Você faria isso no seu trabalho: mecânico perde as duas pernas e ganha R$ 2,6 milhões na justiça

Você faria isso no seu trabalho: mecânico perde as duas pernas e ganha R$ 2,6 milhões na justiça

Uma rotina de limpeza virou tragédia e trouxe à tona decisões que qualquer gestor e técnico podem tomar sob pressão.

O caso, julgado pela 5ª câmara do TRT da 15ª Região, reacendeu o debate sobre segurança em máquinas, responsabilidades contratuais e o preço de uma decisão errada em ambiente industrial. A história envolve um mecânico de 29 anos, um silo, energia elétrica religada e um resgate que demorou mais do que a dor podia suportar.

O que aconteceu

O trabalhador atuava na limpeza interna de um silo quando o sistema de pás foi acionado de forma indevida. As pás enrolaram nas pernas do mecânico as cordas e cabos usados para sua sustentação. O esmagamento levou à amputação bilateral. Ele ficou pendurado por cerca de uma hora, com as pernas presas, até a chegada do socorro.

Religamento sem bloqueio

De acordo com os autos, o proprietário da primeira reclamada percebeu falha na pistola de água usada na limpeza e buscou assistência. Um mecânico, acompanhado do dono, abriu o cadeado do quadro elétrico e acionou o disjuntor que ligava as pás, sem confirmar a retirada do trabalhador do interior do equipamento e sem adotar bloqueio e etiquetagem.

Energia religada com gente dentro da máquina, sem bloqueio, sem isolamento e sem comunicação: a sequência de falhas que tirou duas pernas e uma carreira inteira.

Como o TRT-15 distribuiu a responsabilidade

O colegiado reconheceu que houve responsabilidade direta dos prepostos de todas as rés, com destaque para a primeira reclamada, contratante do serviço e cujo proprietário é técnico em segurança do trabalho. Para os desembargadores, quem detém esse conhecimento jamais poderia autorizar o religamento de um sistema sem retirar o trabalhador do interior da máquina ou sem informar, formalmente, o operador do painel.

A segunda e a terceira rés admitiram o acidente e celebraram acordo parcial de R$ 1,2 milhão. A primeira reclamada não se opôs à homologação do acordo entre as demais. Em primeiro grau, veio a condenação ampla. No recurso, a empresa insistiu na redução da pensão, negou danos morais e estéticos e alegou que seu capital social (R$ 180 mil) tornaria “impagável” a indenização originalmente fixada.

O que disse a empresa e o que prevaleceu

A tese de “incapacidade de pagamento” não afastou a culpa. O tribunal ponderou a capacidade econômica da empresa para dimensionar a parcela devida por ela, mas manteve a gravidade do dano. A corte reafirmou que as amputações, a dor prolongada, as cirurgias, a reabilitação contínua e a incapacidade total e permanente configuram dano extrapatrimonial de altíssimo impacto.

O sofrimento decorrente de amputações e perda funcional total prescinde de prova específica: trata-se de dano presumido pela própria natureza do fato.

Quanto e como será pago

A decisão estabeleceu valores e critérios distintos, considerando o que já foi quitado por acordo pelas demais empresas e a responsabilidade principal da primeira reclamada:

  • R$ 618.080,83 em danos morais a cargo da primeira reclamada (após deduzir R$ 1,2 milhão já pago pelas outras).
  • R$ 2.000.000,00 por dano estético mantidos contra a primeira reclamada.
  • Pensão vitalícia, em razão da incapacidade total e permanente para o trabalho.
  • R$ 1.200.000,00 já recebidos do acordo com a segunda e a terceira rés.
  • Direito de regresso da empregadora principal contra as demais, para buscar rateio interno do prejuízo.

Para o leitor: a conta que chega à primeira reclamada soma R$ 2.618.080,83, além da pensão vitalícia. O trabalhador já havia recebido R$ 1,2 milhão das outras rés.

Por que este caso importa para você

Se você é trabalhador, a cena mostra como um procedimento rotineiro pode se tornar letal sem bloqueio e sem comunicação. Se você é empregador ou gestor, o acórdão envia um recado duro: conhecimento técnico aumenta a responsabilidade por decisões em campo. Religamento de energia sem permissão formal e sem retirada da equipe de dentro da máquina viola práticas básicas de segurança e custa caro, humana e financeiramente.

Prevenção prática que evita tragédias

  • Aplicar bloqueio e etiquetagem (LOTO) em qualquer intervenção em máquinas e painéis.
  • Emitir permissão de trabalho para serviços em espaços confinados e em altura, com dupla checagem de isolamento.
  • Designar responsável pelo teste de ausência de tensão antes de qualquer religamento.
  • Comunicar, por escrito e via rádio, a retirada completa da equipe da zona de risco.
  • Instalar pontos de ancoragem independentes, evitando que cordas ou cabos entrem em partes móveis.
  • Treinar periodicamente conforme NR-10 (eletricidade), NR-12 (máquinas), NR-33 (espaços confinados) e NR-35 (trabalho em altura).
  • Fazer análise preliminar de riscos com pausa operacional sempre que houver falha de equipamento.

Como funciona a pensão vitalícia em casos de acidente de trabalho

No âmbito trabalhista e civil, a pensão vitalícia busca recompor a perda de capacidade laboral. O cálculo costuma considerar o salário do período, a extensão da incapacidade e a expectativa de vida. A Justiça pode determinar pagamento mensal, com atualização, e exigir constituição de capital para garantir a continuidade do benefício.

Em muitos casos, a indenização civil convive com benefícios previdenciários. O recebimento de auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez pelo INSS não elimina o direito à reparação por culpa do empregador. Cada benefício tem natureza distinta: um é previdenciário, outro é indenizatório.

A pensão vitalícia não substitui o benefício do INSS; ela complementa a renda perdida por culpa de quem deveria garantir um ambiente seguro.

O que observar nos contratos de terceirização

Contratos que envolvem manutenção, limpeza industrial e operações em máquinas exigem definições claras de responsabilidades: quem autoriza religamento, quem isola energias perigosas, como se dá a comunicação entre contratante e contratadas e qual protocolo vale quando surge uma falha. Sem isso, a cadeia toda se expõe a riscos jurídicos e a danos irreparáveis.

  • Definir procedimento único de bloqueio para todas as empresas no site.
  • Padronizar permissões de trabalho e checklists assinados por contratante e contratadas.
  • Mapear pontos de energia e instalar travas com controle de chaves e registro.
  • Simular emergências com equipes mistas, com cronômetro e debriefing técnico.

Aprendizados que cabem no seu turno

Uma pistola que falha, um cadeado aberto e um disjuntor levantado podem parecer atos simples. Eles não são. Cada etapa precisa de comando único, confirmação de área livre e documentação mínima. Equipes treinadas interrompem o serviço, isolam a energia e só religam após checklist assinado. Empresas que compram esse tempo evitam pagar com a vida alheia e com condenações milionárias.

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