Você confiaria sua saúde às ervas dos Kiriri? USP e parceiros criam horto e farmácia viva em Caldas

Você confiaria sua saúde às ervas dos Kiriri? USP e parceiros criam horto e farmácia viva em Caldas

Na serra mineira, uma parceria improvável promete mexer com saberes, saúde e renda de uma comunidade indígena inteira em Caldas.

Pesquisadores da USP, UEM e Unaerp somam forças com o povo Kiriri de Caldas, no sul de Minas. O plano instala um horto de plantas medicinais e um laboratório comunitário, com a meta de operar como Farmácia Viva reconhecida pelo Ministério da Saúde. A ação preserva a cultura, organiza a produção e assegura qualidade aos fitoterápicos.

Quem ganha com o horto e a farmácia viva

O projeto parte de um princípio simples: unir ciência e tradição para transformar cuidado em autonomia. O horto ficará dentro do território Kiriri, onde o saber sobre ervas já circula de geração em geração. O laboratório comunitário permitirá secagem, processamento, padronização e controle de qualidade. Com isso, a comunidade fortalece o atendimento de saúde local e cria base para gerar renda de forma sustentável.

Horto no território, laboratório próprio e meta de Farmácia Viva: a tríade que liga saber ancestral, rigor científico e acesso a tratamentos seguros.

O objetivo final mira o modelo Farmácia Viva, política pública que organiza cultivo, manipulação e dispensação de medicamentos à base de plantas com protocolos, rastreabilidade e segurança. A farmácia recebe apoio municipal e articulação com a rede pública, o que reduz custos de aquisição e amplia o acesso a tratamentos que muitas famílias já confiam no dia a dia.

Da roça ao medicamento

O fluxo seguirá etapas claras. O cultivo começa com seleção de espécies nativas ou já adaptadas, respeitando períodos de colheita e manejo do solo. A secagem ocorre em ambiente controlado para preservar princípios ativos. O processamento transforma folhas, cascas e raízes em chás, tinturas, pomadas e cápsulas. A dispensação registra lote, dose, indicação e contraindicação.

  • Seleção participativa das espécies de maior demanda local
  • Boas práticas de cultivo, colheita e secagem padronizadas
  • Controle de qualidade com análises simples e verificações periódicas
  • Rótulo com nome popular e científico, lote, concentração e validade
  • Prontuário com acompanhamento de efeitos e interações

Quem está por trás

A ação integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Nature – Soluções e Inovações Baseadas em Produtos Naturais (INCT Nature). O grupo reúne 24 instituições, pesquisa ativos da biodiversidade e transforma resultados em impacto social. A coordenação científica envolve Norberto Peporine Lopes (FCFRP-USP), João Carlos Palazzo de Mello (UEM) e Ana Maria Soares Pereira (Unaerp).

Parceiros locais trazem experiência prática. A Farmácia da Natureza, em Jardinópolis (SP), compartilha manejo e processamento de ervas medicinais em escala comunitária. A Meteoric Resources, empresa australiana que atua no município de Caldas, apoia projetos com comunidades e Povos Indígenas na região e contribui na logística.

Rede com 24 instituições, saber tradicional no centro e tecnologia aplicada para transformar plantas em cuidado qualificado.

O papel do inct nature

O INCT Nature valoriza a biodiversidade brasileira com pesquisas interdisciplinares e formação de jovens cientistas. A rede dialoga com comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e agricultores e fortalece cadeias produtivas alinhadas à bioeconomia e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O programa INCT, do CNPq, destinou recentemente R$ 1,45 bilhão a 121 projetos em todo o País, com até R$ 15 milhões por iniciativa, o que cria fôlego para infraestrutura, bolsas e transferência de tecnologia.

Os Kiriri e a tradição que sustenta o projeto

Originários do Oeste da Bahia, os Kiriri mantêm, em Caldas, um repertório robusto de usos de plantas e manejo do ambiente. O cuidado com as espécies passa por histórias, rituais e práticas diárias. O projeto reconhece essa centralidade e evita impor protocolos externos sem diálogo. Cursos, oficinas e mutirões trocam conhecimento em duas mãos: cientistas estruturam métodos, a comunidade indica as espécies, os usos e as cautelas.

