Quem usa antidepressivos convive com desconfortos digestivos e dúvidas constantes. Novas pistas vindas do laboratório começam a mexer com expectativas.
Pesquisadoras brasileiras simularam o ambiente intestinal humano para avaliar se probióticos ajudam quem toma inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). O objetivo foi medir impactos na microbiota, na inflamação e em substâncias ligadas ao bem-estar cerebral.
O que o estudo encontrou
Em um modelo que reproduz as condições reais do trato gastrointestinal, as cepas Lactobacillus helveticus R0052 e Bifidobacterium longum R0175 mostraram efeito restaurador sobre a microbiota. Houve estímulo ao crescimento de bactérias benéficas e redução de microrganismos oportunistas associados à disbiose.
O ambiente simulado também passou a produzir mais ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), moléculas que nutrem as células do intestino e participam da integridade da barreira intestinal e da barreira hematoencefálica. Ao mesmo tempo, marcadores de inflamação e íons de amônia, tóxicos em excesso, diminuíram.
Com duas cepas específicas, o ecossistema intestinal simulado gerou mais AGCC, menos compostos tóxicos e sinal de inflamação mais baixo.
Essas mudanças importam porque a comunicação entre intestino e cérebro — o eixo cérebro-intestino — interfere no humor, na ansiedade e na resposta a medicamentos psiquiátricos. Quando a barreira intestinal funciona melhor, substâncias inflamatórias circulam menos e o cérebro recebe sinais mais equilibrados.
Como a pesquisa foi feita
O time liderado por Katia Sivieri (Unesp/Uniara) e pela psiquiatra Marina Toscano (Uniara) utilizou o sistema SHIME®, uma plataforma validada que simula o pH, a temperatura e a ação de enzimas ao longo do intestino humano. Foram usadas amostras fecais de quatro pessoas em uso contínuo de sertralina ou escitalopram há mais de um ano. A intervenção probiótica durou 14 dias.
Trata-se de um estudo pré-clínico. Não houve administração direta dos probióticos em pacientes. Mesmo assim, o SHIME® costuma reproduzir com alta fidelidade o que se observa no corpo humano, o que encoraja a realização de ensaios clínicos controlados.
- Condições simuladas: pH intestinal, temperatura fisiológica e presença de enzimas digestivas.
- Amostras analisadas: microbiota fecal de usuários de ISRS (sertralina e escitalopram).
- Duração da intervenção: 14 dias com as cepas L. helveticus R0052 e B. longum R0175.
| Parâmetro observado | Antes da intervenção | Após intervenção probiótica |
|---|---|---|
| Equilíbrio da microbiota | Desequilíbrio associado a uso prolongado de ISRS | Maior presença de bactérias benéficas |
| Ácidos graxos de cadeia curta | Produção reduzida | Produção aumentada |
| Íons de amônia | Níveis mais altos | Níveis mais baixos |
| Citocinas inflamatórias | Expressão elevada | Expressão reduzida |
Por que isso interessa a quem toma ISRS
ISRS, como sertralina e escitalopram, figuram entre os tratamentos mais prescritos para depressão e ansiedade. O uso contínuo pode alterar a composição da microbiota, favorecer a permeabilidade intestinal e intensificar processos inflamatórios, o que repercute no humor e na tolerabilidade aos medicamentos.
Ao reequilibrar o ecossistema intestinal, os probióticos estudados tendem a reduzir a inflamação sistêmica e a melhorar a sinalização de neurotransmissores — entre eles o GABA, relevante para ansiedade. Isso abre espaço para uma abordagem adjuvante: manter o tratamento psiquiátrico e, ao mesmo tempo, cuidar do intestino.
Menos inflamação e uma barreira intestinal mais íntegra podem favorecer a resposta emocional e a aderência ao tratamento.
Quem pode se beneficiar
Pessoas que usam ISRS e percebem desconfortos gastrointestinais — gases, distensão, dores, alteração do hábito intestinal — podem discutir a estratégia probiótica com profissionais de saúde. Os produtos costumam ser bem tolerados, mas quadros de imunossupressão, doenças graves, gestação e infância pedem avaliação individual.
O que ainda falta
Ensaios clínicos em humanos precisam confirmar dosagem, duração, segurança prolongada e magnitude do benefício. Também falta comparar diferentes cepas, checar se há ganhos adicionais com dietas ricas em fibras e medir desfechos clínicos, como sintomas gastrointestinais e escalas de depressão e ansiedade.
Hábitos que reforçam o cuidado intestinal
Pequenos ajustes de rotina potencializam os efeitos dos probióticos e reduzem recidivas de disbiose. A combinação de alimentação, sono e movimento dá suporte à microbiota e ajuda a estabilizar o humor.
- Priorize fibras: frutas, verduras, legumes, feijões, aveia e banana pouco madura alimentam bactérias benéficas.
- Inclua fermentados bem tolerados: iogurte, kefir e chucrute podem somar na diversidade microbiana.
- Reduza ultraprocessados, álcool, açúcar e gorduras em excesso, que favorecem inflamação.
- Hidrate-se ao longo do dia; água auxilia o trânsito intestinal.
- Mantenha sono regular; noites mal dormidas desorganizam a microbiota.
- Pratique atividade física leve a moderada; movimento regula o intestino e melhora o humor.
Como escolher um probiótico com mais critério
Observe no rótulo a identificação das cepas (incluindo código, como R0052 e R0175), a quantidade de UFC por dose e as orientações de armazenamento. Cepas diferentes fazem coisas diferentes; nome científico completo e código garantem rastreabilidade científica.
Sinergias com prebióticos (fibras que alimentam as bactérias, como inulina e FOS) podem ampliar o efeito. Ajuste a dieta, mantenha o acompanhamento médico e não substitua o tratamento antidepressivo por suplementos.
O que esperar nos próximos meses
Novos estudos clínicos devem avaliar o uso das mesmas cepas em pessoas que tomam sertralina ou escitalopram. A meta é confirmar se o alívio intestinal vem acompanhado de melhora emocional, e por quanto tempo os efeitos se mantêm após o fim da suplementação.
Enquanto os resultados não chegam, a mensagem prática é clara: cuidar do eixo cérebro-intestino faz diferença. Dieta rica em fibras, rotina organizada e probióticos com cepas bem definidas compõem um caminho promissor para quem convive com antidepressivos.


