Brasília e Washington voltaram a negociar comércio agrícola. O movimento mexe com fazendas, indústrias e o preço na gôndola.
O governo brasileiro levou novas propostas aos Estados Unidos para destravar um acordo que mira a retirada de sobretaxas sobre produtos do agro. O pacote em discussão envolve concessões cruzadas e um cronograma de implementação. A equipe de Carlos Fávaro mantém o discurso de confiança, ao mesmo tempo em que preserva sigilo sobre itens sensíveis.
O que está em jogo
O objetivo central das conversas aponta para o fim do chamado “tarifaço”, um conjunto de sobretaxas que encarece vendas brasileiras no mercado americano. O foco recai sobre três frentes: carne bovina, café e pescados. A prioridade atende tanto uma pressão do campo quanto o interesse de frigoríficos e cooperativas em ampliar presença nos Estados Unidos.
Alvo do pacote: retirada da sobretaxa de 40% aplicada pelos EUA a café, carne bovina e pescados do Brasil.
De outro lado, a equipe econômica e o Itamaraty avaliam contrapartidas. A mais citada é a abertura calculada ao etanol de milho americano, hoje com tarifa de 18% para entrar no Brasil. Técnicos discutem calibragens por cota ou redução de alíquota para volumes específicos, com monitoramento de mercado.
Etanol americano e as contrapartidas
A ideia de flexibilizar a entrada do etanol dos EUA circula nas mesas de negociação. O desenho que ganha força combina uma cota anual com imposto menor dentro do volume contratado e manutenção da tarifa para o excedente. O setor sucroenergético teme perda de espaço, sobretudo nas entressafras. A área agrícola defende salvaguardas e gatilhos de revisão.
Hoje: etanol dos EUA paga 18% no Brasil. Em estudo: cota com imposto menor ou redução gradual da alíquota.
Para o governo, a troca entregaria previsibilidade aos dois lados. Exportadores brasileiros de proteína e café ganhariam acesso mais competitivo, enquanto distribuidoras e usinas nacionais acompanhariam impactos por meio de janelas de ajuste. A calibragem final depende de cenários de demanda, estoques e custos logísticos.
Prazos, clima e estratégia
O Ministério da Agricultura reporta avanços e diz já ter encaminhado propostas do setor privado. As reuniões recentes reforçaram a via diplomática. A equipe descartou acionar a lei de reciprocidade por ora, que permitiria retaliar exportações americanas. O Itamaraty aposta em ganhos graduais e em uma janela favorável para a “reta final”.
Indústria projeta queda das tarifas sobre a carne bovina brasileira em até 60 dias, se os entendimentos avançarem.
A pasta também sustenta que a diversificação de mercados ajudou a reduzir danos enquanto as conversas seguiam. O Brasil abriu ou reabriu destinos na Ásia e no Oriente Médio, o que dilui riscos e fortalece a posição de barganha com Washington.
Quem ganha e quem precisa se ajustar
- Pecuaristas e frigoríficos: destravam vendas com maior previsibilidade, reduzem custo de entrada e ganham margens nos cortes premium.
- Cafeicultores: ampliam acesso a torrefadoras americanas e tendem a capturar prêmios por qualidade, com contratos mais longos.
- Pesca e aquicultura: abrem espaço para nichos de alto valor, como tilápia processada e peixes de cultivo sustentável.
- Consumidor brasileiro: sente efeitos de forma indireta. Mais receita de exportação alivia caixa de produtores e pode moderar ciclos de preços.
- Setor de etanol: monitora concorrência em períodos de entressafra; pede salvaguardas e cotas com revisão periódica.
Quanto pode mudar no seu bolso
Quando um país remove uma sobretaxa, empresas reprecificam contratos, ajustam logística e negociam volumes. Esse movimento tende a baratear a oferta no destino e a destravar projetos de expansão. No Brasil, o reflexo aparece mais no investimento do que na prateleira, já que o consumo interno de carne e café segue dinâmicas próprias de renda, câmbio e custo de insumos.
Nos postos, a eventual mudança no etanol importado impacta misturas e competitividade frente à gasolina, com variações regionais. Em estados próximos a portos, a conta pode ficar mais apertada para usinas quando a cota estiver ativa. O desenho final das regras definirá o tamanho desse efeito.
| Tema | Situação hoje | Cenário em negociação |
|---|---|---|
| Café, carne e pescados brasileiros nos EUA | Sobretaxa de 40% encarece exportações | Retirada gradual das sobretaxas, com cronograma |
| Etanol dos EUA no Brasil | Alíquota de 18% na importação | Cota com imposto menor ou redução calibrada |
| Estratégia do governo | Prioriza diálogo; não aciona reciprocidade | Acordo com salvaguardas e revisão periódica |
| Prazos esperados no setor | Negociação ativa | Indústria fala em até 60 dias para a carne |
O que falta para fechar
O roteiro inclui acertos técnicos, validação jurídica e comunicação de cronogramas. As equipes tratam de listas de produtos, sanidade, certificações e mecanismos de monitoramento. O comércio de alimentos exige previsibilidade e padrões claros, algo vital para frigoríficos, cooperativas de café e processadores de pescado que planejam embarques com meses de antecedência.
Riscos e travas no caminho
O tabuleiro carrega pressões domésticas nos dois países. No Brasil, o setor de etanol pede cuidado com empregos e investimentos em biocombustíveis. Nos EUA, produtores locais pressionam por simetria e salvaguardas. Há também variáveis como taxa de câmbio, frete marítimo e custos sanitários que podem acelerar ou segurar embarques.
Perguntas que você deve fazer agora
- Sua empresa consegue aproveitar uma janela de retirada de tarifa em 60 dias?
- Os contratos preveem ajustes automáticos caso a sobretaxa caia?
- Há plano logístico para realocar volumes aos EUA sem travar outros mercados?
- O caixa suporta variações de preço do etanol caso a cota entre em vigor?
Informações que ampliam a visão do leitor
O termo “sobretaxa” difere de tarifa padrão. Trata-se de um adicional temporário ou específico aplicado sobre itens selecionados. Ao cair, o exportador ganha fôlego imediato. Em negociações desse tipo, governos também usam cotas tarifárias, conhecidas como TRQs, que permitem volumes com imposto menor até um limite anual. Acima da cota, o tributo normal volta a valer.
Uma simulação simples ajuda a dimensionar. Num embarque de US$ 10 milhões em café, uma sobretaxa de 40% adiciona US$ 4 milhões em custo na chegada. Se esse adicional sai da conta, parte vira desconto ao importador, parte vira margem para o exportador e parte financia ações comerciais. O resultado prático depende da competição entre fornecedores, da colheita e do câmbio.
Para quem atua no varejo, vale monitorar três pontos: cadência dos anúncios oficiais, formato das cotas de etanol e eventuais salvaguardas sanitárias. Para o consumidor, o sinal mais visível tende a surgir em promoções sazonais de cortes bovinos e em marcas de café que disputam espaço nas redes americanas, o que retroalimenta investimentos no campo brasileiro.


