Enquanto operações contra facções expõem fragilidades, um pacote constitucional ganha força em Brasília e promete redefinir papéis.
A proposta de emenda que reorganiza a segurança pública avançou no Congresso e entrou no radar de líderes partidários. O governo federal pressiona por votação ainda em dezembro e aposta no tema como trunfo em um momento de ansiedade com o crime organizado nas capitais e no interior.
O que está na mesa
- União com diretrizes nacionais para policiamento e sistema prisional, sem retirar autonomia dos estados
- Atuação integrada entre forças federais, estaduais e municipais no Susp
- Polícia Federal com mandato explícito para investigar facções, milícias e crimes ambientais
- PRF rebatizada como Polícia Viária Federal, com alcance em rodovias, ferrovias e hidrovias
- Guardas municipais reconhecidas no sistema, com policiamento ostensivo e comunitário
- Criação de corregedorias autônomas nas forças e ouvidorias nas guardas
- Relator estuda ajustes penais e limitações a benefícios para integrantes de facções
Para virar parte da Constituição, a PEC precisa de 308 votos em dois turnos na Câmara e, depois, aprovação no Senado.
Calendário e tramitação
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sinalizou votação nas primeiras semanas de dezembro. O relator, Mendonça Filho (União Brasil-PE), e o presidente da comissão especial, Aluísio Mendes (Republicanos-MA), alinharam o cronograma. A CCJ já deu aval. Falta o parecer da comissão especial e, se aprovado, o texto segue ao plenário.
Se Câmara e Senado aprovarem, a PEC será promulgada pelo Congresso e passará a valer de imediato. Não há sanção presidencial nesse rito. O governo quer celeridade e vê a proposta como peça central no enfrentamento ao crime organizado.
Competências da União e autonomia local
O texto amplia a capacidade de coordenação do governo federal. A União passará a definir diretrizes nacionais para a segurança pública e para o sistema penitenciário. Estados e municípios participam da elaboração dessas diretrizes, com a garantia de que cada ente manterá suas estratégias próprias.
Plano nacional e coordenação do Susp
O plano nacional deverá orientar a atuação integrada do Sistema Único de Segurança Pública, com metas e padrões de interoperabilidade. Polícias militares, civis e penais e os corpos de bombeiros seguem subordinados aos governadores. A promessa é reduzir redundâncias, acelerar respostas e padronizar dados.
O governo afirma que a coordenação nacional não mexe no comando das polícias estaduais e municipais.
PF no combate ao crime organizado
A PEC explicita que a Polícia Federal poderá investigar organizações criminosas, milícias e crimes ambientais. Hoje, a PF atua nessas frentes de forma mais condicionada, muitas vezes mediante federalização ou decisão judicial. A nova redação busca reduzir margens de dúvida e dar previsibilidade às investigações interestaduais e transnacionais.
Na prática, o desenho pretende cobrir lacunas em casos que cruzam fronteiras internas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e destruição ambiental associada a facções.
De PRF a Polícia Viária Federal
A atual Polícia Rodoviária Federal ganha novo nome e alcance. A “Polícia Viária Federal” assume, além das rodovias federais, o patrulhamento de ferrovias e hidrovias sob jurisdição da União. O texto também autoriza o emprego dessa força em apoio a estados que pedirem reforço, a exemplo do que já ocorre com a Força Nacional.
A mudança mira corredores logísticos usados pelo crime, como rios na Amazônia e linhas férreas estratégicas para o escoamento de cargas.
Guardas municipais em foco
As guardas civis entram formalmente no Sistema Único de Segurança Pública e ganham atribuição de policiamento ostensivo e comunitário. Agentes poderão realizar prisões em flagrante. O texto reflete decisão do STF que reconheceu a atuação das guardas na segurança urbana. Não há poder de investigação, e as ações não se sobrepõem às polícias civis e militares.
Controles internos e ouvidorias
As forças de segurança deverão manter corregedorias autônomas para apurar eventuais infrações de seus agentes. Nas guardas municipais, a PEC prevê ouvidorias independentes e sujeição ao controle do Ministério Público. A ideia é fortalecer integridade, reduzir abusos e elevar a confiança da população.
O que o relator quer ajustar
Mendonça Filho retirou do texto a previsão de normas gerais exclusivas da União, para evitar concentração de poder em Brasília. Ele sinaliza novas alterações, com dois eixos: regras mais duras contra integrantes de facções e debate sobre a execução provisória da pena após condenação em segunda instância.
Esses pontos abrem disputa jurídica e política. Um endurecimento penal pode alterar progressões de regime, saídas temporárias e benefícios a quem tem vínculo com crime organizado.
Endurecer penas pode agradar parte do eleitorado, mas exige calibragem para não travar o sistema prisional nem ferir garantias.
O que pode mudar para você e sua cidade
Com diretrizes nacionais, o cidadão pode sentir respostas mais rápidas em crimes que cruzam estados. A PF tende a atuar de forma mais presente em investigações financeiras e ambientais que alimentam facções. A Polícia Viária Federal deve aparecer em rios e ferrovias, afetando rotas de contrabando e roubos de cargas. Guardas municipais podem ganhar protagonismo no bairro, com foco em prevenção e proximidade.
Governadores poderão acionar forças federais com menos atrito. Prefeituras terão de adaptar protocolos e treinar guardas para atuação ostensiva sem conflito de competências.
| Tema | O que muda |
|---|---|
| Diretrizes nacionais | Plano de segurança e prisões com metas unificadas e participação de estados e municípios |
| Integração | Atuação coordenada no Susp, com compartilhamento de dados e operações conjuntas |
| PF | Mandato claro para investigar facções, milícias e crimes ambientais |
| Polícia Viária Federal | Patrulhamento de rodovias, ferrovias e hidrovias; apoio a estados sob demanda |
| Guardas municipais | Reconhecimento no sistema, policiamento ostensivo e comunitário, sem poder investigativo |
| Integridade | Corregedorias autônomas e ouvidorias; controle do MP sobre guardas |
Perguntas para orientar o debate local
- Quanto sua cidade investe hoje em guarda municipal e tecnologia de integração?
- Há protocolo de atuação conjunta com PM, Polícia Civil e PF? Quem coordena?
- O sistema prisional estadual comporta metas nacionais sem colapsar vagas?
- Quais ferrovias ou hidrovias próximas exigem patrulhamento viário federal?
- Como funcionará a corregedoria e a ouvidoria para receber denúncias dos moradores?
Custos, riscos e ganhos esperados
A integração cobra interoperabilidade de dados, rádio, câmeras e softwares. Estados e municípios precisarão prever orçamento para treinamento e manutenção. Sem isso, o desenho legal vira letra morta. Há risco de sobreposição de operações e conflitos de mando. Para reduzir atritos, o plano nacional deve definir quem lidera cada tipo de ocorrência e como se compartilham provas.
Os ganhos esperados passam pela redução de duplicidades, foco em inteligência, rastreio financeiro e sufocamento de fontes de renda de facções. A expansão da atuação da PF tende a acelerar investigações complexas. Já o novo escopo da Polícia Viária Federal mira gargalos logísticos usados por criminosos, afetando roubos de cargas, tráfico de drogas e armas.
Se o Congresso entregar a votação em dezembro, 2026 já pode começar com regras novas e métricas de desempenho mais claras.


