Velas, flores e vizinhos de portas abertas mudaram o rumo de uma noite comum em Santa Tereza, comovendo quem passava.
O encontro começou discreto e cresceu rápido. Um palco improvisado, projeções de fotos e uma fila de artistas criaram uma celebração que tomou uma esquina inteira de Belo Horizonte.
Esquina vira palco e altar
O entroncamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Santa Tereza, virou ponto de encontro para a despedida de Lô Borges. Às 18h15, a tenda já cercava um mar de gente. Fotos do músico foram projetadas numa parede. A organização partiu de um esforço colaborativo de grupos da cena local, como o coletivo Alvorada.
O vão do casarão marcado pelas placas do Clube da Esquina ganhou flores, velas e bilhetes. Uma faixa amarela resumiu o espírito do encontro. A vizinhança abriu portões e puxou cadeiras para a calçada.
“Celebramos a vida e a arte de Lô Borges” brilhou na fachada enquanto a rua virava sala de estar coletiva.
A BHTrans bloqueou o trânsito no cruzamento para garantir circulação de pessoas com segurança. A música seguiu até 23h, com entradas e revezamentos no microfone. A cada canção, os aplausos vinham antes do primeiro acorde.
Quem subiu ao microfone
O tributo misturou gerações e afetos. Cantaram Gabriel Guedes e Julia Guedes, Fred e Nico Borges, Makely Ka, Pablo Castro, Bárbara Barcellos, Flávio Boca, Marcelo Dande, Daniel Godoy e Vito Mancini, entre outros. A fila de artistas se formou cedo, instrumentos em mãos, em clima de partilha.
As canções que guiaram o coro
- O Trem Azul
- Clube da Esquina nº 2
- Clube da Esquina
- Tudo o que você podia ser
- Nuvem Cigana
- Paisagem da janela
- Quem sabe isso quer dizer amor
Dois trios por vez dividiram os microfones. Para caber todo mundo, shows nasceram de abraços apertados no palco.
Familiares e parceiros emocionam
Marilton Borges, irmão de Lô, tocou “Nenhum mistério” e foi acolhido por uma roda silenciosa. Nico Borges cruzou a rua recebendo abraços, com olhos marejados. Por volta de 21h30, Toninho Horta surgiu sob aplausos longos. A presença dele resgatou memórias de ensaios, esquinas e viradas de madrugada que moldaram uma linguagem.
O que aconteceu e o que vem agora
Lô Borges morreu no domingo (2/11), às 20h50, após falência múltipla de órgãos decorrente de intoxicação medicamentosa, segundo boletim da Unimed. Ele estava internado desde 17 de outubro. Deixa o filho, Luca Arroyo Borges, de 27 anos.
Nascido Salomão Borges Filho, em 1952, Lô assinou clássicos que atravessam gerações e fronteiras da MPB.
O velório será aberto ao público na terça-feira (4/11), no coração da capital mineira. Quem pretende comparecer pode se guiar pelas informações abaixo.
| Data | Terça-feira, 4 de novembro |
|---|---|
| Local | Foyer do Grande Teatro Cemig Palácio das Artes, Centro de BH |
| Horário | Das 9h às 15h |
| Acesso | Cerimônia aberta ao público, com filas organizadas por ordem de chegada |
Por que Lô Borges segue indispensável
Filho de Belo Horizonte, Lô cresceu cercado por violões, esquinas e rodas de amigos. Em 1972, ao lado de Milton Nascimento, ajudou a conceber o álbum duplo “Clube da Esquina”. O disco abriu uma trilha estética que misturou harmonias ousadas, letras que olham para dentro e um senso de coletividade raro.
Dali saíram “O Trem Azul”, “Cravo e Canela” e “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”. Essas canções, como outras de sua parceria com Milton e com os irmãos Borges, formaram uma linguagem que atravessou o rádio, a universidade, os bares e o repertório de novos autores independentes. O canto mineiro, introspectivo e luminoso, influenciou do pop ao indie.
O bairro Santa Tereza, cenário do tributo, foi berço e laboratório. As placas que marcam o “nascimento” do Clube da Esquina lembram que a música ali não se fechou em estúdio. Ela brotou do convívio, do improviso e da escuta atenta entre amigos. A despedida nas ruas, portanto, dialogou com essa origem.
Roteiro afetivo para quem quer reouvir
Para revisitar a obra neste momento, uma sequência ajuda a perceber camadas de composição e arranjo. Comece pela delicadeza de “Paisagem da janela”. Siga a pulsação rítmica de “Nuvem Cigana”. Entre na harmonia expansiva de “Clube da Esquina nº 2”. Feche com “O Trem Azul”, notando o balanço entre melancolia e esperança.
Como participar com respeito e segurança
Eventos espontâneos em rua exigem cuidado coletivo. Em BH, bloqueios pontuais, como o realizado pela BHTrans no cruzamento de Divinópolis e Paraisópolis, ajudam a reduzir riscos. Moradores que colocam cadeiras e oferecem água se tornam parte da organização informal. Quem chega contribui evitando caixas de som extras, mantendo a circulação e recolhendo lixo.
- Chegue com antecedência para evitar aglomeração nos acessos.
- Leve vela em recipiente adequado para não danificar o piso.
- Priorize copos reutilizáveis e sacos para resíduos.
- Se for com crianças, combine pontos de encontro e marque telefones no braço.
Clube da Esquina, ontem e hoje
O movimento que nasceu em BH abraçou influências diversas e devolveu ao país uma ideia de modernidade afetiva. A despedida de Lô mostra que a obra segue viva porque acolhe quem chega. Gente que nunca viu Lô ao vivo sabe cantar as vozes cruzadas e os acordes abertos. Isso cria pertencimento. A rua reforçou a sensação de que, ao se juntar para cantar, o público também escreve a história.
Quando a multidão entoou “Quem sabe isso quer dizer amor”, a esquina pareceu caber dentro de um LP de 1972.
Para quem pretende levar a homenagem adiante, encontros em casas de bairro, saraus e rodas pequenas mantêm acesa a tradição de troca que marcou o Clube da Esquina. Organizar um repertório coletivo, alternar vozes e registrar tudo em áudio simples já cria memória. A simplicidade ajuda o gesto a permanecer e se repetir sem depender de grandes estruturas.


