Uniões de até 14 anos no interior paulista: 187 casos em 2010 e 58 em 2022, você aceitaria?

Uniões de até 14 anos no interior paulista: 187 casos em 2010 e 58 em 2022, você aceitaria?

Famílias, escolas e serviços públicos soam o alerta para situações que se escondem dentro de casa e mudam destinos cedo demais.

Os dados mais recentes expõem um retrato incômodo. Em várias cidades do interior de São Paulo, crianças e adolescentes de até 14 anos aparecem vivendo em arranjos conjugais. O fenômeno recua no tempo, mas persiste. A maior parte envolve meninas e levanta dúvidas sobre proteção, escola e saúde.

O que os números mostram

Levantamento do IBGE indica registros de convivência conjugal envolvendo meninas e meninos de 10 a 14 anos em municípios paulistas. As seis cidades listadas somam 187 ocorrências em 2010 e 58 em 2022. Bauru puxou a queda, enquanto Presidente Prudente subiu no período.

Menores de 16 anos não podem casar. Abaixo dos 14 anos, relações configuram crime por vulnerabilidade, segundo o Código Penal.

Cidade 2010 2022
Presidente Prudente 9 12
Dracena 0 0
Bauru 120 11
Marília 51 35
Presidente Epitácio 0 0
Presidente Venceslau 7 0

Os registros não significam casamento civil. O Censo capta a declaração das famílias sobre convivência conjugal, sem exigir certidões. A queda expressiva em Bauru, de 120 para 11, sugere avanço na prevenção e na notificação. Já Prudente subiu de 9 para 12 no mesmo intervalo. Marília concentra números altos e reduziu de 51 para 35. Em Dracena e Presidente Epitácio, não houve casos.

O levantamento do IBGE se baseia no que a população informa ao recenseador. A checagem jurídica das relações não faz parte do escopo da pesquisa.

O que diz a lei

A legislação brasileira é clara. O Estatuto da Criança e do Adolescente protege quem tem menos de 18 anos de qualquer forma de negligência, violência e exploração. O Código Civil permite casamento a partir de 16 anos com autorização de responsáveis. A legislação de 2019 proibiu casamento abaixo de 16 anos em qualquer hipótese. Para além do casamento formal, relações sexuais com menores de 14 anos configuram crime de vulnerabilidade.

Qualquer convivência que leve à vida conjugal com menores de 14 anos afronta direitos e pode disparar responsabilização criminal de adultos envolvidos.

Por que essas uniões persistem

As situações se repetem em contextos de pobreza, baixa escolaridade e dependência econômica. Gravidez precoce muitas vezes empurra a família para um arranjo conjugal informal, visto como solução imediata. A diferença etária entre parceiros amplia a assimetria de poder e aumenta o risco de violência.

Riscos para meninas e meninos

  • Interrupção dos estudos e evasão escolar.
  • Dependência financeira e isolamento social.
  • Gravidez na adolescência, com risco obstétrico aumentado.
  • Violência física, psicológica e sexual em relações desiguais.
  • Impactos na saúde mental e no desenvolvimento.

Quando a comunidade normaliza o relacionamento, a criança perde rede de apoio. O medo de denunciar e a ideia de “resolver dentro de casa” silenciam agressões. Serviços públicos precisam atuar de forma coordenada para quebrar o ciclo.

Como identificar e agir

Sinais costumam aparecer na escola, na unidade básica de saúde e no CRAS. A equipe que observa faltas constantes, mudança brusca de comportamento ou abandono repentino dos estudos deve acionar a rede.

Proteção começa pelo território: escola atenta, posto de saúde acolhedor e conselho tutelar ágil fazem diferença.

Canais de denúncia e apoio

  • Disque 100 para violações de direitos de crianças e adolescentes.
  • Ligue 180 para violência contra a mulher, inclusive meninas.
  • 190 para emergência policial.
  • Delegacia de Defesa da Mulher e delegacias comuns.
  • Conselho Tutelar do município e Ministério Público.
  • Centros de Referência de Assistência Social e serviços de saúde.

Denúncias podem ser anônimas. Relatos objetivos ajudam: nome da criança, local, horários e descrição da situação. Profissionais de educação e saúde têm dever legal de comunicar suspeitas, mesmo sem “provas” formais.

Como fortalecer a prevenção

Políticas públicas focadas em permanência escolar, renda e saúde sexual e reprodutiva reduzem a incidência. Programas de educação integral, acompanhamento de pré-natal na adolescência e campanhas que envolvam homens adultos mudam padrões.

O mapeamento local orienta a ação. Bairros com maior incidência pedem busca ativa, rodas de conversa com famílias e visitas domiciliares intersetoriais. Organizações comunitárias e lideranças religiosas podem atuar como guardiãs do pacto de proteção.

O que os dados sugerem ao leitor

A queda geral entre 2010 e 2022 sinaliza que informação e rede de proteção funcionam quando chegam a quem precisa. Ao mesmo tempo, o aumento em Presidente Prudente e a persistência em Marília indicam bolsões de vulnerabilidade que exigem respostas rápidas e monitoramento contínuo.

Você pode agir hoje: acolha, escute sem julgamento, ofereça caminhos e acione os canais de proteção da sua cidade.

Perguntas que pais e responsáveis podem fazer agora

  • Meu filho ou minha filha mudou a rotina, deixou de frequentar a escola ou o posto de saúde?
  • Há um adulto influenciando decisões da criança de forma insistente ou controladora?
  • Alguma gravidez precoce foi tratada como “motivo” para morar junto?
  • A família conhece os riscos legais e de saúde envolvidos?

Informações adicionais para ampliar a compreensão

Casamento, união estável e coabitação declarada não são sinônimos. O censo capta a autodeclaração de que duas pessoas vivem como casal. Isso não transforma a relação em casamento civil, nem retira a obrigação do Estado de proteger a criança. Arranjos informais com menores de 14 anos permanecem ilegais quando envolvem relação sexual e sujeitam adultos a responsabilização criminal.

Uma abordagem prática para escolas e postos de saúde inclui fluxos simples e escritos: quem aciona o conselho, como registrar a ocorrência, qual profissional acompanha a família e quando reavaliar o caso. Simulações de atendimento ajudam a equipe a vencer barreiras. Exemplo: diante de suspeita de convivência conjugal com adolescente de 13 anos, registre no prontuário, notifique o conselho tutelar, garanta avaliação clínica e acione a rede socioassistencial. A atuação combinada reduz riscos e preserva direitos.

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