Assinantes estranharam ver comerciais no streaming que prometia entretenimento sem interrupções. O debate jurídico ganhou força no país nas últimas semanas.
Uma decisão da Justiça da Bahia concedeu R$ 2 mil a um assinante do Prime Video após a inclusão de anúncios durante filmes e séries. O caso reacende a discussão sobre mudanças unilaterais em contratos de serviços digitais e coloca em xeque modelos de assinatura que exigem pagamento extra para remover publicidade.
O que mudou no Prime Video
A Amazon anunciou no fim de fevereiro que passaria a exibir anúncios no Prime Video no Brasil. A regra começou a valer em 2 de abril. Quem quisesse manter a experiência sem comerciais teria de pagar R$ 10 adicionais por mês, além do valor do pacote Prime.
O assinante foi migrado para um formato com publicidade e recebeu a opção de “tirar os anúncios” mediante pagamento extra de R$ 10.
Segundo a empresa, os anúncios seriam “limitados” e ajudariam a financiar mais conteúdo. Na prática, a alteração afetou contratos em vigor, alcançando clientes que já haviam concordado com condições distintas.
Como foi a decisão na Bahia
A juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes, da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Bahia, entendeu que o consumidor foi prejudicado pela alteração unilateral do serviço. Para a magistrada, a mudança configurou prática abusiva ao impor novo custo para manter o padrão originalmente contratado.
O Judiciário reconheceu violação ao equilíbrio contratual e determinou compensação por dano moral de R$ 2 mil.
Linha do tempo do caso
- Fim de fevereiro: anúncio da publicidade no Prime Video.
- 2 de abril: início da exibição de anúncios para todos os assinantes.
- Maio: consumidor ingressa com ação pedindo R$ 6 mil.
- 29 de outubro: decisão monocrática determina indenização de R$ 2 mil.
A ação foi julgada parcialmente procedente. A juíza afirmou que o valor fixado tem caráter compensatório e pedagógico, sem gerar enriquecimento indevido. A Amazon ainda pode recorrer.
O que diz a legislação do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor veda alterações unilaterais que gerem vantagem excessiva ao fornecedor ou que transfiram ao cliente obrigações não pactuadas. A decisão citou a responsabilidade do prestador pelos danos causados por falhas na prestação, inclusive quando a forma de fornecimento destoa do que o consumidor legitimamente espera do serviço.
Na visão de especialistas em direito do consumidor, a imposição de um novo pagamento para manter a mesma condição contratada desbalanceia a relação. O Idec avalia que o fornecedor não pode redesenhar o contrato sem anuência do usuário, mesmo com aviso prévio, porque a concordância precisa ser bilateral.
Mudar as regras no meio do jogo, exigindo dinheiro extra para preservar a experiência original, fere a boa-fé e o equilíbrio contratual.
Como a Amazon se defendeu e o que os concorrentes fizeram
Na ação, a Amazon argumentou que o serviço não perdeu qualidade. Sustentou que o conteúdo e a entrega permaneceram iguais e que a empresa tem direito de atualizar ou modificar o serviço. Alega ainda que a publicidade, por si só, não caracteriza ilicitude.
Enquanto isso, outras plataformas seguiram caminhos diferentes para incorporar publicidade. Em vez de migrar assinantes existentes para um plano com anúncios, lançaram opções mais baratas com comerciais e mantiveram os planos sem anúncios nos mesmos moldes para quem já assinava.
- Planos com anúncios: preço menor, com exibição de publicidade durante filmes e séries.
- Planos sem anúncios: preço maior, preservando a experiência original do assinante antigo.
- Transparência: comunicação clara sobre o que muda, sem impor tarifa extra para manter o que já foi contratado.
Pressão em Goiás e possível efeito cascata
A polêmica chegou a outros tribunais. Em maio, a Justiça de Goiás concedeu liminar em ação civil pública movida pelo Ministério Público estadual para suspender os anúncios no Prime Video, entendendo que houve alteração unilateral de contrato. A medida previa multa em caso de descumprimento.
A Amazon conseguiu derrubar a liminar, e o debate sobre a legitimidade da ação seguiu no tribunal. O julgamento de mérito ainda aguarda decisão. O desfecho em Goiás pode influenciar ações coletivas e individuais no país.
Por que o caso interessa a você
Se você paga por um serviço com determinadas condições e a empresa muda a regra para cobrar mais pelo mesmo padrão, há margem para contestação. A decisão baiana não cria jurisprudência vinculante, mas serve de referência prática para consumidores que se sentiram lesados.
Indenização individual não substitui a obrigação de prestar o serviço conforme contratado; ela corrige o dano, mas não resolve a raiz do problema.
O que você pode fazer agora
- Guarde provas: registros de tela, e-mails, termos de uso e a data em que os anúncios começaram a aparecer.
- Reclame nos canais oficiais: protocole no atendimento do serviço e anote números de protocolo.
- Acione o Procon da sua cidade: peça orientação e formalize a queixa sobre alteração contratual.
- Busque o Ministério Público: quando há impacto coletivo, o MP pode promover ação civil pública.
- Use o Juizado Especial Cível: para valores de até 20 salários mínimos, é possível ingressar sem advogado.
- Peça cancelamento sem multa: quando há mudança unilateral, o consumidor pode encerrar o contrato sem penalidade.
- Reivindique reembolso proporcional: se a experiência foi reduzida, solicite abatimento ou devolução parcial.
Impactos para o mercado de streaming
Empresas migraram para modelos híbridos por pressão de custos e competição por conteúdo. O plano com anúncios impulsiona receita publicitária, enquanto o plano premium preserva a margem com base em quem aceita pagar mais. O risco aparece quando a mudança recai sobre contratos vigentes sem contraprestação clara.
Para reduzir conflitos, plataformas tendem a adotar estratégias graduais: criar um novo degrau de preço com comerciais, manter o plano atual como referência e oferecer vantagens concretas a quem ficar. Comunicação objetiva e consentimento explícito reduzem litígios e preservam a confiança do assinante.
Detalhes que ajudam a avaliar seu caso
Perguntas que você deve responder
- Quando você assinou e que condições estavam descritas no contrato?
- Havia promessa de conteúdo sem anúncios no momento da contratação?
- A empresa ofereceu alternativa sem custo adicional para manter a experiência original?
- Você foi informado de forma clara e com antecedência razoável sobre a mudança?
Quanto mais objetiva for a resposta a essas perguntas, mais fácil fica demonstrar que a alteração causou desequilíbrio contratual. Documentos e prints com datas reforçam a narrativa e ampliam as chances de êxito em reclamações administrativas e judiciais.
O que observar nas próximas semanas
O recurso da Amazon na Bahia e o julgamento do caso em Goiás podem calibrar a postura dos tribunais. A depender do resultado, plataformas podem rever a mecânica de transição para planos com anúncios. Consumidores devem acompanhar comunicados de alteração de termos e comparar se o que foi prometido na adesão permanece válido.
Se você cogita manter o serviço sem publicidade, avalie o custo agregado de R$ 10 por mês ao longo do ano e compare com a concorrência. Em alguns cenários, migrar de plano ou de plataforma gera economia sem perder as séries e filmes que você mais assiste.


