Em meio a obras e promessas de progresso, moradores da Grande São Paulo veem áreas verdes sumirem e cobram transparência das autoridades.
Em Ribeirão Pires, na borda de áreas de mananciais que abastecem milhões, alertas recentes expõem uma escalada nos cortes de vegetação nativa. O monitoramento do governo paulista aponta derrubadas irregulares em ritmo preocupante, e o debate local esquenta: desenvolvimento ou risco às águas e ao bem-estar coletivo?
Salto no desmatamento e o que mostram os dados
O monitoramento ambiental do Estado registra um aumento de dez vezes nas derrubadas em Ribeirão Pires ao longo dos últimos seis anos. Os números variam ano a ano, mas a pressão não arrefece. Em 2025, mesmo sem o fim do calendário, o município já soma 5,09 hectares suprimidos de forma irregular — área semelhante a cinco campos de futebol.
| Ano | Área desmatada (ha) |
|---|---|
| 2019 | 0,51 |
| 2020 | 0,11 |
| 2021 | 0,66 |
| 2022 | 14,97 |
| 2023 | 3,57 |
| 2024 | 3,68 |
| 2025 | 5,09 |
Em seis anos, Ribeirão Pires saiu de 0,51 hectare para picos de quase 15 hectares derrubados em um único ano.
Os dados revelam uma dinâmica de serras e vales. Há picos irregulares, mas a tendência recente não aponta recuperação consistente da cobertura vegetal nativa. Para 2025, a metragem acumulada já supera os totais de 2023 e 2024, o que acende um sinal amarelo para a proteção de encostas, nascentes e áreas úmidas do município.
Em 2025, o total já equivale a cinco campos de futebol, medição que ajuda o morador a enxergar o tamanho da perda.
Área de mananciais e a lei
Grande parte do território de Ribeirão Pires integra zonas de proteção e recuperação de mananciais, onde a supressão de vegetação nativa exige autorização formal. Antes do corte, técnicos precisam caracterizar a cobertura, identificar espécies, grau de conservação e justificar a intervenção. Quando a supressão se mostra inevitável, a legislação prevê compensação ambiental, que pode incluir plantio de mudas nativas e recuperação de áreas degradadas.
Sem essa autorização, a derrubada configura infração ambiental com risco de multas, embargos e responsabilização civil e criminal. A regra vale tanto para empreendimentos privados quanto para obras públicas e de concessionárias. O objetivo é proteger a qualidade da água que abastece a Região Metropolitana de São Paulo e reduzir impactos como erosão, assoreamento e enchentes.
O que dizem os órgãos locais
Conselheiros ambientais do município relatam que, em pelo menos cinco casos recentes, pedidos de remoção de árvores não chegaram ao colegiado para avaliação, um indício de falhas no fluxo de análise. A crítica mira a necessidade de mais transparência e rastreabilidade dos processos, do protocolo à compensação.
A Prefeitura afirma viver “um novo momento de desenvolvimento” e sustenta que o avanço ocorre de forma planejada e responsável. Em nota, diz ter selos de gestão sustentável, cumprir rigorosamente a legislação e manter as obras com licenças em dia. O governo municipal pontua uma exceção: uma intervenção que exibe placa da Sabesp não teria sido reconhecida pela companhia, e o imóvel ligado ao caso pertenceu a um proprietário já falecido. Técnicos da Prefeitura relatam quatro idas ao endereço, sem acesso ao terreno, e prometem continuidade das ações de fiscalização.
Pressões do crescimento urbano
A cidade vive a colisão entre demanda por moradia, expansão de infraestrutura e a obrigação de proteger mananciais. Loteamentos pequenos, aberturas de vias sem estudos e ligações clandestinas costumam funcionar como gatilhos de supressão. O resultado aparece nos dados: picos de derrubada em anos de maior pressão imobiliária e de obras com impacto imediato.
- Intervenções legais exigem licenças ambientais e de obras antes de qualquer corte.
- Supressão sem plano de compensação tende a acelerar erosão e assoreamento.
- Áreas declivosas, comuns em Ribeirão Pires, pedem manejo de solo e drenagem.
- Monitoramento por satélite identifica aberturas de clareiras em poucos dias.
Impactos para quem mora na região
O morador sente os efeitos. A retirada da mata reduz a capacidade de infiltração da água, intensifica enxurradas e carrega sedimentos para córregos. A lama chega a ruas e casas, a temperatura local sobe com menos sombra e a fauna perde abrigo. Nas áreas de captação, a turbidez da água aumenta, elevando o custo do tratamento e pressionando o abastecimento.
Bairros próximos a frentes de obra irregulares convivem com ruído constante, poeira e risco de deslizamentos em períodos de chuva intensa. O preço dos imóveis pode cair quando o entorno perde qualidade ambiental. Famílias que dependem de nascentes e poços sentem mudanças no volume e na qualidade da água, principalmente no fim da estiagem.
Cada hectare derrubado em área de manancial compromete serviços ambientais que sustentam o abastecimento e a segurança das encostas.
Como acompanhar, denunciar e agir
Moradores e proprietários conseguem reduzir riscos quando conferem a documentação antes que a motosserra chegue. A checagem evita multas, embargos e retrabalho.
- Verifique certidão de uso e ocupação do solo e o zoneamento do lote.
- Peça a autorização de supressão de vegetação e o projeto de compensação.
- Consulte o Conselho Municipal de Meio Ambiente sobre processos em análise.
- Envie denúncias com fotos, localização e datas à Prefeitura, à Polícia Militar Ambiental e ao Ministério Público.
- Em obras públicas, exija a exposição da licença ambiental e o número do processo.
O que representam 5 hectares na prática
Cinco hectares equivalem a cerca de 50 mil metros quadrados. Em áreas com mata atlântica secundária, isso pode significar a perda de milhares de árvores de diferentes estágios. Para restaurar um trecho desse tamanho, projetos de reflorestamento costumam prever de 1.600 a 3.300 mudas por hectare, a depender do modelo. O esforço de plantio, manutenção e replantio pode levar de três a cinco anos até a cobertura fechar e frear a erosão.
Compensação ambiental bem feita
A compensação só cumpre seu papel quando nasce de diagnóstico técnico. O projeto precisa combinar espécies nativas, cercamento, controle de formigas, manutenção periódica e metas de sobrevivência de mudas. Medidas complementares, como bacias de infiltração e curvas de nível, reduzem o carreamento de sedimentos e protegem córregos próximos. Em áreas urbanas, soluções de infraestrutura verde — jardins de chuva e pavimentos permeáveis — ajudam a equilibrar o microclima e a drenagem.
A agenda de obras no ABC pode avançar sem sacrificar mananciais quando segue o roteiro legal, garante transparência nos processos e entrega compensações que funcionam no campo. A cidade ganha quando o morador acompanha, quando o empreendedor licencia corretamente e quando o poder público fiscaliza de forma contínua, com dados abertos e resposta rápida a irregularidades.


