compra e doação no mesmo dia | R$ 55.000 (escritura) | PF questiona valor, cita avaliações acima de R$ 200.000 |
Quem são os envolvidos
Marcos Silva Mott, empresário do interior paulista, aparece como peça central do esquema sob investigação, segundo a PF. O órgão o classifica como operador de um circuito financeiro que teria ocultado recursos desviados de contratos da saúde municipal.
Rodrigo Manga, prefeito de Sorocaba e filiado ao Republicanos, foi afastado da função pela Justiça, também na quinta-feira (6). Os autos indicam proximidade entre o prefeito e o empresário. A 2M Comunicação e Assessoria, ligada a Sirlange Maganhato, esposa do prefeito, recebeu transferências provenientes das contas de Mott no período analisado.
A investigação cita ainda transações imobiliárias. Um apartamento em Votorantim, segundo a escritura, foi adquirido pela mãe do prefeito e, no mesmo dia, doado para Sirlange. A PF contesta o valor declarado na escritura. Não há, nos autos, investigação contra a mãe de Manga.
Contratos da saúde e a Operação Copia e Cola
O foco da ofensiva policial recai sobre possíveis desvios em contratos e pagamentos da Secretaria de Saúde de Sorocaba. A investigação aponta indícios de uso de empresas ligadas a investigados para recebimento de valores sem compatibilidade clara com serviços prestados.
A fase deflagrada em 6 de novembro integra um ciclo de diligências que já incluiu buscas em endereços ligados ao prefeito. Os investigadores rastreiam documentos, fluxos bancários e notas fiscais, além de registros de depósito e imagens de agências.
Negociações imobiliárias sob escrutínio
Além das transferências, o inquérito mira aquisições de imóveis realizadas pelo casal. Os autos relatam a compra de uma casa em condomínio por cerca de R$ 1,5 milhão, com pagamento de R$ 182 mil em espécie a título de entrada. O uso de dinheiro vivo, nesse patamar, acendeu alerta nos relatórios policiais.
No caso do apartamento em Votorantim, a escritura registra compra por R$ 55 mil pela mãe de Manga e doação, no mesmo dia, para Sirlange Maganhato. Laudos mencionados pela investigação apontam que o valor de mercado ultrapassaria R$ 200 mil, diferença considerada relevante pela PF.
O que dizem as defesas
A defesa de Marcos Mott classificou a prisão como desnecessária e baseada em suposições. Os advogados afirmam que ele compareceu quando chamado e já prestou esclarecimentos iniciais, indicando que irão recorrer para reverter a medida.
O escritório que representa Rodrigo Manga disse que a operação é nula e que a Justiça Federal não teria competência para conduzir o caso. Alegou ainda que os fatos remontam a 2021 e que não haveria risco atual à administração municipal que justificasse o afastamento.
Já a defesa de Sirlange Maganhato declarou que todas as operações financeiras citadas são lícitas, documentadas e declaradas à Receita. Informou que ela não foi intimada a depor e que apresentou elementos às autoridades para comprovar a regularidade dos serviços e pagamentos.
O que acontece agora
O processo deve avançar com análise de perícias bancárias, cruzamento de dados fiscais e diligências sobre as negociações imobiliárias. O tribunal competente poderá revisar decisões como prisão, afastamento do cargo e eventuais bloqueios de bens. A divergência sobre a jurisdição pode seguir para instâncias superiores.
Relatórios de inteligência financeira e registros de depósitos com cédulas deterioradas costumam gerar comunicação automática aos órgãos de controle. Bancos aplicam regras de compliance e reportam operações em espécie fora do padrão do cliente, o que alimenta linhas de apuração como a que agora atinge Sorocaba.
Como o leitor pode acompanhar e entender os riscos
- Verifique no portal de transparência municipal os empenhos e pagamentos da Saúde no período de 2021–2022.
- Compare o CNPJ das empresas pagas com as citadas na investigação e avalie o objeto social e a capacidade operacional.
- Observe pagamentos fracionados e recorrentes sem descrição clara do serviço.
- Em imóveis, desconfie de valores muito abaixo do mercado e de uso de altas quantias em espécie.
Por que depósitos com notas degradadas viram alerta
Depósitos volumosos com cédulas de baixo valor, úmidas, com mofo ou odor sugerem armazenamento por longos períodos fora do circuito bancário. Esse padrão aparece em esquemas que acumulam dinheiro vivo para evitar rastreamento digital. Quando detectados, os bancos registram imagens, identificam o depositante e encaminham comunicação, o que permite reconstruir o caminho do dinheiro.
O que observar nos próximos dias
O andamento sobre a competência da Justiça, os pedidos de habeas corpus de Mott e eventuais novas quebras de sigilo indicarão o fôlego do caso. Também merece atenção a análise sobre a compatibilidade dos serviços da 2M com os pagamentos recebidos e a avaliação independente dos imóveis citados.
Para o cidadão, o episódio reforça duas frentes: acompanhamento contínuo do orçamento da Saúde e atenção a práticas de lavagem de dinheiro que se valem de empresas de fachada, dinheiro vivo e ativos imobiliários. Órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Ministério Público, costumam publicar relatórios que ajudam a validar ou refutar as suspeitas que hoje cercam Sorocaba.


