Uma mudança nas regras para áreas da orla do Lago Paranoá mexe com bolsos, rotinas e memórias de milhares de brasilienses.
O PSB levou à Justiça do DF a lei sancionada por Ibaneis Rocha que autoriza a concessão de uso em becos entre lotes do Lago Sul e do Lago Norte. O texto, já publicado no Diário Oficial, abre a possibilidade de regularização de 473 áreas mediante pagamento anual e prazos longos de ocupação. A legenda pede suspensão imediata e aponta risco de privatização de espaços que hoje têm natureza pública.
O que está em disputa
A lei complementar autoriza proprietários de imóveis a obter concessão de uso sobre becos e faixas entre lotes residenciais nas regiões do Lago Sul e do Lago Norte. Esses recortes fundiários, vizinhos à orla do Lago Paranoá, historicamente geram conflitos por cercamentos, decks, jardins e estruturas que avançam sobre áreas públicas.
Para o PSB, a nova regra colide com decisões anteriores do Tribunal de Justiça do DF que exigiram a desocupação integral da orla. O partido afirma que a medida transforma um bem de uso comum em área de acesso restrito, ao atender interesses privados sem retorno comprovado à coletividade.
473 áreas no Lago Sul e no Lago Norte podem obter concessão de uso, com prazo de 30 anos renovável por mais 30 e pagamento anual definido a partir do IPTU.
O que a lei permite
A Lei Complementar nº 1055 define um conjunto de condições para a concessão de uso nos becos. O alcance envolve 243 áreas no Lago Norte e 230 no Lago Sul. Moradores que já ocupavam a área antes da publicação do texto podem solicitar a regularização.
- Concessão restrita a ocupações preexistentes à publicação da lei.
- Possibilidade de cercamento do perímetro concedido.
- Pagamento anual baseado no IPTU do lote principal, com mínimo de R$ 50 e teto inferior ao IPTU.
- Destinação das receitas ao Fundo Distrital de Habitação de Interesse Social (Fundhis).
- Prazo de 30 anos, com prorrogação por igual período.
- Vedação a bloqueios de acesso de pedestres a equipamentos públicos, comércio e paradas de ônibus.
O cercamento poderá ocorrer, mas a passagem de pedestres para serviços e paradas de transporte deve permanecer livre.
Desobstrução obrigatória em 87 pontos
Além das concessões, a lei determina a desobstrução de 87 áreas hoje ocupadas irregularmente: 28 no Lago Norte e 59 no Lago Sul. Os responsáveis receberão notificação e terão 180 dias para remover estruturas e devolver o espaço ao uso público.
O proprietário arca com os custos de remoção. Em caso de descumprimento, a administração pode promover a demolição das construções e cobrar os custos, inclusive com medidas administrativas e judiciais.
O que o morador precisa fazer diante da notificação
- Verificar se a área ocupa bem público com determinação de desobstrução.
- Protocolar pedido de concessão apenas se a ocupação for anterior à lei e estiver contemplada no mapa de áreas passíveis.
- Apresentar plantas, laudos e comprovações de uso preexistente quando exigidos.
- Providenciar a retirada de estruturas em áreas listadas para desocupação no prazo de 180 dias.
Os argumentos do PSB
Na ação, o partido sustenta quatro pontos centrais. Primeiro, a lei contraria a orientação judicial que exigiu orla livre. Segundo, fere o caráter público e o acesso amplo à borda d’água. Terceiro, atende interesses particulares sem contrapartida social mensurável. Quarto, carece de debate adequado com a sociedade, pois contou com apenas uma audiência pública.
Para o PSB, a orla deve permanecer aberta e integrada à cidade, sem cercas, muros ou jardins privados ocupando áreas comuns.
