Uma sequência de decisões e atrasos médicos mudou o destino de uma jovem gaúcha. Famílias de todo o país se perguntam quais alertas o sistema ignorou e como evitar novas perdas.
Damaris Vitória Kremer da Rosa, 26 anos, saiu da prisão após seis anos e ganhou a liberdade completa em agosto. Dois meses depois, morreu em Santa Catarina, após enfrentar um câncer de colo do útero diagnosticado tardiamente. O caso expõe falhas de atendimento em ambiente prisional e decisões judiciais que geraram controvérsia entre defesa, Ministério Público e Judiciário.
Quem era Damaris e como o caso começou
Damaris foi presa em 2019, em Salto do Jacuí (RS), acusada de atrair Daniel Gomes Soveral para uma emboscada em 2018. O Ministério Público do Rio Grande do Sul sustentou essa versão na denúncia.
A defesa narrou um contexto diferente. Segundo os advogados, o então namorado de Damaris cometeu o homicídio após ela relatar ter sido estuprada por Daniel. O processo seguiu em prisão preventiva, sem provas diretas que ligassem a jovem à execução do crime, conforme a defesa.
Seis anos sob prisão preventiva. Absolvição em agosto. Morte em 27 de outubro. A cronologia virou ferida aberta para familiares e leitores.
Os primeiros sinais ignorados
Enquanto cumpria pena no presídio feminino de Rio Pardo, em 2024, Damaris relatou sangramento vaginal e dor intensa no baixo-ventre. A Brigada Militar a levou diversas vezes ao hospital. Ela recebeu analgésicos potentes, sem investigação aprofundada, segundo a defesa.
Em novembro de 2024, um laudo anexado ao processo descreveu uma “imagem indeterminada” no aparelho reprodutor. O documento classificou a alteração como não grave. O encaminhamento seguinte priorizou atendimento psiquiátrico e nova troca de medicação para controle da dor.
O diagnóstico que veio tarde
Somente em março de 2025, após novo pedido de escolta médica, uma avaliação ginecológica externa realizou o exame que revelou um câncer de colo de útero em estágio avançado. O relato aponta que o toque ginecológico rompeu uma bolsa de sangue e evidenciou a gravidade do quadro.
Sangramento vaginal persistente exige avaliação ginecológica com exame físico, imagem adequada e, quando indicado, biópsia direcionada.
Decisões judiciais e posições oficiais
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul informou ter analisado três pedidos de soltura. Em 2023, a Justiça negou a revogação da preventiva, assim como o TJRS e o STJ. Em novembro de 2024, a defesa voltou a pedir liberdade por motivo de saúde. A corte rejeitou, alegando falta de comprovação clínica, com documentos limitados a receituários.
Em 18 de março de 2025, a Justiça converteu a prisão em domiciliar diante do diagnóstico de neoplasia maligna do colo do útero. O monitoramento eletrônico foi autorizado. Em abril, Damaris iniciou quimioterapia e radioterapia em Santa Cruz do Sul e, depois, no Hospital Regional de Rio Pardo. A Justiça também permitiu que ela ficasse na casa da mãe, em Balneário Arroio do Silva (SC), e se deslocasse para consultas oncológicas em Criciúma.
O Ministério Público afirmou que a soltura ocorreu no momento em que a doença foi comprovada nos autos. Em agosto de 2025, o Tribunal do Júri absolveu Damaris de todas as acusações. Em 27 de outubro, a família a sepultou no Cemitério Municipal de Araranguá (SC).
- 2018: homicídio de Daniel Gomes Soveral em Salto do Jacuí (RS).
- 2019: prisão preventiva de Damaris.
- Novembro de 2024: laudo aponta “imagem indeterminada”.
- Março de 2025: diagnóstico de câncer de colo do útero e conversão para domiciliar.
- Abril de 2025: início de quimioterapia e radioterapia.
- Agosto de 2025: absolvição pelo Tribunal do Júri.
- 27 de outubro de 2025: morte e sepultamento em Araranguá (SC).
A cronologia essencial
| Data | Evento |
|---|---|
| 2018 | Homicídio de Daniel Gomes Soveral |
| 2019 | Prisão preventiva de Damaris |
| Nov/2024 | Laudo com “imagem indeterminada” |
| 18/03/2025 | Diagnóstico de neoplasia maligna e prisão domiciliar |
| Abr/2025 | Início de quimioterapia e radioterapia |
| Ag/2025 | Absolvição no júri |
| 27/10/2025 | Morte e sepultamento em Araranguá |
O que o caso revela sobre saúde no cárcere
O percurso de Damaris evidencia uma barreira frequente: a dificuldade de transformar queixas persistentes em investigação diagnóstica completa. Serviços prisionais vivem rotina de superlotação, poucos especialistas e dependência de escolta para exames. Esse arranjo atrasa diagnósticos e agrava doenças que exigem rapidez.
No câncer do colo do útero, a prevenção ocorre com vacinação contra HPV e rastreamento por Papanicolau a partir dos 25 anos, conforme protocolos nacionais. Quando a dor pélvica, o sangramento entre menstruações ou após relações surgem de forma repetida, a mulher precisa de consulta ginecológica, exame especular, citologia e, se necessário, colposcopia com biópsia. O tempo pesa no prognóstico.
Como famílias e pessoas privadas de liberdade podem agir
Parentes e defensorias podem registrar por escrito cada episódio de dor, sangramento e atendimento prestado. Esse histórico fortalece pedidos de avaliação especializada e de escolta. Unidades de saúde que recebem a pessoa custodiada devem descrever sinais de alarme e indicar exames de forma explícita no prontuário.
Documente a dor, guarde os laudos e peça encaminhamento formal para ginecologia oncológica quando os sintomas persistirem.
Perguntas que permanecem
A família questiona se decisões judiciais e o fluxo de atendimento permitiram a investigação na velocidade exigida. A nota do TJRS invoca o critério de prova para autorizar ou negar a soltura. O MPRS diz que a liberdade chegou assim que o diagnóstico foi comprovado. A divergência se concentra no intervalo entre os primeiros sinais e a confirmação do câncer.
Responsabilização e protocolos
Casos como este costumam gerar apuração interna em presídios e secretarias de saúde. Auditorias técnicas verificam prazos de atendimento, qualidade dos encaminhamentos e disponibilidade de exames. Padrões claros para sintomas ginecológicos em mulheres presas reduzem o risco de atrasos e falhas de comunicação entre segurança e saúde.
Informações úteis para o leitor
Sinais de alerta que pedem consulta médica rápida incluem sangramento vaginal fora do período, dor pélvica contínua, corrimento com odor incomum e perda de peso sem causa aparente. Pessoas com vida sexual ativa, sobretudo a partir dos 25 anos, devem realizar rastreamento periódico conforme orientação do serviço local de saúde. Quem vive em ambientes com acesso restrito, como unidades prisionais, pode acionar defensorias, ouvidorias de saúde e serviços de assistência social para garantir a marcação de exames.
Para familiares que cuidam de pacientes em tratamento oncológico, manter um calendário com datas de sessões, efeitos colaterais e contatos de emergência ajuda a organizar o cuidado e a demonstrar necessidades específicas ao poder público. Em situações de monitoramento eletrônico, é possível solicitar autorização formal para deslocamentos antevendo consultas e exames, o que evita cancelamentos e interrupções no tratamento.