Ator Responsabilidade principal Resultado esperado
Comunidade Kiriri Seleção de espécies, cultivo e usos tradicionais Medicamentos alinhados à cultura e à demanda local
USP, UEM, Unaerp Formação técnica, protocolos e controle de qualidade Padrões de segurança e eficácia
Farmácia da Natureza Modelos de horto e processamento comunitário Operação sustentável e replicável
Meteoric Resources Apoio logístico e projetos locais Infraestrutura e continuidade
Gestões públicas Reconhecimento como Farmácia Viva e integração à rede Acesso regular a fitoterápicos

Como a comunidade se prepara

A implantação começa por um inventário participativo de espécies. As famílias apontam onde cada planta cresce melhor, como colhem e quais cuidados evitam perdas. A equipe técnica registra nomes populares e científicos, partes usadas, dose e potenciais interações com medicamentos alopáticos. O horto prioriza matrizes sadias, adubação orgânica e manejo de água com captação de chuva.

O laboratório comunitário foca etapas críticas. Balanças calibradas, estufas de secagem, peneiras e moendas garantem padronização. Um caderno de laboratório registra cada lote com data, local de coleta, umidade final, rendimento e responsável. Treinamentos regulares ajudam a lidar com variações sazonais e a validar o ponto de colheita ideal para concentração de ativos.

Boas práticas que garantem qualidade

Qualidade nasce no campo. Evitar agrotóxicos, prevenir contaminação por fungos e diferenciar espécies semelhantes reduz riscos. A rotulagem clara previne confusão entre plantas de nomes próximos. Ensaios simples, como teste de umidade e triagem de microrganismos, elevam a segurança.

Rastreabilidade do lote, rotulagem correta e manejo sem agrotóxicos formam a base da confiança nos fitoterápicos.

O que muda para você

Quem usa chás e pomadas em casa costuma confiar na indicação de parentes e vizinhos. A Farmácia Viva soma a essa confiança um trilho técnico que ajuda a acertar na dose, na via de uso e nas combinações seguras. As unidades básicas podem reduzir filas para queixas leves, e famílias gastam menos com medicamentos quando há alternativa fitoterápica adequada.

  • Transparência: o rótulo informa planta, dose e para que serve
  • Segurança: risco menor de contaminação e de troca de espécies
  • Acesso: produção local diminui desabastecimento
  • Cuidado culturalmente sensível: tratamento alinhado à tradição Kiriri

Riscos, limites e direitos

Nem toda planta serve para todo mundo. Crianças, gestantes e pessoas com doenças crônicas precisam de orientação. Interações com anti-hipertensivos, anticoagulantes e antidiabéticos exigem atenção. A equipe planeja protocolos de triagem clínica e encaminhamento quando houver sinais de alerta.

A coleta predatória não entra na pauta. O horto diminui a pressão sobre áreas nativas e cria banco de matrizes. O uso do conhecimento tradicional segue regras de consentimento e repartição justa de benefícios previstas na legislação de acesso ao patrimônio genético. A governança comunitária define prioridades e cuida da transparência de receitas e despesas.

Como acompanhar e participar

Reuniões abertas, oficinas e dias de campo fortalecem o diálogo. Jovens Kiriri podem se capacitar para atuar como agentes de saúde, multiplicadores de boas práticas e gestores do horto. As universidades oferecem cursos curtos sobre identificação botânica, colheita no ponto certo e preparo seguro de chás, extratos e pomadas.

Se você vive em Caldas ou região, leve perguntas sobre plantas que já usa, leve também sua experiência. Apresentar sintomas, medicamentos em uso e alergias ajuda a equipe a orientar melhor. E, quando receber um frasco, guarde o rótulo: ele carrega o caminho da planta até você.

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