Queijo serrano em jogo: você aceita 30 dias a 12,5°C, menos fungos e vendas rápidas, ou mantém 60?

Queijo serrano em jogo: você aceita 30 dias a 12,5°C, menos fungos e vendas rápidas, ou mantém 60?

Enquanto o frio avança nos Campos de Cima da Serra, um debate silencioso nas queijarias pode mudar sua próxima compra.

Um estudo conduzido por equipes da USP e da UFRGS comparou temperaturas de maturação do Queijo Artesanal Serrano e expôs escolhas difíceis. Os dados indicam riscos em ambientes frios, ganhos ao elevar o calor e um caminho para encurtar o tempo de espera sem perder identidade. A decisão mexe com famílias produtoras, comércios locais e com o que chega à sua mesa.

O que muda com a temperatura

O queijo serrano nasce do leite cru recém-ordenhado e carrega uma microbiota própria. A pesquisa avaliou três cenários de maturação — 5°C, 12,5°C e 20°C — durante 60 dias, com coletas quinzenais. Em 5°C, apareceram microrganismos potencialmente patogênicos. Em 12,5°C e 20°C, a comunidade microbiana se equilibrou e Lacticaseibacillus casei ganhou terreno. Essa bactéria beneficia o processo ao suprimir patógenos e conservar características sensoriais. Os fungos também diminuíram de forma significativa nas temperaturas mais altas.

Temperaturas controladas a partir de 12,5°C favoreceram a estabilidade microbiana e reduziram a presença de agentes indesejados.

O retrato microbiano

O mapeamento genético por metabarcoding revelou um ecossistema complexo. Entre as bactérias, predominaram Proteobacteria, Firmicutes e Actinobacteria. Nos fungos, apareceram Ascomycota e Basidiomycota. Em 12,5°C e 20°C, o protagonismo de L. casei moldou o amadurecimento, ampliando a segurança e preservando textura e aroma. Em 5°C, o frio prolongado não conteve riscos; ao contrário, favoreceu perfis microbianos menos desejáveis.

Frio demais não é sinônimo de proteção: ele pode selecionar exatamente o que o produtor quer evitar.

Clima, lei e a vida real das famílias

No Brasil, a regra nacional pede maturação acima de 5°C por, no mínimo, 60 dias. No Rio Grande do Sul, maturar em temperatura ambiente é permitido. Só que o ambiente dos Campos de Cima da Serra varia. O inverno pode rondar 5°C, enquanto o verão fica em torno de 14°C, com extremos que vão de -10°C a 28°C. Essa oscilação complica padronizações e impacta algo muito concreto: renda e previsibilidade de quem fabrica.

Estimativas citam cerca de 1,5 mil famílias envolvidas com o queijo serrano apenas no RS. Muitas maturam em quartos simples, sem controle térmico. Nesse cenário, padronizar processo, encurtar prazos e blindar a segurança do alimento exige investimento em infraestrutura e assistência técnica.

  • Temperaturas testadas: 5°C, 12,5°C e 20°C.
  • Tempo de maturação analisado: 60 dias, com coletas a cada 15 dias.
  • Método de análise: metabarcoding para mapear a diversidade microbiana.
  • Achado-chave: 12,5°C e 20°C reduziram fungos e favorecem L. casei.
  • Proposta técnica: permitir venda a partir de 30 dias, com controle mínimo de 12,5°C.
  • Desafio produtivo: sala climatizada, boas práticas de ordenha e fabricação.

Impacto direto no bolso

Reduzir o tempo mínimo de 60 para 30 dias, sob controle de 12,5°C, destrava capital de giro e alinha oferta à demanda de épocas turísticas. Para chegar lá, produtores precisam câmaras com controle de temperatura, registros de maturação e rotina de higiene mais exigente. Custa caro. Sem crédito e capacitação, a mudança estaciona na teoria.

Financiamento orientado e assistência técnica contínua constroem padronização, qualidade e renda estável para as famílias.

Como pode ficar a nova regra

Os pesquisadores defendem encurtar a maturação para 30 dias quando a temperatura mínima controlada ficar em 12,5°C, somando boas práticas de produção. Em dias frios, a câmara evita quedas perigosas. Em ondas de calor, impede picos que deformam a textura e aceleram fermentações indesejadas. A fiscalização pode focar em temperatura, registros, qualidade do leite cru e histórico sanitário do rebanho.

Temperatura de maturação Tempo sugerido Risco de patógenos Efeito esperado no sabor
5°C ≥60 dias Elevado, segundo as análises Perfis irregulares, maior instabilidade
12,5°C 30–60 dias Baixo, com L. casei dominante Equilíbrio entre aroma, corpo e casca
20°C 30–60 dias Baixo, sob controle rigoroso Notas mais intensas e casca firme

O que o consumidor pode fazer agora

Quem compra pode pressionar por qualidade com escolhas simples. Prefira queijos com identificação de origem, data de fabricação, indicação do lote e condições de conservação. Peça informações sobre a maturação e observe integridade da casca, ausência de odores agressivos e textura coerente com o tipo. Em feiras, busque produtores com certificações e rotinas de controle conhecidas.

Perguntas que você pode fazer ao vendedor

  • Qual foi a temperatura de maturação e por quantos dias?
  • O leite vem de rebanho com controle de brucelose e tuberculose?
  • Há registro de lote e data de início da maturação?
  • Onde o queijo foi maturado: câmara controlada ou ambiente natural?
  • Qual a orientação para armazenar em casa e por quanto tempo?

Como a ciência mediu isso

O estudo trabalhou com cinco peças de 500 gramas em cada temperatura e coletou amostras a cada 15 dias. O metabarcoding, técnica baseada em DNA, mapeou quem está presente no queijo ao longo do tempo. Dessa forma, os pesquisadores enxergaram a troca de comando entre microrganismos e ligaram o comportamento do consórcio microbiano ao risco sanitário e ao perfil sensorial.

Por que L. casei importa

Lacticaseibacillus casei atua como uma guardiã. Essa bactéria acidifica o meio, libera compostos que inibem patógenos e ajuda a desenvolver aroma e textura. Quando ela domina, tende a sobrar menos espaço para microrganismos problemáticos e fungos oportunistas.

O que vem pela frente para os produtores

Padronização não se faz só com termômetro. Exige plano de capacitação, assistência técnica na propriedade e linhas de crédito específicas para câmaras, prateleiras, revestimentos laváveis e sistemas de registro. A organização coletiva pode reduzir custos com compras compartilhadas e auditorias. A legislação já avançou para o serrano e serve de referência para o colonial, mas a regularidade do campo até a prateleira precisa ganhar escala.

Para quem lida com leite cru, boas práticas na ordenha definem o ponto de partida: higiene do teto, água analisada, equipamentos sanitizados e resfriamento adequado do leite antes da fabricação quando necessário. Sem isso, a melhor câmara não compensa o risco. Já no varejo, comunicação clara sobre temperatura e tempo de maturação ajuda a educar o público e valorizar a tradição com segurança.

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