Uma proposta constitucional reacende velhas dúvidas sobre quem coordena a segurança no país e quem paga essa conta.
Após a operação nos complexos do Alemão e da Penha, o governo recolocou a PEC da Segurança Pública no centro do debate. O secretário Mário Sarrubbo afirma que o texto não mexe na autonomia de estados e municípios e propõe uma engrenagem nacional para integrar ações.
O que está em jogo
A proposta de emenda à Constituição cria, em nível constitucional, um Sistema Único de Segurança Pública com foco na coordenação entre União, estados e municípios. A ideia é aproximar polícias, perícias, guardas e órgãos de inteligência em torno de protocolos comuns, metas e uma rede de dados interoperável. O governo argumenta que o modelo atual incentiva ilhas de atuação, o que dificulta operações interestaduais e o combate a facções que operam além de fronteiras locais.
O texto propõe diretrizes nacionais, metas compartilhadas e integração tecnológica, sem transferir o comando das polícias aos órgãos federais.
| Como funciona hoje | O que a PEC propõe |
|---|---|
| Cada estado define planos, métricas e compras de forma independente. | Diretrizes nacionais e metas pactuadas, com indicadores comparáveis. |
| Bancos de dados fragmentados e pouca interoperabilidade. | Integração de bases e padrão mínimo de tecnologia e comunicação. |
| Operações conjuntas dependem de acordos caso a caso. | Protocolos prévios para ações interestaduais e compartilhamento de recursos. |
| Financiamento descentralizado, com repasses pouco vinculados a resultados. | Repasses atrelados a planos e metas formalmente pactuados. |
| Capacitações isoladas por corporação. | Trilhas comuns de formação e avaliação, com padrões de qualidade. |
O que diz o governo
O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, defende que a PEC não mexe “uma vírgula” na autonomia de estados e municípios. Governadores continuam responsáveis pelas polícias Civil e Militar, e prefeitos mantêm a gestão das guardas municipais. A União assumiria a coordenação de diretrizes e a integração de dados, com foco em inteligência e planejamento, sem poder de intervir no dia a dia operacional.
Segundo Sarrubbo, a PEC mira a fragmentação histórica das políticas de segurança e organiza cooperação que hoje depende de boa vontade e recursos eventuais.
Integração e cooperação na prática
O governo cita exemplos concretos para justificar a mudança. Uma perseguição que cruza divisas estaduais exige, hoje, negociações improvisadas de comunicação e comando. Com protocolos únicos, rádios conversariam entre si, equipes acionariam centros integrados e perícias seguiriam padrões comuns, o que reduziria erros e retrabalhos. Em fronteiras, a coordenação facilitaria ações sincronizadas de polícias e forças federais contra o tráfico de armas e drogas.
As críticas da oposição
Líderes da oposição sustentam que a PEC pode abrir caminho para centralização e uso político de verbas. Partidos contrários alertam que o governo federal poderia ditar prioridades por meio de condicionamento financeiro, sufocando a liberdade de estados com realidades distintas, do sertão ao litoral.
- Risco de intervenção velada por meio de metas e repasses.
- Uniformização que ignora especificidades regionais e fronteiriças.
- Definição de prioridades em Brasília, distante das cidades.
- Operações conjuntas com protocolos que reduzam a margem do governador.
Parlamentares críticos também citam a operação nos complexos do Alemão e da Penha, que terminou com mais de 100 mortos, como alerta sobre a necessidade de controles e transparência antes de ampliar a escala de coordenação. Para esse grupo, a PEC deve trazer salvaguardas claras de governança, auditoria e responsabilização.
Depois de mais de 100 mortos em uma única ação, o Congresso recolocou a coordenação da segurança sob escrutínio.
Impacto para estados e municípios
Governos locais veem oportunidade de ganhar previsibilidade orçamentária e acesso a tecnologia, desde que mantenham liberdade para adaptar políticas. Secretários estaduais pedem regras simples para adesão, com prazos realistas de implementação de sistemas, treinamento e compra de equipamentos. Prefeitos pedem clareza sobre o papel das guardas municipais em tarefas de prevenção, trânsito e apoio à proteção escolar.
O que pode mudar para você
Para o morador, a principal mudança promete vir do tempo de resposta e da qualidade da informação. Uma ocorrência registrada em uma cidade poderia ser acessada rapidamente em outra, o que reduz a impunidade em crimes que atravessam municípios. Mandados de prisão teriam validação imediata em diferentes estados. Patrulhamento assistido por dados ajudaria a reorganizar rotas, horários e alocação de viaturas.
Os próximos passos no Congresso
Uma PEC precisa de análise em comissão e votação em dois turnos na Câmara e no Senado, com apoio de três quintos dos parlamentares em cada etapa. O cronograma depende de acordo político entre governo e oposição. A retomada do debate, após a megaoperação no Rio, elevou a temperatura do tema e empurrou a negociação para o topo da pauta.
Diretrizes, metas e dinheiro
Sem financiamento estável, metas se tornam slogans. Técnicos defendem um arranjo que combine fundos já existentes com critérios de desempenho auditáveis. Estados que alcançarem metas pactuadas poderiam acessar parcelas maiores para tecnologia, perícia, prevenção e proteção de vítimas. Auditorias independentes e transparência de dados públicos ajudariam a reduzir a margem para disputas políticas e garantir continuidade entre gestões.
Perguntas que o texto precisa responder
O Congresso ainda discute pontos-chave. A seguir, alguns nós que exigem clareza normativa para evitar conflitos federativos:
- Quais metas serão nacionais e quais ficarão sob adaptação local.
- Como condicionar repasses sem transformar a coordenação em tutela.
- Que padrão mínimo de dados e comunicação será exigido e em que prazo.
- Como garantir controle externo e auditoria de desempenho.
- Qual o papel das guardas municipais em prevenção e proteção de equipamentos urbanos.
Contexto e referências úteis para o leitor
Uma PEC altera a Constituição e demanda quórum qualificado. O texto costuma sair do Congresso com ajustes negociados em comissões e plenário. A proposta de um sistema único busca inspiração em modelos de coordenação usados em outras áreas, como saúde e assistência social, com adaptação às peculiaridades da segurança, que tem forças com cadeias de comando distintas.
Para visualizar o efeito prático, imagine uma operação contra quadrilhas que roubam cargas em três estados. Com um protocolo único, a polícia deflagra mandados simultâneos, compartilha imagens e placas em tempo real e evita vazamentos de rota. A perícia coleta e registra vestígios em padrão unificado, o que facilita a aceitação de provas quando o processo avança por diferentes comarcas. O cidadão sente o efeito quando o crime organizado perde mobilidade e quando as forças trocam informações sem atrasos.
Riscos existem. A centralização de recursos pode gerar dependência de Brasília, e metas mal desenhadas podem induzir práticas que distorcem estatísticas. Vantagens também aparecem: compras consorciadas reduzem custo unitário de câmeras e rádios; capacitações integradas alinham procedimentos; centros de comando compartilhados reduzem redundâncias. O desenho final da PEC precisa equilibrar esses elementos para evitar excessos e destravar cooperação onde ela já se mostra necessária.


