Famílias e pequenos negócios viram mensalidades dispararem sem explicação clara. Uma decisão em São Paulo reacende a discussão sobre limites e transparência.
Um contrato com apenas duas vidas virou símbolo de um impasse que afeta muita gente: reajustes agressivos, pouca informação e um consumidor sem poder de barganha. A Justiça paulista determinou a revisão dos aumentos e acendeu um sinal para quem paga caro no plano.
Decisão em São Paulo mira reajuste sem base técnica
O juiz Aluísio Moreira Bueno, da 3ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, mandou recalcular os reajustes anuais de um plano coletivo empresarial com menos de 30 beneficiários. O magistrado ordenou que a operadora use os índices autorizados pela ANS para planos individuais e familiares. A decisão veio após a operadora não comprovar tecnicamente os percentuais aplicados em 2022 e 2023.
O contrato foi firmado em 2021 para duas vidas, com mensalidade inicial de R$ 3.948,10. Em 2023, a cobrança chegou a R$ 9.024,39. O salto ficou perto de 130%. Para o mesmo período, o parâmetro apontado no processo foi de 25,13%.
O plano para duas vidas saltou de R$ 3.948,10 para R$ 9.024,39 em 2023. A alta beirou 130%.
O índice considerado como referência no processo para o período foi de 25,13% para planos individuais e familiares.
Por que o “falso coletivo” muda o jogo
O juiz classificou o contrato como “falso coletivo”. Esse rótulo aparece quando um plano empresarial tem poucos beneficiários, não tem negociação real e funciona, na prática, como um plano individual. Nesses casos, faltam elementos que justifiquem a liberdade total de reajuste típica de grandes carteiras corporativas. A decisão aplicou a lógica de proteção dos contratos individuais, que seguem índices autorizados e regras de transparência mais rígidas.
Perícia atuarial expôs falhas de transparência
Durante o processo, a Justiça determinou perícia atuarial. O laudo apontou que os documentos entregues pela operadora mencionavam variações de custos e sinistralidade, mas não traziam a memória de cálculo detalhada. Os números não mostravam como cada componente impactou o percentual final.
O processo registrou ainda que um relatório de auditoria da KPMG não assegurou a veracidade nem a integralidade dos dados base. Sem lastro técnico, o juiz entendeu que os reajustes feriram o direito de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Revisão de valores e recálculo por faixa etária
A sentença determinou a devolução dos valores pagos a maior, atualizados pela Tabela Prática de Atualização de Sentenças do TJ/SP e com juros de mora pela Selic a partir de cada desembolso indevido. O juiz também ordenou o recálculo dos reajustes por faixa etária, com base nos critérios da Resolução Normativa 63/2003 da ANS, a ser comprovado tecnicamente na fase de liquidação.
A operadora deve restituir o que cobrou a mais, com correção do TJ/SP e juros Selic a partir dos pagamentos indevidos.
Quanto isso representaria no seu bolso
Para visualizar o impacto, veja a simulação abaixo com os números do processo. A linha de referência considera a aplicação de 25,13% sobre o valor original.
| Ano/base | Mensalidade cobrada | Mensalidade com 25,13% | Diferença estimada |
|---|---|---|---|
| 2021 (inicial) | R$ 3.948,10 | R$ 3.948,10 | — |
| 2023 | R$ 9.024,39 | R$ 4.940,26 | R$ 4.084,13 |
Os valores exemplificam a diferença que a decisão pretende estancar. O cálculo final ficará para a fase de liquidação com base nos documentos do contrato.
O que muda para você que tem plano coletivo pequeno
Casos com poucos beneficiários tendem a sofrer mais com reajustes abruptos. A decisão sinaliza que a Justiça pode comparar esses contratos aos individuais, exigindo índices transparentes e metodologia clara. Quem paga mensalidades em patamar insustentável ganha caminho para discutir os aumentos, pedir revisão e buscar restituição do que já foi pago a mais.
Como agir se o seu reajuste parece fora da curva
- Solicite à operadora a memória de cálculo de todos os reajustes aplicados (anual e por faixa etária).
- Verifique quantas vidas seu contrato tem; menos de 30 indica possível “falso coletivo”.
- Compare o percentual cobrado com o índice de referência para planos individuais no período mencionado no seu contrato.
- Cheque se houve mudança de faixa etária e se a operadora respeitou a RN 63/2003.
- Guarde boletos, aditivos contratuais, propostas comerciais e trocas de e-mail.
- Registre reclamação no atendimento da operadora e no órgão de defesa do consumidor.
- Se não houver resposta técnica, avalie ação judicial com pedido de revisão e devolução do pago a maior.
- Em caso de risco de cancelamento, peça tutela de urgência para manter o atendimento até a definição do litígio.
Reajuste por faixa etária: o que a RN 63/2003 estabelece
A norma da ANS organiza os reajustes por 10 faixas etárias, da infância até 59 anos. A razão entre a última e a primeira faixa deve respeitar limite de variação. O Estatuto do Idoso veda aumento por mudança de faixa a partir dos 60 anos em contratos firmados após 2004, desde que atendidos os requisitos legais. A operadora precisa divulgar a tabela completa e aplicar os percentuais conforme o previsto na contratação.
Sinais para o mercado e para pequenas empresas
O caso reforça um movimento de judicialização quando operadoras não apresentam estudos atuariais consistentes. Pequenas empresas e MEIs, que frequentemente aderem a planos empresariais para fugir da fila dos individuais, ficam expostas a saltos incompatíveis com o orçamento. Decisões como esta tendem a orientar negociações e a pressionar por maior previsibilidade nos reajustes.
Operadoras podem responder exigindo um número mínimo de vidas, criando regras de elegibilidade mais rígidas ou ofertando carteiras com reajuste parametrizado. Empresas, por sua vez, podem buscar migração para contratos com histórico de reajustes estáveis, desde que analisem carências, portabilidade e rede.
Como estimar o impacto financeiro para sua equipe
Você pode rodar uma simulação básica. Pegue a mensalidade do ano-base e aplique o percentual de referência indicado para o período. Compare com o que está sendo cobrado. Se a diferença for grande e a operadora não apresentar memória de cálculo detalhada, a situação merece questionamento formal.
Outra frente é revisar a evolução de sinistralidade enviada pela operadora. Sem detalhamento de eventos, frequência, custo médio e variações de rede, a justificativa tende a ficar frágil. Um parecer atuarial independente ajuda a dar robustez ao pedido de revisão.
Dados do processo e próximos passos
O processo tramita sob o número informado abaixo. A liquidação vai definir valores a restituir e a mensalidade correta após o recálculo. A decisão também cobre os reajustes por faixa etária, que precisarão seguir estritamente os critérios técnicos.
- Processo: 1134943-25.2023.8.26.0100
- Foro: 3ª Vara Cível do Foro Regional de Santana (SP)
- Determinações: revisão dos reajustes, devolução com Tabela Prática do TJ/SP e juros Selic, e observância da RN 63/2003
Riscos e alternativas na gestão do benefício
Planos com reajuste imprevisível drenam caixa e geram rotatividade em empresas. Uma alternativa é calibrar franquias e coparticipações, desde que o controle de uso venha com educação em saúde e protocolos de prevenção. Outra opção é integrar programas de atenção primária, que reduzem sinistros com consultas e exames desnecessários, sem cortar cobertura.
Para o titular pessoa física, vale comparar redes, carências e custos totais do plano atual com produtos próximos. Em contratos muito pequenos, a via judicial pode ser a única saída para corrigir distorções. Guardar documentos e exigir transparência técnica costuma fazer diferença na mesa de negociação.


