Faixas no céu, verão lotado e um embate que ressurge anos depois. O debate sobre limites da fala volta ao radar.
A Primeira Câmara de Direito Civil do TJSC determinou que Luciano Hang pague indenização a Luiz Inácio Lula da Silva por mensagens ofensivas exibidas por aviões em praias catarinenses no verão de 2019 para 2020. A decisão recoloca no centro da discussão a fronteira entre crítica política e ataque à honra.
O que decidiu a justiça
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou o empresário, dono da rede Havan, ao pagamento de 33 mil reais por danos morais ao presidente. Para o colegiado, os dizeres veiculados em faixas aéreas não tinham interesse público e atingiram diretamente a honra do alvo. A corte reformou sentença de 1ª instância que havia rejeitado o pedido sob o argumento de que pessoas públicas devem suportar críticas mais duras.
Os desembargadores afirmaram que a liberdade de expressão tem limites e não autoriza humilhação pública nem imputações degradantes.
O relator, desembargador Flávio André Paz de Brum, apontou que a campanha extrapolou o campo da crítica política e produziu efeito de constrangimento coletivo, num cenário de praias cheias e alta visibilidade.
Por que o valor foi fixado em 33 mil reais
O “quantum” do dano moral considera gravidade, alcance, repetição e a capacidade econômica das partes. No caso, os magistrados ponderaram o caráter ofensivo das frases, o meio de divulgação de grande alcance e o contexto político. A cifra busca desestimular práticas semelhantes sem gerar enriquecimento indevido.
Indenização por ofensa à honra leva em conta o impacto social do ato, e não apenas a dor íntima de quem sofre o ataque.
Correção monetária e juros podem incidir conforme critérios definidos no acórdão e nas regras processuais aplicáveis.
Como foi a campanha nas praias
No auge do verão, quando Lula havia deixado a prisão em Curitiba, aviões sobrevoaram trechos do litoral catarinense com mensagens provocativas contratadas por Luciano Hang, apoiador declarado de Jair Bolsonaro. As faixas foram vistas por milhares de banhistas.
- “Lula cachaceiro devolve meu dinheiro”
- “Lula na cadeia, eu com o pé na areia”
- “Melhor que o verão é o Lula na prisão”
- “Lula enjaulado é Brasil acordado”
As frases reforçavam um enredo de ataque pessoal, não circunscrito a debate programático. O formato publicitário, contínuo e em espaço aberto, ampliou a repercussão.
Contexto político da época
A soltura de Lula ocorreu no fim de 2019, após mudança de entendimento sobre execução provisória da pena. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal anulou condenações e reconheceu a suspeição do então juiz Sergio Moro em casos envolvendo o petista. O ambiente político seguia polarizado, o que contribuiu para intensificar atos de hostilidade pública.
Da negativa em 1ª instância ao revés no colegiado
Em abril de 2023, a Justiça de 1º grau rejeitou o pedido de indenização por entender que figuras públicas estão mais expostas a críticas duras. A defesa de Lula recorreu e sustentou que a ação publicitária ultrapassou a crítica e descambou para ofensa à honra e à imagem.
| Etapa | Órgão | Resultado |
|---|---|---|
| Verão 2019/2020 | Litoral de SC | Aviões exibem faixas ofensivas contra Lula |
| Abril de 2023 | 1ª instância | Pedido de dano moral negado |
| Julgamento em colegiado | TJSC (1ª Câmara de Direito Civil) | Indenização fixada em R$ 33 mil |
| Próximos passos | Tribunais | Cabe recurso |
A decisão reconhece que crítica contundente é legítima; campanha que humilha e rotula, não.
O que pode acontecer agora
A defesa do empresário pode apresentar embargos de declaração ao próprio colegiado, e depois buscar recursos aos tribunais superiores em pontos infraconstitucionais (STJ) ou constitucionais (STF). O valor pode ser mantido, reduzido ou majorado, a depender do desfecho recursal. Enquanto isso, a parte vencedora pode avaliar a execução provisória, conforme as condições do processo.
Impacto para quem usa publicidade provocativa
Marcas, influenciadores e figuras políticas recorrem a mensagens “fortes” para ganhar atenção. O caso sinaliza riscos jurídicos quando a comunicação personaliza ataques ou insinua crime sem prova. Além do custo financeiro, há dano reputacional e possível responsabilização em ações múltiplas movidas por alvos diferentes.
- Evite personalizar a crítica em termos degradantes.
- Não atribua crime sem respaldo em decisão judicial transitada em julgado.
- Contextualize a mensagem para informar, e não humilhar.
- Reveja campanhas com equipes jurídica e de compliance antes de veicular.
Como a justiça separa crítica e ofensa
O ordenamento protege a liberdade de expressão (artigo 220 da Constituição), mas também a honra e a imagem das pessoas (artigo 5º, X). A linha divisória surge quando a manifestação deixa de apontar fatos e ideias, e passa a reforçar estigmas, apelidos pejorativos ou acusações difamatórias. Veículos e meios de alto alcance intensificam a gravidade.
Jurisprudência costuma considerar:
- Conteúdo e tom da mensagem: crítica de interesse público versus ataque pessoal.
- Meio e alcance: rede social, mídia tradicional, publicidade dirigida, ato em massa.
- Reiteração e propósito: provocação episódica ou campanha contínua para constranger.
- Prova do dano: na ofensa à honra, o dano moral pode ser presumido em certas situações.
Fatores que pesam no bolso
Ao fixar valores, juízes buscam equilíbrio entre compensação e caráter pedagógico. Capacidade econômica do ofensor, repercussão social e reiteração do ato influenciam o montante. Quando há pessoa pública envolvida, a crítica exige amplitude; mesmo assim, o direito não legitima campanhas que humilham.
O que este caso ensina para o debate público
Campanhas que transformam adversários em caricaturas fazem barulho, mas empobrecem o debate e expõem seus autores a condenações. A decisão do TJSC envia recado a quem aposta em publicidade agressiva: o direito de falar não se confunde com o direito de ofender.
Para quem atua em comunicação política, vale considerar práticas de mitigação de risco. Simule cenários com alternativas de linguagem, teste percepções com amostras de público e avalie o impacto jurídico de cada peça. Mensagens firmes podem sustentar o argumento sem reduzir pessoas a rótulos.