Quanto pode custar ao morador
O valor anual da concessão seguirá uma fórmula baseada no IPTU do imóvel principal. O mínimo é de R$ 50, e o teto precisa ser menor que o IPTU do lote. O governo deverá detalhar critérios de cálculo em regulamento. Veja simulações possíveis para entender a ordem de grandeza:
| Base (IPTU do lote) | Limite anual para a concessão | Observações |
|---|---|---|
| R$ 2.000 | Menor que R$ 2.000 | Valor exato depende de coeficientes do regulamento |
| R$ 8.000 | Menor que R$ 8.000 | Mínimo não pode ser inferior a R$ 50 |
| R$ 20.000 | Menor que R$ 20.000 | Possível desconto por metragem e uso efetivo |
As cifras variam conforme área do beco, situação de uso, eventuais restrições ambientais e parâmetros a serem definidos. Mesmo com cercamento permitido, a manutenção do acesso de pedestres funciona como condicionante para manter a concessão válida.
O que muda para quem usa a orla
Quem caminha, pedala ou rema no Lago Paranoá deve observar novas demarcações e cercas em áreas concedidas. Ainda assim, a passagem para equipamentos comunitários, comércio e transporte coletivo precisa permanecer livre. A fiscalização terá papel central para evitar bloqueios indevidos e coibir ampliações não autorizadas.
- Cercas podem delimitar o perímetro concedido, mas não podem fechar passagens públicas.
- Qualquer ampliação além do autorizado deve ser removida.
- Denúncias de bloqueio podem abrir processos de multa e revogação.
Próximos passos no Judiciário
A ação do PSB deve pedir liminar para suspender partes da lei até o julgamento do mérito. Se houver decisão cautelar, os processos de concessão podem ser interrompidos, assim como atos de cercamento. Em outra hipótese, o tribunal pode manter a lei vigente enquanto analisa a compatibilidade com decisões anteriores sobre a desocupação da orla.
O que é concessão de uso
Concessão de uso é um instrumento que autoriza um particular a ocupar área pública por tempo determinado, mediante condições e contrapartida financeira. O poder público mantém a titularidade do bem, mas transfere o uso qualificado ao concessionário. Em caso de descumprimento, o governo pode revogar o termo e retomar a área.
Impactos urbanos e ambientais possíveis
Concessões próximas à borda d’água exigem cuidados ambientais, como permeabilidade do solo e controle de estruturas que causem assoreamento. Para reduzir riscos, regulamentos costumam impor limites de área impermeabilizada, afastamentos e materiais adequados. Moradores que pretendem regularizar jardins ou passarelas devem avaliar drenagem, vegetação e manejo de resíduos.
Do ponto de vista urbano, cercas e muros tendem a fragmentar a paisagem e a circulação. Em contrapartida, a regularização pode reduzir conflitos, definir responsabilidades de manutenção e coibir ocupações irregulares de maior impacto. O equilíbrio entre passeio público contínuo e uso residencial qualificado dependerá de desenho urbano, fiscalização e participação social.
Guia rápido para quem pretende regularizar
- Mapeie o beco e confirme se consta entre as áreas passíveis de concessão.
- Reúna documentos sobre uso preexistente, como fotos, contratos de serviços e plantas antigas.
- Consulte as regras ambientais aplicáveis e avalie adequações necessárias.
- Calcule um valor de referência a partir do IPTU do lote, já considerando o mínimo de R$ 50.
- Planeje a manutenção do livre acesso de pedestres antes de projetar cercas.
Sem comprovação de uso anterior, não há concessão. Novas ocupações após a lei ficam sujeitas a remoção e sanções.
Informações complementares para o leitor
O Fundhis, indicado como destino das receitas, financia ações de habitação de interesse social no DF. Se a arrecadação com concessões crescer, a política habitacional pode ganhar fôlego em projetos de urbanização, regularização fundiária e produção habitacional. A efetividade, porém, depende de transparência nos repasses e no monitoramento dos resultados.
Quem deseja estimar o impacto no orçamento familiar pode reservar uma projeção anual inferior ao IPTU e considerar custos de manutenção, cercamento e eventuais exigências ambientais. Para quem usa a orla sem ser morador, vale observar rotas alternativas de caminhada e remadas, identificar passagens oficiais e registrar bloqueios irregulares para acionar a fiscalização. A forma como cada cidadão se posiciona, inclusive nas audiências e consultas, ajuda a definir o futuro do Lago Paranoá como espaço de todos.


