Uma manhã de tensão mudou a rotina de um bairro tranquilo. Máquinas, uniformes e celulares erguidos definiram os próximos passos.
Moradores da Lapa, na zona oeste de São Paulo, se reuniram diante do Bosque dos Salesianos após a chegada de equipes de obra e advogados da incorporadora. O corte de árvores previsto para abrir espaço a um condomínio acendeu um embate que exigiu presença da Guarda Civil Metropolitana e expôs um impasse jurídico ainda sem desfecho final.
Protesto cresce na Lapa
O encontro começou cedo na Rua Sales Júnior. Às 10h30, a chegada de representantes da construtora elevou os ânimos. Moradores tentaram filmar o trabalho e cobrar explicações. O barulho de motosserras trouxe urgência. A GCM enviou cinco viaturas e uma equipe ambiental para evitar escalada do conflito.
Quem vive perto do bosque relata preocupação com perda de sombra, aumento de calor e risco de alagamento. Famílias levaram cartazes e contaram árvores marcadas com tinta. Um biólogo que acompanhava o ato alertou para o período de primavera, quando aves e insetos se reproduzem e usam copas e cavidades das árvores.
O centro da disputa se resume a duas frases: a empresa afirma ter autorizações vigentes; o Ministério Público questiona a legalidade e pede suspensão até decisão final.
O que está sendo cortado
Moradores dizem que mais de 100 árvores nativas, algumas centenárias, entraram na lista de supressão. A incorporadora contesta a dimensão do impacto e sustenta que parte significativa do manejo envolve espécies exóticas ou indivíduos mortos.
O que cada lado afirma
- Moradores: pedem a preservação do Bosque dos Salesianos e transparência sobre número, espécie e justificativa de cada supressão.
- Biólogos e ativistas: apontam a estação reprodutiva da fauna e defendem perícia independente de ninho, oco e epífitas.
- Construtora Tegra: diz cumprir critérios técnicos da Secretaria do Verde, manter 66 árvores nativas, plantar mais de 500 mudas e financiar a revitalização de quatro praças no entorno, com investimento superior a R$ 1 milhão.
- Prefeitura de São Paulo: afirma que o manejo segue base técnica e legal, com Termo de Compromisso Ambiental em vigor e alvarás de aprovação e execução do empreendimento.
- Ministério Público: recorreu à Justiça para barrar cortes, defendendo o bosque como patrimônio ambiental; o caso aguarda julgamento em segunda instância.
TCA nº 463/2025 autoriza o manejo de 118 árvores, das quais 92 constam como invasoras, exóticas ou mortas, e prevê compensação de 1.799 mudas nativas na região.
Qual é a situação jurídica
A Promotoria do Verde moveu ação e obteve decisões liminares alternadas. O secretário municipal do Verde e Meio Ambiente, Rodrigo Kenji de Souza Ashiuchi, assinou o TCA que embasa as autorizações. A Procuradoria do município diz que não há decisão que impeça intervenções hoje. O MP recorreu e aguarda julgamento em segunda instância. Enquanto isso, o canteiro avança.
Os cortes acontecem sob litígio. A ausência de decisão definitiva cria risco de danos irreversíveis antes do veredito.
Linha do tempo do dia do protesto
| Horário | Fato relevante |
|---|---|
| Manhã | Moradores se reúnem na Rua Sales Júnior e iniciam ato. |
| 10h30 | Advogados da incorporadora chegam; discussão aumenta. |
| Em seguida | GCM comparece com cinco viaturas e equipe ambiental. |
| Ao longo do dia | Equipes registram cortes e catalogam árvores marcadas. |
O que está em jogo para o bairro
Impactos ambientais e urbanos
O Bosque dos Salesianos funciona como refúgio climático. Árvores maduras reduzem temperatura, filtram poluição e absorvem água da chuva. Em dias quentes, a copa quebra a radiação e alivia o estresse térmico em ruas estreitas. A supressão pode elevar o efeito de ilha de calor e pressionar a drenagem de galerias.
A fauna urbana também perde. Tucanos, sabiás e maritacas usam ocos e galhos para ninho. Sem essas estruturas, aves migram ou interrompem ciclos reprodutivos. Espécies exóticas competem com nativas por luz e espaço; ao removê-las, técnicos costumam priorizar o equilíbrio ecológico. A divergência nasce de como classificar cada indivíduo e de quais nativas, especialmente as antigas, merecem preservação integral.
Compensação prometida: como funciona
O TCA define obrigações ambientais. No papel, a compensação precisa ultrapassar a perda, tanto em número de mudas quanto em diversidade. A prefeitura cita 1.799 mudas nativas para plantio na região. A empresa anuncia mais de 500 mudas em seu cronograma e obras em quatro praças, com recursos próprios. Os números podem coexistir: parte da compensação compõe o TCA; outra parte entra como contrapartida urbanística do empreendimento.
Plantio, porém, não substitui instantaneamente uma árvore madura. Muda leva anos para sombrear calçadas, abrigar ninhos e captar carbono em escala. O acompanhamento técnico após o plantio decide o sucesso: irrigação, tutoramento, replantio se houver mortalidade e seleção de espécies adequadas ao solo e à calçada.
Como acompanhar e agir legalmente
Moradores podem pedir acesso aos laudos que baseiam o manejo, com identificação por espécie, diâmetro e estado fitossanitário. Protocolos administrativos permitem contestar dados e sugerir alternativas, como transplante e microajustes de projeto para salvar indivíduos de grande porte.
- Peça o mapa das árvores a suprimir, preservar e transplantar, com numeração e coordenadas.
- Solicite o plano de compensação: espécies, locais de plantio e cronograma de manutenção.
- Registre ocorrências com fotos datadas e georreferenciadas para subsidiar perícias.
- Participe das audiências públicas e do conselho regional de meio ambiente.
- Procure a Promotoria do Verde para encaminhar denúncias documentadas.
Termos que você vai ouvir no debate
- Termo de Compromisso Ambiental (TCA): acordo que fixa obrigações e metas de compensação ambiental para viabilizar a obra.
- Espécie exótica ou invasora: planta que não pertence ao bioma local e pode desequilibrar a flora nativa.
- Manejo arbóreo: conjunto de ações sobre árvores, que inclui poda, transplante e supressão com justificativa técnica.
- Compensação: plantio e manutenção de novas árvores, recuperação de áreas verdes e melhoria de praças e calçadas.
Números que orientam o conflito: 118 árvores sob manejo no TCA 463/2025; 66 nativas preservadas dentro do projeto; 1.799 mudas nativas de compensação; revitalização de quatro praças anunciada.
Riscos e caminhos possíveis
Seguir com cortes sem decisão final cria risco de dano permanente. Uma perícia de fauna em período reprodutivo reduz impactos. Ajustes de projeto podem preservar árvores estruturais, como exemplares centenários. A compensação ganha força quando inclui diversidade de espécies, monitoramento por três anos e plantio em áreas carentes de sombra, como pontos de ônibus e rotas escolares.
Para o bairro, a discussão não se limita ao terreno. O resultado orienta como São Paulo equilibra novos empreendimentos, clima urbano e memória ambiental. A resposta jurídica definirá o padrão para futuros projetos que tocam áreas verdes em regiões densas como a Lapa.


