Uma viagem longa pode custar caro para quem depende de benefício social. A burocracia exige vigilância diária, sobretudo em saídas do país.
Uma decisão recente na Catalunha colocou holofotes nas regras de residência para pensões. O caso reacende dúvidas de leitores no Brasil e na Europa.
O caso que acendeu o alerta
O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha confirmou a perda de uma pensão não contributiva e a condenação do beneficiário ao pagamento de mais de 10.000 euros. O motivo foi uma ausência do território superior a 90 dias sem comunicação prévia à administração. O aposentado ficou 109 dias fora do país e continuou recebendo, o que resultou na suspensão do benefício e na exigência de devolução dos valores.
Ausências acima de 90 dias, sem autorização ou aviso, geram suspensão automática da pensão não contributiva, conforme o artigo 10.º, n.º 2, do Real Decreto 357/1991.
Segundo a decisão, a omissão da comunicação foi determinante. O tribunal entendeu que a falha não é formal: compromete a fiscalização do sistema e dificulta a verificação da residência efetiva, requisito básico para a manutenção do benefício social.
Por que a residência contínua pesa tanto
Pensões não contributivas são pagas a partir de critérios de necessidade e residência, e não de contribuições. Por isso, a moradia estável no país e a transparência com a autoridade gestora são condições permanentes. A ausência prolongada, quando não justificada e não avisada, pode sinalizar que o beneficiário não cumpre os requisitos de elegibilidade.
A condenação incluiu a devolução de valores recebidos no período irregular. A medida inibe abusos e preserva o erário.
As autoridades cruzam entradas e saídas nas fronteiras, cadastros municipais, bases da Seguridade Social e, em alguns casos, movimentação bancária. Isso torna difícil “passar despercebido”, mesmo em viagens curtas sucessivas ou idas frequentes a países vizinhos.
Regras comparadas: Espanha, Portugal e Brasil
As exigências mudam conforme o país, mas a rotina de comunicação, prova de vida e atualização cadastral se repete. Veja um panorama prático:
| País | Regra de ausência | Consequência típica | Pontos de atenção |
|---|---|---|---|
| Espanha (Catalunha) | Ausência superior a 90 dias sem autorização/aviso | Suspensão automática e devolução do pago no período | Base legal: RD 357/1991, art. 10.º, n.º 2 |
| Portugal | Regra semelhante: comunicar ausências prolongadas | Suspensão ou cessação imediata do benefício | Provas de vida periódicas e recenseamentos |
| Brasil | Ausência prolongada não cancela por si só | Suspensão por falta de prova de vida ou irregularidade | INSS cobra prova de vida anual e atualização cadastral |
Brasil: como o INSS enxerga quem viaja
No Brasil, o foco do INSS está na prova de vida anual e na rastreabilidade do recebimento. Se o aposentado ou pensionista passa meses fora, mas mantém a prova de vida em dia e informa formalmente mudanças temporárias de residência quando exigido (como em benefícios por incapacidade), a chance de suspensão diminui. Ausência sem prova de vida é o gatilho mais comum para bloqueios.
O que fazer antes de uma ausência prolongada
Uma rotina de prevenção reduz riscos de suspensão e cobranças de devolução. Vale adotar práticas simples e verificáveis.
- Comunicar por escrito a viagem e guardar comprovantes de envio e recebimento.
- Atualizar endereços, contatos e dados bancários na base do órgão gestor.
- Agendar prova de vida próxima à data de saída, quando possível, e verificar alternativas digitais reconhecidas.
- Evitar somar estadias repetidas que, na prática, superem 90 dias sem aviso (no caso de países que limitam a ausência).
- Planejar representante legal com procuração específica para tratar de assuntos previdenciários.
Como a devolução pode ser calculada
Quando há pagamento indevido, a administração apura quanto foi recebido durante o período irregular e notifica o beneficiário. Em muitos casos, a cobrança inclui correção monetária. O parcelamento pode ser solicitado, mas depende da avaliação da autoridade e do valor envolvido.
Regra prática: quanto maior a janela de ausência sem comunicação, maior o risco de suspensão e de uma cobrança difícil de reverter.
Quando a Justiça entra no jogo
Recorrer ao Judiciário pode reabrir o debate sobre circunstâncias específicas: doença, erro material de cadastro, avisos frustrados por falha do sistema ou situação de vulnerabilidade. Ainda assim, decisões recentes mostram rigor com descumprimentos objetivos, como ausência superior ao limite legal sem comunicação.
Sinais de atenção para quem mora em fronteira
Residência em cidades de fronteira pode confundir deslocamentos frequentes com mudança de domicílio. Nesse cenário, ter documentação de residência efetiva, contas de consumo no nome e histórico de presença constante ajuda a reduzir questionamentos administrativos.
Checklists práticos para o leitor
Se você está na Espanha ou em Portugal
- Confirme o prazo-limite de ausência permitido e peça autorização quando exigida.
- Se já viajou e ultrapassou o limite, regularize a situação e protocole explicações com documentos.
- Guarde carimbos, bilhetes e registros de entrada/saída para comprovar datas.
Se você recebe do INSS no Brasil
- Faça a prova de vida no prazo e monitore o status do benefício pelo aplicativo oficial.
- Informe viagens longas e, em benefícios por incapacidade, comunique mudanças temporárias de residência.
- Habilite alertas no banco para não perder mensagens sobre bloqueios ou pendências.
Termos que valem recordar
Pensão não contributiva: benefício pago a quem atende critérios sociais (renda, residência, idade ou incapacidade), sem vínculo direto com o histórico de contribuições. Esse tipo de pensão costuma exigir residência contínua e comprovação periódica de condições.
Prova de vida: mecanismo de verificação que atesta que o titular está vivo e mantém direito ao recebimento. Pode ocorrer no banco, por biometria ou por mecanismos digitais aceitos pelo órgão.
Dicas finais para reduzir riscos
- Antes de fechar passagens, verifique as regras do seu benefício e peça orientações formais por escrito.
- Evite “ficar no limite” dos 90 dias quando essa regra se aplica; margens de segurança ajudam a prevenir conflitos de interpretação.
- Em viagens prolongadas, organize uma pasta com documentos: notificações recebidas, protocolos, autorizações, comprovantes de residência e de retorno.
- Se receber uma notificação de suspensão, atue rápido: protocole defesa, apresente provas e acompanhe prazos administrativos.
Quando vale buscar apoio técnico
Casos com devoluções altas, como o de mais de 10.000 euros na Catalunha, exigem estratégia. Assessoria jurídica e previdenciária aumenta a chance de esclarecer fatos, negociar parcelamentos e evitar que um bloqueio se transforme em cancelamento definitivo.


